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A nova cara das candidaturas coletivas

Raíssa Ebrahim / 28/10/2020

Com o fim das coligações para as eleições de vereador em 2020 e o sucesso de experiências compartilhadas, mais grupos e partidos têm apostado nas candidaturas coletivas. Um movimento que nasceu de forma orgânica em 2016, sobretudo através da união de mulheres negras do campo progressista, ganhou força nas eleições de 2018 e agora se espalha também entre os homens e na direita.

Para mostrar essa nova cara – uma das marcas do pleito de 2020 -, a Marco Zero Conteúdo levantou, no site DivulgaCand, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as quase 20 mil candidaturas à vereança dos 184 municípios de Pernambuco. O resultado surpreendeu: encontramos quase 100 iniciativas desse tipo, com as mais diversas composições e propostas e dos mais diversos partidos políticos, do litoral ao sertão. 

Leia aqui lista com as candidaturas coletivas em Pernambuco

As candidaturas compartilhadas não existem formalmente, não há previsão legal para esse tipo de iniciativa. Mas, por outro lado, também não há uma lei que as impeça. Na prática, apenas uma pessoa aparece na foto da urna, recebe o registro, disputa a eleição, presta contas e, em caso de vitória, é diplomada. Se a pessoa deixar o cargo, quem assume é o suplente, e não um membro do grupo.

Nesta semana, o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) publicou uma Orientação Normativa que impede que o nome na urna faça menção à candidatura coletiva. Por maioria de votos, a Corte Eleitoral tomou a decisão com base no argumento de que o nome poderia causar confusão na cabeça do eleitorado.

De acordo com a orientação, o nome para constar na urna eletrônica não poderá conter qualquer expressão que, ainda que aliada ao prenome, sobrenome, cognome, nome abreviado, apelido ou nome pelo qual é mais conhecido o candidato, sugira ao eleitor que o mandato será exercido coletivamente.

Como não é possível saber quais chapas são ou não coletivas porque nem todas deixam a proposta evidente no registro, o levantamento da MZ, realizado antes da decisão do TRE-PE, buscou no DivulgaCand todos os nomes que sugerem uma coletividade e, a partir daí, montou uma lista. Depois checamos todas as candidaturas dessa lista, uma a uma, para saber se eram mesmo coletivas e também conhecer as suas composições (se são femininas, masculinas ou mistas e por quantas pessoas são formadas).

O levantamento é compartilhado. Se você faz parte de uma candidatura coletiva e não está na lista, avisa para a redação (marcozero@marcozero.org).

O que o fim das coligações tem a ver com isso?

A professora, advogada eleitoralista e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) Yanne Teles explica que o fim das coligações na disputa pelo legislativo municipal impulsionou a montagem de candidaturas coletivas como uma forma de conseguir mais votos. Essa foi uma das novidades destas eleições, que fortaleceu os partidos maiores e impactou os menores. 

Isso porque agora não é mais permitida a formação de coligações entre diferentes partidos para concorrer numa mesma chapa. Antes as siglas se juntavam e um candidato terminava “puxando” o outro. Agora não é mais assim, a soma de votos é feita individualmente, partido a partido. A emenda que alterou as regras, de 2017, vale também para as eleições de deputados estaduais e federais a partir de 2022.

O atual crescimento da proposta de compartilhamento veio junto uma ofensiva da Justiça Eleitoral para tentar barrar as iniciativas. Os argumentos são semelhantes: as chapas coletivas ferem a legislação que fala sobre nome e foto na urna e podem confundir o eleitorado. Através do projeto Adalgisas, a reportagem já mostrou o caso da Nossa Cara (Psol-CE), em Fortaleza, da Bancada Coletiva Igaraçuara (Psol-PE), em Igarassu, na Região Metropolitana do Recife (RMR).

Como consequência, muita gente passou a estrategicamente, antes mesmo da decisão desta semana do TRE-PE, a mudar ou adaptar o nome na urna para evitar problemas junto à Justiça e que a candidatura corre sob júdice. Existe uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no Congresso (nº 379/17), da deputada Renata Abreu (Pode-SP), para legitimar os mandatos compartilhados, mas a matéria ainda está em tramitação.

Propostas querem “surfar na onda” da coletividade

A doutorando em ciências políticas pela Universidade Federal de Pernambuco e integrante do Fórum de Mulheres de Pernambuco Natália Cordeiro comenta que, dentro do jogo político, o movimento de crescimento das candidaturas coletivas é considerado uma “mudança incremental”. Na avaliação dela, no vácuo do descrédito e da negação da política institucional, que teve 2013 como marco, despontaram outsiders e figuras como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que prometem um rompimento com “tudo que está aí posto”.

