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Mirian, 9 anos, recebe as tarefas via Whatsapp: mãe cuida de três filhos e tem pouca estrutura tecnológica em casa. Crédito: Layane Lima
Cobertura especial sobre a educação nas cidades do Interior de Pernambuco em tempos de pandemia. Produzida por alunos do projeto de extensão Reportagens Especiais do curso de Comunicação Social do campus Caruaru (UFPE). Parceria da Marco Zero Conteúdo com o Observatório da Vida Agreste (OVA).
Layane Lima
Em um país onde cerca de 1,8 milhão de pessoas entre 9 e 17 anos não são usuários de internet e 4,8 milhões de crianças e adolescentes residem em domicílios que não possuem acesso à rede (dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação/Cetic.br), estudar durante o período de pandemia pode ser tarefa quase impossível.
O atual cotidiano da família de Marinez Odete, 36 anos, e da pequena Mirian Raquel, 9, é um bom exemplo desse desafio. A criança, que vive em Lagoa dos Gatos, a 132 quilômetros do Recife, estuda através das atividades e aulas enviadas via WhatsApp pelos professores da Escola Municipal Cordeiro Filho. Mas Marinez, uma entre os 11 milhões de pessoas analfabetas no país, sente que não tem condições de ensinar a criança. “Eu não tenho estudo, o que sei é muito pouco, não sei nem ler”, desabafa. Ana Clarice, 14, e Evanielson, 17, irmã e irmão de Mirian, também estão tendo aulas on-line e não sobra muito tempo para ajudar a caçula.
Existe um outro problema: o celular de Marinez é o único aparelho eletrônico que eles possuem na casa para manter a comunicação com a escola de Mirian e a de seus irmãos. “Só tem eu como pai e mãe deles, é uma tarefa puxada, uma preocupação para estar sempre auxiliando. Eu incentivo Mirian a fazer as coisas da escola. No começo foi difícil pelo acesso ao meu celular, pois tudo é feito por ele, e às vezes preciso sair de casa e levá-lo. Isso atrasa um pouco a entrega das atividades”.
Esta realidade não é muito diferente de outros alunos que estudam na rede municipal da cidade. Crislayne Vitória, 13, estuda no sétimo ano da mesma escola e conta que nunca havia participado de aulas remotas e não estava preparada para o ensino à distância. “Eu uso meu celular, mas não é muito bom”, explica a garota, que também aponta a própria dinâmica da sua casa como outro impeditivo para estudar melhor. “Uma das minhas maiores dificuldades é o barulho”.
Ela também estuda através do grupo criado pelos professores no Whatsapp. “Eu entrego todas as atividades e envio fotos delas para os professores colocando o nome completo e a série. Durante as aulas, nós tiramos as dúvidas com os professores no privado e eles respondem“.
Procurada para informar quantas crianças e jovens estão hoje matriculadas na rede municipal, a secretária municipal de educação, Gislene Albuquerque, informou que cada escola é responsável por precisar o número de estudantes.
Daniela Correia, 26, é professora de língua portuguesa de Crislayne. Exerce a profissão há quatro anos e nunca havia lecionado virtualmente. Com a imposição das aulas on-line por conta da pandemia, a professora observa que as dificuldades não surgem apenas para os estudantes, mas professores e escolas também vivenciam impasses. A própria estrutura precária comum para várias famílias é uma questão.
Para Daniela, a estratégia adotada – o ensino virtual – não é democrática, pois não abrange todos os discentes. “Eu observei a questão do celular. Muitas vezes o aparelho está com a mãe e ela trabalha, o aluno tem que aguardar a chegada da mãe para fazer o uso do mesmo. A falta de equipamentos tecnológicos e da internet é uma realidade de muitos no Brasil, temos consciência disso”. Mas, no final, a profissional sublinha que ficar sem estudar neste período também não poderia ser alternativa. “Seria pior para os alunos em todos os sentidos, tanto emocional como racionalmente. A educação liberta a luta, persistência e resistência de todos nós, e isso não pode parar”.
Edjailson Aquino, 45, é gestor da escola Cordeiro Filho. De acordo com ele, cerca de 20% dos alunos do local não têm acesso à rede, e uma das estratégias usadas pelas escolas municipais para diminuir uma possível exclusão desses alunos é a entrega mensal de apostilas para os pais com as mesmas atividades que são enviadas no Whatsapp.
Sobre a relação entre escola e família, o gestor afirma que outra dificuldade encontrada foi de explicar como os estudantes serão avaliados no final do ano letivo. “Alguns pais acham que os filhos irão passar de todo jeito e relaxam. Estamos conversando com eles e falando que se os estudantes não participarem das aulas, ano que vem terão que estudar as duas séries. Explicamos também que é necessário que o aluno tenha uma postura nas aulas on-line, assim como eles teriam em sala de aula”.
Na Escola Parque Nossa Senhora das Graças, o único colégio de rede particular de Lagoa dos Gatos, uma das maiores dificuldades encontradas pelas alunas foi a adaptação ao uso das plataformas digitais como meio de estudo. Lá, utiliza-se o Zoom para atividades síncronas (alunos e professores reunidos online em uma mesma sala) e o WhatsApp para o envio de atividades.
A estudante Sueviliane Santana, 15, mora na Vila do Entroncamento. Seu maior desafio é conseguir assistir as aulas virtuais por conta da má conexão que chega à vila. “Às vezes os professores estão explicando um assunto importante e do nada a internet cai e isso me prejudica”. Éllida Gabriela, 13, é estudante do oitavo ano da Escola Parque e conta que levou um tempo para se adaptar. “Uma das minhas maiores dificuldades foi aprender a entrar no Zoom. Um dos pontos positivos é que estamos em casa, é mais confortável”.
Alayz Vasconcelos, 29, é professora da Escola Parque Nossa Senhora das Graças. Para ela os desafios surgem desde a preparação das aulas, até chegar ao aluno. “Queríamos abranger a todos por questão de igualdade e direito”. Para Alayz, um bom resultado tanto em aulas presenciais quanto virtuais, depende em boa parte do que o aluno recebe em casa. “Cada professor está fazendo sua parte da maneira que pode. Existem muitas famílias que não ajudavam nem quando o aluno estava em sala de aula e muito menos agora na pandemia. Nossa sociedade necessita de mudanças, os pais precisam entender que somos nós que ensinamos, mas eles não as pessoas que educam, e tudo só vai dar certo quando finalmente existir uma junção entre família e escola”, desabafa.
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