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Geraldo fala em redução do custeio e aumento de investimento, mas dados mostram o contrário

Laércio Portela / 29/09/2016

blefe“Aumentamos a capacidade de investimento da Prefeitura do Recife de 6% para 12%. Estamos gastando melhor. Fazendo um custeio mais barato e tendo mais recursos para investimento.” – Geraldo Julio (PSB) em entrevista ao programa NE TV 1aedição, da TV Globo

A construção da imagem de um técnico e gestor eficiente marcou a primeira campanha à Prefeitura do Recife de Geraldo Julio (PSB) e continua a ser uma referência na reeleição. Formado em administração pela UFPE e concursado do TCE, ele ocupou cargos importantes no terceiro governo Miguel Arraes e nos dois de seu padrinho político, o ex-governador Eduardo Campos, entre 1997 e 2012.

A melhoria da gestão financeira da Prefeitura é um pilar da eficiência técnica pregada pelo candidato socialista. Na entrevista que concedeu à TV Globo, Geraldo Julio afirmou que a atual gestão municipal barateou o custeio da máquina e pôde aumentar o investimento. A assessoria do candidato informou que a declaração está baseada em dados da própria Prefeitura do Recife.

Questionada peloTruco Eleições 2016– projeto defact-checkingdaAgência Públicafeito em parceria com aMarco Zero Conteúdo– sobre a que período o prefeito se referia para dizer que a capacidade de investimento da Prefeitura dobrou, a assessoria não deu retorno. OTrucotambém procurou a assessoria da Secretaria de Planejamento da Prefeitura e enviou e-mail para confirmar as informações apresentadas pelo prefeito e repetidas nos jornais pelo secretário Antônio Alexandre, no que diz respeito ao aumento da capacidade de investimento na atual gestão, mas, passadas 48 horas da demanda, a secretaria também não prestou esclarecimentos.

Para fazer um balanço econômico da gestão da Prefeitura do Recife, o Truco recorreu aoÍndice Firjan de Gestão Fiscal, composto por cinco indicadores: receita própria, gasto com pessoal, investimentos, liquidez e custo da dívida. A pontuação varia de 0 até 1. Quanto mais próximo de 1, melhor a gestão do município. Também utilizamos informações da série histórica das despesas correntes e investimentos disponibilizados noPortal da Transparênciae os dados anualizados da Receita Corrente Liquida (RCL) do município fornecidos pela Secretaria do Tesouro Nacional.

Em resumo, pode-se dizer que as contas da Prefeitura melhoraram no biênio 2013/2014, mas sofreram abalos no segundo biênio da gestão. Na prática, para dizer que aumentou de 6% para 12% a capacidade de investimento da Prefeitura e barateou o custeio, segundo o levantamento doTruco Eleições 2016, o prefeito tem considerado apenas os seus dois melhores anos fiscais – e ignorado os números de 2015 –, comparando-os com os dois piores anos da gestão anterior. O quadro real atual é de queda de investimentos e aumento do comprometimento da receita com pagamento de pessoal e encargos, diferentemente do que o prefeito afirmou à TV Globo. Por isso, ele recebe a carta “Blefe”.

No final do primeiro ano da atual gestão, em 2013, Recife ocupava a posição de número 77 no ranking do Índice Firjan das cidades brasileiras. Em um ano, a capital pernambucana havia ganho 331 posições sob a administração de Geraldo Julio. Mas em 2014 perdeu 185 e ficou na 262acolocação no ranking, caindo ainda mais em 2015, para 487alugar.

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Dos cinco indicadores que compõem o Índice Firjan, apenas o de “receita própria” – que mede o total de receitas geradas pelo município em relação a RCL, avaliando o grau de dependência da Prefeitura no que diz respeito às transferências do estado e da União – melhorou entre 2013 e 2015, atingindo a nota máxima neste último ano e garantindo a primeira posição nacional do Recife no ranking deste indicador específico.

Os demais indicadores sofreram quedas. A principal delas, justamente do indicador “investimento” – mede o total de investimentos em relação a RCL –, a área que o prefeito citou como exemplo de sucesso da gestão na sua entrevista à TV Globo. Em 2013, a nota deste indicador estava em 0,8643 com conceito A (“gestão de excelência”) e dois anos depois a queda significativa para 0,4595 fez a Prefeitura ser avaliada neste item com o conceito C, de “gestão em dificuldade”.

