Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Ivanildo, professor de Matemática da UFPE, precisou comprar equipamentos com recursos próprios para dar aulas remotas. Crédito: Arquivo Pessoal
Cobertura especial sobre a educação nas cidades do Interior de Pernambuco em tempos de pandemia. Produzida por alunos do projeto de extensão Reportagens Especiais do curso de Comunicação Social do campus Caruaru (UFPE). Parceria da Marco Zero Conteúdo com o Observatório da Vida Agreste (OVA).
Cladisson Rafael e Maria Souza
Não há dúvidas que os prejuízos materiais, educacionais, de saúde e simbólicos no ensino superior do país devido à pandemia da Covid-19 são enormes. Faculdades, universidades e institutos federais fechados e estudantes distantes das salas de aula escancararam problemas como a mercantilização do ensino e a ainda difícil relação com a tecnologia entre estudantes e docentes. A desigualdade social também foi super exposta. Basta pensar que 70,2% dos alunos e alunas dos Institutos Federais (Ifes) do Brasil vivem com uma média mensal familiar de até um e meio salário mínimo, segundo a Associação dos Reitores das Universidade Federais (Andifes).
Em Pernambuco, para minimizar as consequências da suspensão das aulas presenciais, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) apresentou o Semestre Suplementar (2020.3), proporcionando a oportunidade dos estudantes continuarem a sua formação por meio de educação remota. As aulas acontecem de maneira síncrona (estudantes e professoras reunidos em sala de aula virtual) e assíncrona (atividades realizadas remotamente e individualmente). Parece simples, mas não é.
Apesar de o ensino remoto ser a alternativa de retorno às aulas, Edson Sobral, 20 anos, considera a modalidade muito cansativa e sente falta do contato físico. Ele é estudante do curso de Licenciatura em Matemática no Centro Acadêmico do Agreste (UFPE/CAA) e mora em Altinho, cidade do interior de Pernambuco a mais de 34 quilômetros de Caruaru, onde fica o campus. No semestre suplementar, Edson, que dá aula para estudantes que estão se preparando para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), se matriculou em várias disciplinas, lotando a grade de horários, justamente pensando na rotina quando as aulas presenciais retornarem.
A adaptação, segundo ele, tem sido difícil. “Meu desempenho tem sido inferior ao comum devido à falta de concentração”, comenta o estudante. Para Edson, as atividades são mais proveitosas e efetivas quando os professores têm uma maior desenvoltura tecnológica.
O estudante também continuou com as atividades de pesquisa e extensão e cita que algumas delas foram prejudicadas. Ele participa de três projetos. Dos projetos de extensão, um está paralisado devido à pandemia e o outro surgiu depois do início do isolamento social. O terceiro é um projeto de pesquisa integrado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entidade ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações para incentivo à pesquisa no Brasil, que, em abril teve cursos da área de humanas cortados do edital para acesso a 25 mil bolsas de iniciação científica oferecidas pelo órgão federal.
Além de estudantes, professores também estão no processo histórico de adaptação ao formato remoto. O professor de Licenciatura em Matemática do Centro Acadêmico do Agreste (UFPE/CAA), Ivanildo Carvalho, 41 anos, é um deles. O desafio, para ele, é a garantia instável no acesso à conectividade e às tecnologias necessárias.
O professor cita aplicativos de quadros interativos e quizzes como recursos fundamentais, embora reitere que as versões gratuitas são limitadas. “Para o ensino da matemática é crucial uma mesa digital, por exemplo, e nem sempre é possível ter esses equipamentos”, comenta. Para Ivanildo, a falta de suporte e garantia de equipamentos como esse para os professores do ensino público significa perda no processo de aprendizagem. Como ele não tinha o material necessário, teve que usar recursos próprios para investir em câmera, iluminação, aumento do plano de dados da internet e um extensor de sinal wi-fi para conseguir dar aulas com qualidade.
A UFPE informou, por meio da Assessoria de Comunicação, que não há previsão de início de um semestre 2020.4, porém já iniciou a discussão sobre essa possibilidade. Quanto ao retorno às aulas presenciais e à retomada do semestre 2020.1, que está suspenso desde março deste ano, informou que o tema tem sido amplamente discutido na universidade. A instituição possui 3 campi e 13 Centros Acadêmicos, sendo um deles em Caruaru, fundado em 2006 e, atualmente, com 4.367 estudantes matriculados nos 11 cursos de graduação.
