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Vinícius (PT) é o primeiro vereador preto LBGTQ+ de Olinda. Dete (PCdoB) é militante da luta por moradia. Créditos: acervos pessoais
Olinda novamente elegeu uma Câmara de Vereadores majoritariamente masculina e conservadora. Repetindo o pleito de 2016, este ano somente duas mulheres foram eleitas. Além da reeleição de Denise Almeida (Republicanos), ocupará uma cadeira na Casa Bernardo Vieira de Melo a estreante Dete Silva (PCdoB), do Movimento Independente Sem Teto (Mist).
Outra novidade é a eleição do jovem advogado militante dos direitos humanos Vinícius Castello (PT), primeiro preto LGBTQ+ a se eleger à vereança olindense. Os dois nomes, ambos com origem na periferia, serão os únicos da esquerda entre os 17 representantes do legislativo da cidade, que reelegeu com folga o Professor Lupércio (Solidariedade) no primeiro turno.
Com 1.679 votos, Dete ficou em 16º lugar na votação. Atualmente com três cadeiras, o PCdoB elegeu apenas ela este ano. Já o PT volta à casa com a eleição de Vinícius, que obteve 2.007 votos e ficou na 15ª colocação. Do campo progressista, o PSB não colocou ninguém e o PDT apenas um (veja lista completa ao final da matéria).
A Marco Zero Conteúdo conversou com os dois por telefone para conhecer mais sobre suas trajetórias e propostas para Olinda.
Dete é mulher preta, nasceu após a cheia de 1975 e hoje, com 44 anos, é militante e coordena o Movimento Independente Sem Teto (Mist), fundado em 1994. É vice-presidente da União das Associações e Conselhos dos Moradores de Olinda (Unacomo) e coordenadora da União Brasileira de Mulheres (UBM).
Morando na beira do rio em Peixinhos e vivendo a infância num barraco, Dete conta que começou a trabalhar cedo para ajudar o pai a sustentar mais dois irmãos. Entre os trabalhos que fez, tirou areia de rio e vendeu manga em bacia. Seu sonho sempre foi ter uma casa. Aos 10 anos, participou de uma ocupação junto com a família, quando começou a conhecer a atuação de quem liderava as comissões e decidiu: “um dia também vou ser líder”.
Feminista, Dete defende que “mulher tem que estar onde ela quer” e diz que não se intimida diante da formação da Câmara de Olinda. “Vai ser uma batalha árdua, mas vamos estar lá para travar esse desafio e fazer valer nossos projetos e ideias”, coloca. A futura parlamentar, com forte eleitorado em Rio Doce, tem o direito à moradia como principal pauta e diz que está discutindo seu programa com outras mulheres e “pessoas de terreiro, de igreja e da cultura”.
A composição de sua equipe será majoritariamente feminina, adianta. “Não é por discriminação de homens, tá? É que uma mulher entra só numa relação e, quando sai, sai com dois, três filhos e vira mãe e pai. Lógico que vou botar homens no grupo, mas minha assessoria terá mais mulheres”, avalia.
Sobre o cenário da esquerda na câmara e a derrota de João Paulo (PCdoB), Dete comenta que não sente que a esquerda saiu derrotada. “Ela saiu fortalecida, mas precisamos trabalhar mais e a população precisa valorizar mais o seu voto. Lupércio passou quatro anos sem fazer nada e, mesmo assim, a população votou nele. A campanha foi muito difícil, teve muita compra de voto. Mas, desde o início, eu disse que, se fosse para ser eleita por compra de voto, eu nem me candidataria. Primeiro porque eu não tenho dinheiro e segundo porque não é meu perfil”.
Advogado, preto, LGBTQ+, periférico e ativista dos direitos humanos. Com 26 anos recém-completados, Vinícius é a pessoa mais jovem a entrar para a Câmara de Olinda. Nascido no município de Paulista e criado na Barreira do Rosário, sua vida política começou com a participação no movimento estudantil. “Foi quando passei a adquirir consciência de raça e de classe”, conta. Com formação em cidadania e direitos humanos, aos 17 anos ele começou a se envolver em projetos da sociedade civil.
Depois se formou em direito pela Unicap, sendo a primeira pessoa da sua família a entrar e concluir uma graduação. Vinícius é membro da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE) e do Movimento Negro Unificado (MNU). Também coordena o Quilombo Marielle Franco, coletivo de estudantes negros e negras da universidade onde se formou. Com mais de 80 membros, o grupo tem uma rede de apoio que ajuda mais de 2 mil pessoas, das quais 1,6 mil já conquistaram bolsa de estudos.
Eleito majoritariamente pela juventude olindense, Vinícius tem como meta “ser a pessoa dos direitos humanos na Câmara de Olinda”, através de uma construção coletiva dentro da necessidade de garantias de direito, em defesa das pautas das Pessoas com Deficiência, das mulheres, das pessoas pretas e periféricas, da educação e da cultura. O futuro parlamentar considera que sua eleição é uma vitória também por conta do quadro de “uma política arcaica que envolve compra de votos”.
“Meu corpo é um corpo político, sou homem, jovem e preto que nasceu e cresceu na periferia, assumidamente LGBTQ+ e que tem lutado pelo direito das pessoas. Se publicizar e se expor como o que se é numa comunidade que mata corpos como os meus é corajoso e revolucionário”, comenta.
Sabendo que cenário requer “muita articulação, transparência e participação”, Vinícius diz estar ciente de que “algumas pancadas virão, porque os direitos das pessoas que sofrem dia após dia serão pautados”. “Está na hora de se discutir quem tem o poder, que é o povo. Vamos trazer o empoderamento para que as pessoas entendam que suas vozes são muito mais potentes”, defende.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com