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A assembléia era dos mais de 700 professores que ocupavam a quadra do Núcleo de Educação Física da UFPE, mas o entusiasmo e os gritos contra a PEC 55 e a favor da mobilização unificada que tomaram o ambiente durante as mais de quatro horas de debate saíam do grupo de mais de 200 estudantes presentes ao local. No final, numa votação apertada por apenas 20 votos de diferença (367 contra 347), os professores decidiram pela greve da categoria. Numa segunda votação – rápida e tumultuada – optaram pela greve por tempo indeterminado.
No início da tarde, a associação dos docentes – a Adufepe – divulgou nota relacionando a greve à pressão pela retirada da PEC 55, que congela por 20 anos gastos com educação e saúde, aprovada pela Câmara e em tramitação no Senado; contra a MP 746, que define os parâmetros da Reforma do Ensino Médio; contra o projeto de lei Escola Sem Partido; e contra o não reajuste anual dos servidores públicos como previsto na Constituição Federal de 1988.
O resultado foi recebido com festa pelos estudantes que ocupam há mais de 15 dias vários centros do campus da UFPE e com alívio pelos professores que apoiam a paralisação. O grande desafio que se coloca agora para os professores é o de não permitir que a greve seja um fator de desmobilização, como aconteceu por diversas vezes no passado. Os docentes não precisam buscar inspiração muito longe. Ela está ali ao seu lado e vem do movimento Ocupa dos estudantes em todo o estado de Pernambuco e no Brasil.
Campi se tornam palco de debates e diálogo permanente
A Marco Zero tem acompanhado as ocupações nos campi universitários do Recife e tem percebido uma movimentação intensa, muito distante do esvaziamento que acontecia em outras mobilizações. Agora, a agenda está cheia e tem atraído para o campus pessoas que nem estudam nem dão aula por lá. São aulas públicas sobre os mais diversos temas, cine-debates, apresentações musicais, de teatro, performances, num diálogo permanente entre estudantes, professores e técnicos administrativos.
Cada um dos centros ocupados no campus UFPE Recife divulga diariamente suas programações abertas ao público externo. Muitos cineastas, músicos, dançarinos, estudantes secundaristas e pessoas da comunidade do entorno estão tendo a oportunidade pela primeira vez de ocupar o espaço público da universidade com suas obras e ideias, num debate franco sobre temas como educação, democracia, gênero, cultura afro e cultura indígena, entre tantos outros. Dinâmicas parecidas vêm ocorrendo nos campi da UFRPE (Dois Irmãos e São Lourenço da Mata), da UPE (Santo Amaro, Nazaré da Mata, Palmares, Garanhuns e Petrolina) e do IFPE (Olinda).
Estudantes organizam sua própria narrativa
Cientes de que não têm o apoio da grande mídia, os estudantes construíram seus próprios canais de comunicação para falar entre si e com a sociedade por meio de dezenas de páginas de Facebook extremamente ativas nas redes sociais. Lá disponibilizam as programações diárias dos debates e apresentações culturais que promovem, lá também explicam em notas quase diárias sua posição contra a PEC 55, a reforma do Ensino Médio, a chamada Lei da Mordaça, os cortes nas bolsas de ensino e a criminalização das mobilizações.
Os estudantes também estão disponibilizando e-mails dos Ocupa para que qualquer pessoa ou entidade que queira colaborar com os debates ou apresentações possa se inscrever e ajudar a intensificar as atividades nos campi ocupados.
Decisões horizontalizadas
Também chama a atenção o modo como os estudantes estão se organizado para tomar as decisões entre eles. Fazem tantas assembleias e conversas quanto forem necessárias, discutem tudo em grupo exaustivamente até fecharem uma posição. Têm se pautado pela organização interna, a limpeza e a conservação de todos os espaços ocupados.
A Marco Zero conversou com alguns desses estudantes para saber qual sua opinião sobre a decretação da greve dos professores e os caminhos da mobilização contra a PEC 55. Os ocupa pediram para não terem seus nomes divulgados. Se é verdade que há um componente de preservação pessoal (temem represálias futuras), há também uma ideia de horizontalidade nesse anonimato. De não se criarem porta-vozes automáticos do movimento. Daí o cuidado de não se apresentarem como representantes do movimento, mas apenas estudantes.