Em todo o Brasil, de acordo com um levantamento do Semesp, órgão que representa o setor de ensino privado superior no Brasil, as universidades particulares perderam 265 mil estudantes em apenas dois meses por conta da Covid-19. Em 2020, as faculdades particulares sofreram um aumento de 51% na inadimplência e 14% na evasão dos estudantes durante o 1º semestre. Além disso, as matrículas sofreram uma queda de 50% em comparação com o ano anterior. A evasão foi quase 32% maior em relação ao mesmo período de 2019. Segundo o levantamento, em torno de 11,3% dos estudantes devem terminar o ano inadimplentes, com ao menos uma parcela atrasada.
Eloíza Rocha, 23, é estudante do curso de Direito na Unifacol, em Vitória de Santo Antão. Antes da pandemia, fazia um trajeto de quatro horas de ônibus de Surubim até a universidade. Bolsista pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), ela conta que precisa conciliar os estudos com o trabalho, pois seu financiamento não é 100%, ou seja, precisa trabalhar para pagar parte da mensalidade.
“O maior desafio é ter que dividir meu horário e conciliar o trabalho e o estudo com os cuidados com minha filha. Além disso, vejo reclamações de colegas a respeito das mensalidades que não foram ou foram muito pouco reduzidas, mesmo com a qualidade do ensino caindo”, comenta.
Para Samara Mirelle, 19, estudante do curso de Medicina Veterinária na Unifavip em Caruaru, o desafio é manter o foco nas aulas. “Estudar em casa demanda mais comprometimento. Você precisa conciliar família, trabalho e estudos. Isso acaba muitas vezes gerando estresse,você olha e pensa que o período está perdido”. Samara é bolsista pelo ProUni e lamenta a falta de acompanhamento para as aulas práticas tão importantes para sua área de formação. “No meu curso a prática é essencial, mas, no momento, com as aulas remotas, isso não é possível. Me sinto prejudicada”.
O professor Júnior Mário Baltazar, coordenador do curso de Medicina Veterinária da Unifavip, acredita que o ensino remoto é o próprio desafio em si, e é a primeira vez que precisa lidar com o formato de aulas à distância. “Durante a nossa carreira, não tivemos em nenhum momento algo desse tipo ou, então, durante a pós-graduação em veterinária, algo que nos capacitasse para as plataformas digitais. Acredito que esse é o maior desafio, em um curto espaço de tempo, nos adaptarmos a essas plataformas e mudarmos a didática presencial para um ambiente remoto”.
Clarissa Santos, 24, estudante de administração, conta que na pandemia precisou dividir sua rotina entre as aulas remotas da faculdade e as vendas de sua loja online. “Às vezes deixo a aula de lado para poder atender os clientes e isso dificulta mais e mais o meu aprendizado” A estudante é bolsista Prouni na faculdade UniSãoMiguel, em Recife, e com a pandemia retornou para a casa dos pais em Surubim, que já teve registrados mais de 1.100 casos de Covid-19, segundo a prefeitura municipal.
Para Tenaflae Lordêlo, professor do curso de Comunicação da Unifavip, de maneira geral professores e IES privadas tiveram pouco tempo para responder ao desafio de transportar o modelo presencial para o remoto. “Em minha opinião, para o segmento privado, não ocorreu um período para criar um modelo validado, mas tivemos boas experiências para compartilhar”.
O professor acredita que uma construção colaborativa do conhecimento, que desafie alunos, professores e IES na remodelagem dos seus modelos educacionais, é o caminho para tornar a educação online mais inclusiva. “Algumas IES tiveram mais habilidades neste momento, pela relação que já tinham nas suas matrizes de componentes online. Mas não foi em muitos casos suficiente para evitar abandonos, dificuldades externas de conectividade. Neste sentido, a chave de inclusão digital é a mesma da educação presencial. A inclusão digital é uma questão social que se agravou na pandemia. Nosso problema é maior que a pandemia, é estrutural”.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.