Mas, por outro lado, no campo progressista, surgem candidaturas para repensar e questionar as regras institucionais e o sistema político, tentando construir possibilidades menos personalistas e mais coletivas. Mas Natália chama a atenção para um olhar mais crítico: não necessariamente as candidaturas mais à direita acreditam nessa coletividade e negam os perfis personalistas. As propostas compartilhadas muitas vezes são estratégias para chamar a atenção do eleitorado para mostrar que algo diferente está sendo feito num contexto em que a maior parte da população segue exausta desse modelo político.

Ela explica: quando a esquerda tensiona para um campo, como o feminismo, por exemplo, falando muito da violência contra mulheres, a questão passa a ser mais amplamente dialogada e inevitavelmente as pessoas tentam se aproximar da pauta, mesmo que seja de forma superficial, “surfando na onda”.

“Por exemplo, a pauta da inclusão é fácil de ser manejada na direita e também na esquerda. São pautas disputadas, mas passam com menos política. É diferente de dizer que é uma candidatura favelada, preta, antiproibicionista, LGBTQI+. O próprio discurso permite distinguir uma coisa da outra”, analisa Natália.

Representatividade de corpos ou também de pautas?

Na visão da professora, ativista, co-diretora da ONG #MeRepresenta e integrante do #VoteLGBT e da Rede Feminista de Juristas (deFEMde) Evorah Cardoso não é possível categorizar todas as experiências coletivas. “Não existe pedigree”, brinca.

“Deu certo, é interessante, as pessoas olham com interesse na quebra da individualidade dos mandatos, e aí tem-se a apropriação disso por outros grupos políticos e ideológicos, que muitas vezes querem ‘hackear’ essa inovação, mas com graus ainda menores de organicidade e que defendem pautas contrárias ao modelo onde isso surge. faz parte da política”, diz ela. “Mas não queremos só representatividade de corpos, mas de corpos e pautas”, enfatiza.

Evorah comenta que é preciso reconhecer que as candidaturas coletivas são uma inovação política da esquerda, feminista, antirracista, antilgbtofóbica e indígena como reação a uma série de políticas conservadoras. “Essas pessoas se juntaram num método interseccional de se fazer política”, resume.

As principais experiências recentes

Juntas entregam ao TRE-PE manifesto em defesa das candidaturas coletivas. Crédito: Cínthia Roque

Há três experiências coletivas recentes marcantes no Brasil. Uma delas começou em 2016 em Belo Horizonte com o coletivo Muitas, do Psol. Através de uma campanha coletiva, duas vereadoras foram eleitas, ocupando cadeiras distintas, Áurea Carolina e Cida Falabella. Junto com Bella Gonçalves, elas formaram a Gabinetona, uma experiência de ocupação cidadã da política institucional que reúne quatro mandatos parlamentares em um mandato coletivo com ações e estratégias compartilhadas. 

Em 2018, Áurea foi eleita deputada federal e Andréia de Jesus deputada estadual. Em 2020, o Muitas está com 12 candidaturas à vereança de BH, sendo duas delas coletivas.  

Foi também em 2016 que surgiu, em São Paulo, a Bancada Ativista, apoiando oito candidaturas de partidos distintos à vereança da capital. Uma delas foi eleita, Sâmia Bonfim (Psol). Em 2018, nove ativistas de diferentes pautas, territórios e partidos se elegeram um único nome e número na urna, a Mandata Ativista. Em 2020, a Bancada Ativista está apostando em seis candidaturas de partidos distintos ​unidas por oito propostas ditas como urgentes para a cidade de São Paulo.

Em 2018, Pernambuco elegeu as Juntas (Psol), cinco codeputadas feministas para a Assembleia Legislativa do Estado (Alepe), com 39.175 votos. Carol Vergolino, Jô Cavalcanti, Joelma Carla, Kátia Cunha e Robeyoncé Lima têm sido exemplo para outras iniciativas compartilhadas Brasil afora. Neste ano, elas montaram uma cartilha com tudo que aprenderam sobre como gerir uma candidatura coletiva, além das conquistas como mandata.

As Juntas lançaram, nesta terça-feira (20), um manifesto político em defesa dos mandatos coletivos e entregaram o documento no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) se posicionando contra ofensiva da Justiça Eleitoral.

Atualizado às 21h23

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com