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Uma plataforma para o diálogo

Luiz Carlos Pinto / 10/11/2016

O afastamento de partidos políticos em geral, e das legendas de esquerda em particular, de interesses da sociedade vem sendo identificado como uma das razões da crise de representatividade atual da política institucional. A crise política em curso no Brasil – da qual faz parte a emergência e fortalecimento de forças fascistas e a tentativa de eliminação do campo das esquerdas do cenário de disputas – é em grande parte fruto desse processo. Um amplo esforço de aproximação dos partidos políticos e de movimentos sociais com a sociedade ganhou corpo público essa semana. O objetivo é escolher pré-candidatos e planos de governo para disputar as eleições de 2018. A proposta é direcionada para cidadãos e cidadãs, coletivos, movimentos e partidos comprometidos com os direitos sociais, a igualdade e a democracia. A convocatória atende pelo nome de Quero Prévias 2018 e se alinha com as iniciativas de reação ao golpe em curso no Brasil, mas também de se opor à onda conservadora e à desnecessidade da política que se insinua nas suas entrelinhas.

O Quero Prévias 2018, na prática, é uma plataforma de debates e articulação de ações com um site e ações pulverizadas em grupos locais (ativos em algumas das principais cidades). No Manifesto publicado no site, o grupo se autodescreve como “um espaço comum de diálogo no qual diversos grupos e pessoas poderão escutar uns aos outros, apresentando análises e propostas e debatendo seus potenciais e limitações. Sem abrir mão da pluralidade de pensamentos e iniciativas, este processo pretende apoiar a busca por convergênciasque produzam um programa de transformação social para o Brasil”.

Quem está em busca de informações adicionais sobre a iniciativa deve acessar, por enquanto, o manifesto e o documento de perguntas e respostas, e já se inscrever e divulgar para amigos no Whatsapp, Telegram etc.

De uma forma geral, a pauta que orienta o Quero Prévias 2018 é uma tentativa de “resposta à perda de direitos e às fragilidades da democracia brasileira”, pela qual se construa mais democracia. Direitos e igualdade.

Depois de lançada, a plataforma dará início às conversas oficiais com os partidos, movimentos e coletivos interessados em aderir ao processo. Ainda é uma incógnita se essa iniciativa, nascida no seio da sociedade civil organizada e da comunidade acadêmica, será acolhida pelos principais artífices da política representativa.

“Penso que essa iniciativa é muito válida e inova a forma de fazer política, pois é totalmente horizontal e aberta, dando voz aos diferentes movimentos sociais e partidos, em torno daquilo que nos une: mais democracia, mais transparência, mais direitos e menos desigualdade”, afirma Cristina Serrano, auditora fiscal do Ministério do Trabalho.

QUEM?

É possível que a essa altura você esteja se perguntando, ‘mas afinal de quem é essa iniciativa’? A ideia inicial partiu de Marcos Nobre, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), a quem se uniram Fernando Rugitsky, Alessandra Orofino, e Laura Carvalho (professora da USP) e participaram das primeiras reuniões em São Paulo e Rio de Janeiro, mas novos atores chegam todos os dias.

Essas pessoas vêm se manifestando no sentido de afirmar que a ideia original já foi muito modificada, agregando novos elementos à medida que foi incorporando mais gente. Por isso, não acham que importa mais o ” quem começou”…

Será interessante, de qualquer forma, observar como essa articulação se desenvolverá. Porque se conseguir reunir os múltiplos movimentos, que hoje estão desarticulados, e agregar muita gente, o chamado aos partidos poderá ter sucesso. Trazer as legendas para um campo mais amplo e plural do que suas organizações internas, onde a sociedade e seus múltiplos movimentos tenham voz e possam participar da escolha dos candidatos à presidência em 2018, poderá fortalecê-los e também legitimar as pré-candidaturas que sejam indicadas e mais votadas nas prévias.

“Minha expectativa otimista é que o quero prévias agregue todos os que atuam no campo progressista, cada um trazendo o que tem de melhor, fortalecendo a resistência ao retrocesso que nos está sendo imposto por esse governo, parlamento e judiciário articulados antes e após o golpe”, afirma Cristina Serrano.

Na verdade, essa não é a única nem a primeira inciativa que procura rearticular e fortalecer o campo das esquerdas no Brasil pós-golpe. Uma dessas iniciativas vem sendo articulada pela Frente Povo Sem Medo e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Eles também deverão ser convidados a participar. “O Movimento vem acompanhando a iniciativa, entendendo que é fundamental pensar inovações no processo de disputa política, diante da crise de representatividade que está posta, mas sem esquecer que os desafios são maiores. É preciso mobilizar nas ruas, produzir resistência e alternativa nos territórios, ouvir as pessoas e dar respostas reais em um contexto de crise”, afirma o integrante do MTST e assistente social do Cendhec. Rud Rafael. “As prévias podem cumprir um papel importante de sistematizar bandeiras e pensar alternativas para a disputa do sistema político, que é outro front de luta, que não está desarticulada”, completa.

Agenda

Atualmente o Quero Prévias 2018 está em fase de divulgação, com a promoção de encontros, divulgação das ideias e da metodologia. Até março de 2017 deverão se iniciar as negociações com os partidos e movimentos da sociedade civil organizada para estabelecer a sua participação e as regras para a realização das Prévias.

De abril a setembro de 2017 a ideia é submeter as lideranças de partidos e movimentos a um processo de discussão sobre programas políticos e nomes que poderão disputar as eleições de 2018.

É importante lembrar que os riscos que essa inédita iniciativa apresenta será tanto menor quanto mais gente comprometida com o eixo principal da proposta (mais direitos, mais democracia, mais transparência, menos desigualdade…) aderir e participar da construção.

AUTOR
Foto Luiz Carlos Pinto
Luiz Carlos Pinto

Luiz Carlos Pinto é jornalista formado em 1999, é também doutor em Sociologia pela UFPE e professor da Universidade Católica de Pernambuco. Pesquisa formas abertas de aprendizado com tecnologias e se interessa por sociologia da técnica. Como tal, procura transpor para o jornalismo tais interesses, em especial para tratar de questões relacionadas a disputas urbanas, desigualdade e exclusão social.