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O presidente Jair Bolsonaro fala à imprensa no Palácio da Alvorada. Crédito: José Cruz/Agência Brasil
A política de desinformação e fake news do governo Bolsonaro e seus apoiadores caminha em paralelo à estratégia de desacreditar e hostilizar cotidianamente os veículos de imprensa e os jornalistas. É o que fica evidente no levantamento realizado pela Repórteres Sem Fronteiras – em parceria com o Volt Data Lab – de 580 ataques contra a mídia feitos pelo presidente, seus filhos e ministros durante o ano de 2020.
O principal meio de confrontação foram as redes sociais, especialmente o Twitter. De lá partiram 408 ataques diretos e mais 81 por retuíte. Também houve agressões à imprensa em 17 das lives realizadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) via YouTube.
O ranking é liderado com sobra pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) com 208 registros contra 103 do presidente, 89 do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) e 69 do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos). Outros oito ministros de Estado e o vice-presidente Hamilton Mourão também se valeram da retórica de ataques à imprensa para divulgar as posições do governo sobre meio ambiente, saúde, educação e fazer frente às investigações contra a família Bolsonaro.
Muitas vezes as agressões são a grupos de comunicação, mas tem se tornado praxe focar diretamente nos jornalistas, dando nome e sobrenome ao ódio que as publicações e declarações do staff presidencial propagam entre os seus apoiadores.
Uma das vítimas dessa estratégia foi a jornalista Patrícia Campos de Melo, da Folha de S. Paulo, que revelou em 2018 o uso de fundos privados ilegais para financiar disparos de desinformação em massa via Whatsapp para beneficiar o então candidato a presidente Jair Bolsonaro.
Em fevereiro de 2020, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News ouviu o testemunho de Hans Nascimento, funcionário de uma das empresas de marketing digital suspeitas de ter participado do esquema. Ele disse que a jornalista tentou extrair informações em troca de favores sexuais, o que foi imediatamente desmentido por Patrícia e pela Folha de S. Paulo.
A declaração, que havia gerado uma série de comentários sórdidos nas redes sociais, deu um salto de visibilidade com o engajamento do próprio presidente da República e seu filho Eduardo Bolsonaro, promovendo uma nova onda de insultos sexistas e misóginos contra Patrícia Campos de Melo.
Em entrevista à RSF, a jornalista relatou as consequências das agressões: “Quando circulavam memes com as fotomontagens sobre mim, evitava sair para cobrir os protestos. Isto é um absurdo, nós não estamos num país em guerra, então deveria ser normal cobrir manifestações democráticas”.
As hostilidades a jornalistas mulheres têm sido uma marca do governo Bolsonaro. No levantamento feito pela RSF foram registrados ataques contra Bianca Santana, Vera Magalhães, Constança Resende, Lola Aronovitch e Maria Júlia (Maju) Coutinho, entre outras profissionais.
Um dos palcos principais dos destemperos do presidente tem sido a entrada do Palácio da Alvorada, residencial oficial em Brasília. No dia 3 de março, Bolsonaro saiu de seu veículo acompanhado por um humorista fantasiado de presidente, a quem pediu para distribuir bananas aos jornalistas. A cena pastelão com óbvia intenção de humilhar os profissionais presentes foi transmitida ao vivo nas redes sociais da Presidência da República.
Depois de uma série de provocações do presidente contra os jornalistas na entrada do Alvorada, incitando seus apoiadores a constrangê-los e agredi-los, os veículos de comunicação decidiram, em maio, suspender temporariamente a cobertura no local. Essa violência justificou uma ação legal da Repórteres Sem Fronteiras e entidades parceiras no Brasil para a garantia da proteção dos profissionais que acompanham os eventos e entrevistas públicas do presidente.
Algumas semanas depois, os veículos se uniriam novamente para se contrapor à política de comunicação do governo federal. Irritado com a divulgação diária dos casos e mortes provocadas pelo coronavírus, Bolsonaro ordenou que os boletins informativos do Ministério da Saúde deixassem de ser liberados às 18h, passando para as 22h. “Acabaram as notícias para o Jornal Nacional”, disse em junho, sobre a “TV Funerária”, como ele classificou a TV Globo na época.