A, aluno do curso de Serviço Social da UFPE:
“A greve dos professores consolida o nosso processo de construção de um movimento unificado. Outro ponto importante é que aumenta a pressão para que a Reitoria faça o reordenamento do calendário acadêmico, que é um pressuposto para a continuidade do movimento e para reduzir o medo que muitos estudantes ainda têm de perder o semestre. Então, fortalece também o trabalho que estamos fazendo para mobilizar ainda mais estudantes”
“A gente tem dois aglutinadores de luta hoje, o Ocupa UFPE (dos estudantes) e o Comando Unificado de Mobilização (estudantes, professores e técnicos). São aglutinadores porque eles não são movimentos que dirigem os processos, eles são espaços e instâncias gerais onde todo mundo chega com suas posições particulares para discutir junto estratégias conjuntas. Todo o processo de assembleia, todo o processo democrático é feito dentro dessas instâncias”.
“Se por um lado os estudantes universitários têm dado aula para os professores sobre organização e luta, a gente também tem tido aula com os secundaristas sobre mobilização. Esse é um movimento puxado por eles”.
D, aluna do curso de Serviço Social da UFPE:
“Saímos daqui hoje com a cabeça erguida, ainda mais fortalecidos. Agora, ao invés de a gente convidar um professor para dar uma aula pública aqui nas ocupações, é tarefa deles estarem presentes nesses espaços. Essa é a greve que queremos. Uma greve ativa. Não uma greve de pijama, como já foi dito antes. Uma greve em que a universidade e as ocupações sejam um palco permanente de luta. Assim como a rua é o palco principal da nossa luta, as ocupações nas universidades e nas escolas precisam ser lugares que unifiquem nossas lutas e ampliem o debate democrático. Assim vamos crescer para pressionar não só em nível local, a Reitoria, mas em nível nacional, de governo, até derrubar a PEC 55 e a Lei da Mordaça”.
“Você pode ver o quanto os alunos trouxeram vida para a universidade. Como a universidade estar sendo colocada como os estudantes querem: aulas discutidas e programadas democraticamente. Aulas que têm atraído mais de cem alunos cada uma. Isso é muito o reflexo do que a gente quer. Uma universidade pública de qualidade não só na UFPE, mas em todo o Brasil. Todos temos muito o que aprender com esse processo democrático”.
“Temos uma relação de unidade e de troca com os estudantes secundaristas. Porque estamos todos aprendendo, nessa nova reorganização do movimento de esquerda do Brasil. E tem que ser assim mesmo esse aprendizado permanente”.
RB, aluno de Pedagogia da UFPE
“Tivemos uma discussão de transformar a universidade em uma universidade popular. E a gente foi percebendo nas ocupações que isso foi acontecendo. A comunidade começou a participar das atividades, os professores começaram a se somar, os estudantes que antes não se envolviam com o movimento estudantil mudaram de posição e se engajaram. Isso aqui deixou de ser uma ocupação estudantil e virou uma ação de cidadania micropolítica, onde a comunidade está inserida, onde os estudantes estão inseridos. Dentro dessa perspectiva de universidade popular, esse conceito que sempre foi divulgado e que tanta gente negligenciava, agora estamos conseguindo vislumbrar essa universidade”.
“A greve dos professores vai fortalecer esse movimento de pensar, mais do que de pensar, de tornar real esse projeto de universidade verdadeiramente popular. Derrubar os muros da universidade, fazer a universidade servir ao povo. Estamos fazendo ações tanto no CAC (Centro de Artes e Comunicação) quanto no CE (Centro de Educação) de envolver a comunidade. Temos feito feijoadas comunitárias, por exemplo, e isso aproxima a comunidade que está separada da universidade pelo muro. Ela está aqui próxima, mas não vive a vida da universidade. Esperamos que esta greve vá reverberar no processo de luta do Brasil em torno de uma greve geral de luta em favor de uma educação pública para todos”.
