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Falta de diálogo e mudança na condução política da Empresa Pernambuco de Comunicação (EPC) acenderam o sinal de alerta de entidades da sociedade civil que acompanham a comunicação pública no estado. A questão veio a público com a entrega do cargo pelo vice-presidente Felipe Calheiros, que se justificou em nota pela “impossibilidade de gerir uma empresa pública, sem participar da decisão sobre a composição de sua equipe gestora”.
Sem citar nomes, Felipe se referia às recentes nomeações de Ivan Júnior para a diretoria de Programação e Produção da EPC/TV Pernambuco e de Paulo Paiva para a diretoria de Administração e Finanças. O convite a Ivan veio do próprio governador Paulo Câmara (PSB) e o para Paulo partiu do recém-nomeado secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do estado, deputado Lucas Ramos (PSB). Felipe e o presidente da EPC, Gustavo Almeida, não foram consultados.
Na última reunião do Conselho de Administração da EPC, três conselheiros da sociedade civil apresentaram voto de desconfiança a Ivan Júnior. Apontam conflito de interesse na nomeação do empresário que é fundador e dono da B2 Filmes, produtora audiovisual que mantém contrato com a Assembleia Legislativa de Pernambuco e presta serviços ao Governo do Estado, à Prefeitura do Recife e já foi contratada até pela própria EPC.
O caso da Alepe é o mais emblemático. A B2 Filmes, nome fantasia da Advice Multimídia Serviços e Locações LTDA, substituiu a EPC, no ano passado, na prestação de serviços à TV Alepe, que rendiam em torno de R$ 60 mil mensais à empresa pública. As mudanças no termo de referência do contrato, com a inclusão de novos equipamentos, impossibilitaram a EPC de concorrer ao pregão vencido pela B2 Filmes.
A entrada da B2 Filmes no lugar da EPC aconteceu poucos meses após as nomeações do ex-deputado Ricardo Costa para a superintendência de Comunicação da Assembleia e do jornalista e empresário Pedro Paulo para a direção da TV Alepe. Pedro Paulo é fundador da TV Nova Nordeste e sua chegada ao Legislativo também foi vista com desconfiança por movimentos sociais que atuam na defesa da comunicação pública em Pernambuco, justamente pelo receio do avanço da iniciativa privada sobre o setor.
Em entrevista à Marco Zero Conteúdo, em abril do ano passado, Ricardo Costa afastava esses temores e afirmava que já estava em tratativas com o então secretário de Ciência e Tecnologia do Estado, Aluísio Lessa, para garantir a renovação do contrato com a EPC. O que não aconteceu.
Sobre o pregão vencido pela B2, entidades da sociedade civil acionaram o Ministério Público alegando, entre outros pontos, a falta de cotação de preços que justificasse o valor arbitrado para o contrato; a opção da Alepe por realizar um pregão presencial quando poderia ter realizado a modalidade eletrônica; e o fato do edital citar a necessidade de aluguel de equipamentos que já teriam sido licitados anteriormente, como receptores de satélite e antena parabólica. O processo foi arquivado.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) não viu ilegalidade, mas instaurou auditoria de acompanhamento da execução do contrato com a B2. O contrato foi aditado e prorrogado por mais um ano, com validade até julho de 2021 no valor de 795.995,46. No ano passado, a B2 recebeu R$ 325.000,00 da Alepe e este ano já foram pagos R$ 455.000,00.
A empresa fundada por Ivan Júnior assumiu há sete anos a transmissão do Carnaval para a Prefeitura do Recife. Em 2020, segundo postagem do Facebook da B2 Filmes, foram mobilizados 30 profissionais e 12 câmeras para a cobertura dos polos Marco Zero, RecBeat e Arsenal. Em 2017, o contrato para a execução do serviço assinado com a Fundação de Cultura do Recife – ligada à Secretaria de Cultura – foi de R$ 190 mil, segundo extrato publicado no Diário Oficial.
Este ano, a B2 Filmes tem realizado transmissões das entrevistas coletivas e pronunciamentos de autoridades públicas no Palácio do Campo das Princesas por conta da pandemia. Nas redes sociais, a empresa informa possuir em seu portifólio vídeos institucionais, publicitários, de marketing político e transmissões ao vivo. Além de Pernambuco, tem atuado nos estados de São Paulo, Paraíba, Pará e Maranhão.
Em 2018, a B2 fez a captação, edição e transmissão ao vivo do Festival de Garanhuns para a própria TV Pernambuco, em contrato com a EPC no valor de R$ 49.880,00.
Procurado pela reportagem da Marco Zero Conteúdo, Ivan não quis comentar o assunto. Disse que só quem poderia falar pela EPC era o presidente Gustavo Almeida. Também não quis comentar a crítica de que foi nomeado sem o conhecimento do presidente e do vice-presidente da empresa, nem tampouco sobre o voto de desconfiança por conflito de interesse dado pelos conselheiros.
Também não disse se havia se afastado da direção da B2, alegando que essas informações já haviam sido prestadas na reunião do Conselho. Passados mais de 15 dias, a ata da reunião ainda não foi publicada no site da EPC.
