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O comerciante Josenaldo Barbosa da Silva não aguentava mais os clientes que entravam na peixaria dele em Caruaru sem máscaras. Apesar de ser lei, era raro um cliente entrar com a proteção já no rosto. Era um estresse. “Se não tiver ou não colocar, eu simplesmente não atendo. O povo fica dizendo que vou perder cliente, que vai ter represália. Mas o negócio é meu, trabalho aqui, todo mundo na peixaria usa máscara e é assim que tem que ser”, afirma. No sábado passado, ele se irritou ainda mais. Pagou R$ 60 a um vizinho que fez uma faixa, que está na entrada do comércio: “Só atendemos com a porra da máscara”. Não poderia ser diferente: a imagem viralizou durante o fim de semana.
Naldo do Camarão, como seu Josenaldo é conhecido, se diz indignado com o descaso do governo e da população. “No começo da pandemia, nem eu usava máscara. Achava exagero. Mas a gente tá vendo que a doença existe, que para uns pode ser uma besteira, mas que mata um monte de gente. E o povo não está nem aí!”, diz. Ele conta que queria fazer uma faixa “mais pesada”. “Era para ser ‘só atendemos com a desgraça da máscara!”. Mas aí minha esposa me convenceu a aliviar e eu coloquei porra”, revela.
Naldo do Camarão não recebeu qualquer cartaz, folheto ou faixa da prefeitura de Caruaru, do Governo do Estado ou do Ministério da Saúde. Em Pernambuco, todo mundo que trabalha ou entra em estabelecimento comercial deve usar máscara, de acordo com a lei nº 16.918, de 18 de junho de 2020. Mas até mesmo em postos de saúde e hospitais, faltam sinalizações sobre essa prática.
A mesma indignação com a falta de cartazes e folhetos para orientar a população e comerciantes levou o mobilizador social Sérgio Santos a agir no Recife. Mas de uma forma bem mais construtiva.
Há alguns meses, Sérgio, que também trabalha com microscopia física na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), conversava sobre essa falta de sinalização com o epidemiologista Jones Albuquerque, da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Ambos trabalham juntos no Instituto para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco -(IRRD-PE). “Jones me mostrou uns panfletos, com palavras em inglês. Já não basta lockdown? Quem entende o que é lockdown? Então resolvi adaptar para a linguagem da periferia, da comunidade”, conta.
Em uma parceria com a UFRPE, conseguiu imprimir 10 mil folhetos e cartazes. Sérgio é também líder do Grupo Escoteiro Duarte Coelho 102/PE, que conta com 37 membros, de seis até 21 anos. Por conta da pandemia, as atividades presenciais estão suspensas. Então Sérgio faz o trabalho de distribuição dos cartazes e folhetos praticamente sozinho. “Às vezes conto com a ajuda dos escoteiros que são maiores de idade”, conta.
Morador do Engenho do Meio, Sérgio começou o trabalho pela comunidade de Roda de Fogo, onde moram alguns dos escoteiros do grupo. “Há a imposição de que as pessoas mantenham distância e usem máscaras, mas não existe nada que sinalize isso para as pessoas nos comércios. Fui essa semana na comunidade e ouvi gracinhas de que a pandemia já tinha acabado. “Como tás falando de pandemia, se nem o governo fala disso?” O cara que deveria estar falando não fala, pelo contrário, ele diz que acabou. A comunidade vai acreditar em Saci Pererê mas não vai acreditar em pandemia. Se ninguém fala na necessidade de usar máscara, como as pessoas vão usar? Por inspiração divina? É preciso sensibilizar a população”, diz.
Com experiência no trabalho de epidemiologia de campo em outras epidemias, como a de zika e de dengue, Sérgio Santos afirma que é necessário escutar a população. “Dizemos que é preciso usar mpascaras, distanciamento de 2 metros…mas são coisas bonitas no papel. Quando você vai pras comunidades você vê que tem becos em que só passa uma pessoa, como ficar a 2 metros de distância?”, questiona. “É preciso trazer a prevenção pra realidade”, diz.
Ao colar os cartazes e distribuir os panfletos, Sérgio também conversa com as pessoas. É o que considera mais importante. “Há uma carência enorme de informações. Há muitos “nãos”. Você não pode fazer isso, leva multa se não usar máscara. É muito “não, não, não”. As pessoas precisam de palavras de afago e de serem ouvidas. Não adianta dizer que tem que usar máscara e não explicar o motivo, não oferecer uma máscara”, diz.
Para continuar o trabalho, Sérgio Santos pensa em montar uma vaquinha online e também oferecer máscaras para as pessoas com quem conversa na Roda de Fogo. Quem quiser ajudar nessa cruzada de praticamente um homem só, pode entrar em contato pelo e-mail periferiaecidadania@gmail.com. “Mas não posso fazer o papel do estado. Precisamos maciçamente de uma campanha de sensibilização. Não tem como a gente plantar manga e querer colher jaca. É muito fácil dizer que não vai ter carnaval. Porque sabemos que vai ter carnaval nas periferias e depois vão dizer que a culpa é do povo, que está errado. Certo, mas cadê as ações? Cadê as orientações e sensibilização nas comunidades? Não tem”.
A Marco Zero questionou a Secretaria de Saúde de Pernambuco sobre os investimentos em ações educacionais e sinalização para estabelecimentos comerciais, mas não obteve resposta até o fechamento dessa matéria. Em nota publicada nesta terça-feira, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco (Cremepe) destacou a necessidade uma comunicação mais efetiva com a população. “Nunca foi tão difícil fazer chegar à população a verdadeira dimensão da pandemia que nos assola. Uma campanha massiva envolvendo as instituições civis organizadas, deve ser viabilizada de imediato”, diz trecho da nota.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org