RA, aluna de Teatro da UFPE
“É importante também a gente saber que os estudantes foram a primeira categoria a compreender o que essa PEC (55) vai trazer de negativo para a vida das pessoas. Principalmente com esse processo de golpe que está instalado no Brasil. Surge no estudante, principalmente no movimento estudantil secundarista, a compreensão de que a gente vai ter um processo de privatização das escolas, que a gente vai perder aquele pouco que a gente conseguiu durante alguns anos. Caminhamos agora para um cenário de saúde e educação precarizadas. Os estudantes então percebem essa necessidade de organização, principalmente os secundaristas. É uma coisa muito na prática. A gente não está só discutindo a universidade que a gente quer. A gente está construindo na prática essa universidade com as ocupações. A gente luta para barrar a PEC, para não ter nenhum direito a menos, mas a gente também luta para ter avanço real nessa concepção de universidade pública que a gente quer”.
“O movimento estudantil aqui na universidade estava adormecido e esse processo de ocupação nacional, sim porque a UFPE não está isolada, se soma e alavanca todo o movimento estudantil. Tanto que hoje são mais de 700 estudantes ocupados só na UFPE Recife. Isso é muito significativo. A greve dos professores é a garantia de que com os alunos, os professores e os técnicos também em greve a luta se fortalece. E a gente não quer só uma greve geral da educação. A gente quer uma greve geral em todo o Brasil”.
A Marco Zero também ouviu os professores sobre a deflagração da greve e o esforço de unificação junto aos estudantes e os técnicos e contra a PEC 55. A professora Roberta Ramos, do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística, foi categória ao avaliar as ocupações estudantis. “A gente reconhece a luta dos estudantes como a única reação, até o momento, à altura dos golpes que a gente vem sofrendo. E a forma de darmos visibilidade a esse apoio ao movimento lindo dos estudantes, e até onde eu sei inédito no Brasil, é decretando a greve dos professores”.
Uma greve ativa, que, na visão do professor Airton Castro, do Departamento de Matemática, precisa inclusive ultrapassar os limites do campus. “Para ela ser mobilizada precisamos sair da UFPE. Precisamos congregar professores, estudantes e técnicos para ir às praças, ir às ruas, chegar até a população. Precisamos fazer um movimento de massa, senão não faz sentido fazer greve”.
O movimento de ocupação dos campi da Universidade Federal de Pernambuco começou no Centro Acadêmico de Vitória de Santo Antão (CAV). No Interior, também está ocupado o Centro Acadêmico do Agreste (Caruaru). No campus Recife, a primeira ocupação aconteceu no Centro de Educação (CE), no dia 24 de outubro, após ação de protesto e bloqueio da BR 101. Seguiram-se as ocupações do Centro de Ciências Humanas e Filosofia (CFCH), Centro de Artes e Comunicação (CAC), Centro de Biociência (CB), no Núcleo Integrado de Atividades de Ensino (NIATE), Departamento de Enfermagem e Faculdade de Direito. Os professores da UFPE votaram pelo indicativo de greve no dia 3 de novembro e nesta quinta (10) deflagraram a greve por tempo indeterminado. Os técnicos da UFPE estão em greve desde o dia 24 de setembro.
Os docentes da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Dois Irmãos, decretaram a paralisação da categoria na terça-feira (8). Antes deles, os estudantes começaram a mobilização contra a PEC 55 decretando greve e ocupando diversos prédios da instituição a partir do dia 24 de outubro. Atualmente, oito áreas do campus estão ocupadas pelos alunos, além do Colégio Agrícola Dom Agostinho (Codai), da UFRPE, situado em São Lourenço da Mata.
Já há paralisações de professores nas Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal de Afenas (Unifal), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFMVJM), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Federal do São Francisco (Univasf) e na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).
Mais de mil escolas públicas e 185 campus universitários estão ocupados em todo o Brasil. Nesta sexta-feira (11), estudantes universitários e secundaristas, movimentos sociais e sindicatos estarão nas ruas em várias cidades do país no Dia Nacional de Protestos, Mobilizações e Paralisações contra a PEC 55 e as reformas da Previdência e Trabalhista.
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República