Questionado sobre os contratos com o Governo do Estado e a Prefeitura do Recife, Ivan sugeriu que a MZ Conteúdo procurasse as informações no Portal da Transparência.
À exceção dos desembolsos feitos pela Alepe e pela EPC, a reportagem não encontrou no portal do Governo do Estado, nem no da Prefeitura do Recife referência a outros pagamentos feitos à Advice Multimídia Serviços e Locações LTDA nos últimos anos, apesar de as transmissões no Palácio e do Carnaval do Recife estarem citadas e registradas em imagens nas redes sociais da B2.
A Secretaria de Imprensa do Governo disse que não se pronunciaria a respeito do assunto e não forneceu informações sobre os contratos de transmissão das coletivas. A Secretaria de Cultura da Prefeitura do Recife também não deu retorno às demandas da reportagem sobre os contratos do Carnaval.
O secretário de Ciência e Tecnologia Lucas Ramos seguiu o mesmo roteiro de Ivan, solicitando que a reportagem procurasse Gustavo Almeida para falar sobre a EPC. Pelo Whatsapp, Gustavo afirmou que “a prerrogativa das nomeações é do governador” e confirmou que não foi ouvido, “desta vez não participei do processo”.
Sobre a manifestação de integrantes da sociedade civil, afirmou que “membros do Conselho fizeram constar o voto de desconfiança e o Presidente do Conselho encaminhou que fosse solicitada análise pormenorizada pela Procuradoria Geral do Estado”. O presidente do Conselho, eleito nesta mesma reunião, é o secretário Lucas Ramos.
Representante da sociedade civil no Conselho da EPC e integrante do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Sidney Mamede vê um “conflito flagrante de interesse” na nomeação de Ivan Júnior. “Ele é um empresário do ramo da comunicação, a empresa dele já prestou serviços à própria EPC, tem um contrato grande com a Alepe, fornece produtos semelhantes aos produtos que a EPC fornece. E nós achamos que isso cria um problema. Será que daqui a alguns dias nós veremos a produção ser terceirizada para parceiros ou para a própria empresa da qual ele foi membro?”, questionou.
Segundo Mamede, na reunião do Conselho foi alegado que Ivan não consta mais como sócio da empresa. “Mas no próprio currículo dele, que foi distribuído, consta que ele é sócio e diretor da empresa. Nós achamos que ele se afastou apenas para tomar posse. Quem ficou no lugar dele? Alguém da família? Ele chegou a dizer que não precisava disso, que não precisava desse emprego, que estava vindo para ajudar…”, conta Sidney.
A jornalista Rosa Sampaio, do Centro Cultural Luiz Freire (CCFL) e conselheira da sociedade civil, também deu voto de desconfiança à nomeação. “Ficam dúvidas no ar. A EPC pode tomar a decisão de não disputar espaço nas secretarias de governo, deixar de disputar espaço para transmitir as aulas da Secretaria de Educação ou de contratos com a Secretaria de Saúde e outros órgãos? Quando a empresa privada dele participa da cobertura de Carnaval, como ele vai atuar em favor da TV pública nesse caso? É preocupante”, assinala. Além dela e de Sidney, Paula de Souza, da Auçuba – Comunicação e Educação, também deu voto de desconfiança à nomeação.
Rosa, que integra o Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom), critica o modo como se deu o processo de escolha e nomeação de Ivan e também de Paulo Paiva para a Diretoria Administrativa e de Finanças, sem que os nomes tenham sido apreciados pelo presidente e vice e previamente apresentados ao Conselho.
“Me parece que há um total desconhecimento por parte da Secretaria (de Ciência e Tecnologia) do papel do diretor presidente da empresa e de um Conselho Administrativo. Somos nós que assinamos e avalizamos as questões administrativas, planilhas, balanço. Nós respondemos por isso. Como você nomeia dois diretores, incluindo o Administrativo, e não apresenta os nomes anteriormente ao Conselho, ferindo o estatuto da empresa?”, questionou.
Rosa se referia ao artigo 17 do estatuto que coloca entre as atribuições do diretor presidente da EPC “propor ao Conselho de Administração as nomeações e destituições dos demais diretores”.
Mamede não vê irregularidade propriamente no fato de o Conselho não ter avalizado previamente os dois nomes. “Na verdade, quem nomeia os diretores da empresa não é o presidente, é o acionista. E o acionista exclusivo da EPC é o Governo de Pernambuco e o governador tem o poder discricionário para nomear ou exonerar seus colaboradores”, afirma.
Mas faz uma ressalva. “Agora, eu penso que as boas práticas de gestão indicam que ouvir o gestor na substituição de sua equipe é aconselhável. Gustavo e a diretoria da empresa poderiam ter sido ouvidos. Mas essa é uma questão política e não legal”.
Enquanto as nomeações repercutiram negativamente entre os representantes das entidades da sociedade civil que acompanham a política de comunicação pública em Pernambuco, o destaque no site da EPC desde o início da noite do dia da reunião do Conselho, em 18 de setembro, é para a eleição do secretário Lucas Ramos como novo presidente do Consad e as apresentações protocolares dos novos diretores.
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República