Considerando os dados superestimados, o ministro da Saúde Eduardo Pazuello promoveu uma série de mudanças nos métodos de contagem e divulgação de casos. Numa ação inédita, UOl, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo, G1 e Extra passaram a trabalhar em parceria para obter informações diretamente dos estados e divulgar seus próprio boletins diários.
A postura agressiva do governo e da família Bolsonaro contra jornalistas tem estimulado a abertura de processos considerados abusivos pelos veículos e entidades que atuam na defesa da liberdade de expressão. A maioria desses processos iniciada por representantes do Estado ou por pessoas próximas da Presidência.
Um dos casos mais emblemáticos atingiu o editor e fundador do Jornal GGN, Luís Nassif, e a jornalista Patrícia Faermann. Em 28 de agosto, um juiz do Rio impôs a retirada de 11 artigos do ar sob pena de multa diária de 10 mil reais. Os textos abordavam a aquisição por parte do BTG Pactual – do qual o ministro da Economia, Paulo Guedes, é um dos fundadores – de participações no Banco do Brasil, um banco público.
Nassif recorreu da decisão, mas os artigos seguem censurados. Em nota publicada na véspera do Natal de 2020, o jornalista expôs a longa lista de ações judiciais que vem enfrentando e lamentou estar “juridicamente marcado para morrer”.
Dados levantados pelo projeto CTRL+X, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), indicaram, no período eleitoral, pelo menos 24 processos de censura de reportagens e pedidos, por parte de candidatos, de remoção de conteúdos em sites e redes sociais.
Nem toda mídia é considerada inimiga pelos Bolsonaro. Assim como buscou apoio do centrão no Congresso Nacional, o governo também se aproximou de grandes grupos de comunicação que têm sintonia com o presidente.
Auditoria do Tribunal de Contas da União mostrou que faltam transparência e critérios técnicos na distribuição das verbas publicitárias do governo federal por parte da Secretaria Especial de Comunicação Social e apontou o favoritismo dado a emissoras de TV alinhadas à Presidência da República, em destaque para o SBT e Record.
Não por acaso, em junho de 2020, a Secom foi integrada ao novo Ministério da Comunicações, tocado por Fábio Faria, genro de Silvio Santos, dono do SBT e simpatizante de Bolsonaro.
Segundo o levantamento realizado pela Repórteres Sem Fronteiras, a Secom está na origem de vários ataques aos veículos de comunicação. A Secretaria já utilizou a expressão “imprensa podre” para desqualificar o trabalho dos jornalistas e foi responsável por espalhar informações falsas sobre os incêndios que atingiram a Amazônia ao longo do ano de 2020. Desinformação replicada por redes sociais de diversos outros ministérios.
Pressionado pela queda de popularidade, o aumento de casos e mortes por coronavírus no Brasil, a flagrante omissão do governo no crise da falta de oxigênio em Manaus e a inapetência – para dizer o mínimo – na condução do processo de imunização dos brasileiros, o presidente Bolsonaro dá sinais de que vai esticar ainda mais a corda da política de agressões aos jornalistas em 2021.
Num dos primeiros ataques desferidos neste ano que se inicia, Bolsonaro afirmou sobre a imprensa: “Não é nem lixo, porque lixo é reciclável”, uma mídia que “não serve pra nada, só fofoca, mente o tempo todo”. Numa das suas aparições públicas disse que queria mexer na tabela do imposto de renda, mas “essa mídia sem caráter” teria potencializado a crise do coronavírus e atrapalhado seus planos.
Tendo sido desde o início da pandemia um incentivador da quebra dos protocolos sanitários contra a Covid-19 e estimulado o uso de medicamentos sem qualquer comprovação de eficácia, Bolsonaro começou o ano culpando a imprensa pelo “pânico no país e a perda de vidas durante a pandemia, uma vergonha nacional”.
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República