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Ao contrário do que sugere o prefeito, os investimentos da Prefeitura estão em queda quando analisamos os números do Portal da Transparência: R$ 452.702.422,02, em 2013; R$ 389.705.574,56, em 2014; e R$ 288.589.184,29, em 2015.

De qualquer forma, por qualquer conta que se faça, a média do investimento em relação à Receita Corrente Liquida é sempre maior na gestão de Geraldo Julio do que foi na do PT. Mas o aumento de 6% para 12% só bate se compararmos os dois primeiros anos de João da Costa (2009 e 2010) com os dois primeiros do atual prefeito (2013 e 2014).

Considerando os “investimentos pagos” nos dois primeiros anos da administração João da Costa, a relação investimento/RCL tem média de 6,3%. Nos dois primeiros anos de Geraldo Julio a média é de 12,3%. Mas essa conta desconsidera o melhor período de investimento da gestão petista e o pior ano de Geraldo Julio. Em 2011 a relação investimento/RCL ficou em 8,3% e, em 2012, 9,8%. Já em 2015 o percentual era de 7,8%. Reflexo da estagnação da Receita Corrente Liquida, no patamar dos R$ 3,6 bilhões, e da queda acentuada dos recursos disponibilizados para investir na cidade.

O indicador “gasto com pessoal” do Índice Firjan para a Prefeitura do Recife também teve uma piora importante em três anos. Ele mede o quanto os municípios gastam com pagamento de pessoal em relação ao total da RCL e caiu de 0,6264 com conceito de “boa gestão” (2013) para 0,5245 de “gestão em dificuldade” (2015).

Orelatório da Firjan, falando em termos gerais, explica o impacto do aumento de gastos com pessoal sobre a capacidade de uma cidade investir: “Tendo em vista que este é o gasto com maior participação na despesa total de um município, esse indicador mede o grau de rigidez do orçamento, ou seja, o espaço de manobra da prefeitura para a execução de políticas públicas, em especial dos investimentos”.

No cômputo geral, as posições dos cinco indicadores Firjan variaram da seguinte forma entre o primeiro e o terceiro ano da gestão Geraldo Julio no ranking geral das cidades brasileiras: “receitas próprias” do 59olugar (2013) para o 1º lugar (2015); “gasto com pessoal” do 1.343olugar (2013) para o 2.314o(2015); “investimentos” do 440olugar (2013) para o 1.724o(2015); “liquidez” – verifica se as prefeituras estão deixando em caixa recursos suficientes para honrar os restos a pagar acumulados no ano – do 2.371o(2013) para 2.887o(2015); “custo da dívida” – avalia o comprometimento do orçamento com o pagamento de juros e amortizações de empréstimos contraídos em exercícios anteriores – de 4.135olugar (2013) para 3.929o(2015).

O relatório do Índice Firjan 2016 – exercício 2015 – deixa claro o forte impacto da crise econômica sobre os municípios brasileiros. A situação das contas municipais piorou muito, sendo a “pior em mais de 10 anos”. “Com efeito, o IFGF atingiu seu menor nível desde 2006 com 87,4% (4.097) dos 4.888 municípios analisados em situação fiscal difícil ou crítica (conceitos C e D). Apenas 12,1% das cidades brasileiras (568) apresentaram boa situação fiscal (conceito B) e apenas 23 municípios (0,5%) apresentaram excelente gestão fiscal.

O Recife está entre as cidades de boa gestão fiscal com 0,6156 (conceito B), mas com sua pior marca registrada nos últimos 10 anos.

Nas explicações sobre a versatilidade de análise permitida pelo IFGF, a Firjan enfatiza o fato de que o índice não se restringe a uma fotografia anual, ele permite a comparação ao longo dos anos entre o desempenho dos municípios. Se é certo que a crise econômica – agravada pela crise política – atingiu em cheio as contas públicas municipais em todo o Brasil, a análise da série histórica dos dados do Recife e sua variação de posição por indicador no ranking IFGF mostra que, em muitos termos, a Prefeitura do Recife teve seu desempenho fiscal mais afetado do que outras cidades e que o impacto sobre o custeio da máquina e os investimentos foram bem maiores do que a gestão municipal e o candidato à reeleição têm admitido durante a campanha.

AUTOR
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República