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Crédito: Reprodução/TV Globo
A Operação Background, deflagrada na manhã desta quarta-feira, 5 de maio, pela Polícia Federal em Pernambuco, trouxe à tona, mais uma vez, a crise do Grupo João Santos. Com lucros bilionários e dono de um dos maiores conglomerados de empresas do Brasil, que incluem o Cimento Nassau, usinas de açúcar e a Rede Tribuna de rádio e TV, o grupo pernambucano vem enfrentando problemas financeiros desde 2009, com a morte do patriarca João Santos e o início da gestão dos seus filhos Fernando e José Santos.
O episódio mais dramático dessa crise foi a operação para cumprir 53 mandados de busca e apreensão, além de sequestro e bloqueio de bens de herdeiros e sócios usados como “laranjas” do suposto esquema contábil-financeiro para desviar os lucros das empresas. De acordo com a PF, o patrimônio era transferido em operações de fachada para sócios e laranjas do grupo, que pretendia ocultar patrimônio e, assim, não pagar R$ 8,644 bilhões em impostos e direitos trabalhistas a ex-funcionários de suas indústrias.
A crise financeira do Grupo João Santos, resultado de uma disputa entre herdeiros, impactou e segue impactando a vida de centenas trabalhadores e trabalhadoras que prestaram serviços às empresas geridas pela corporação. Com o fechamento de nove das 11 empresas do grupo, milhares de profissionais perderam o emprego e muitos não receberam as respectivas indenizações trabalhistas após a demissão, ou receberam um valor menor e parcelado, mediante negociação.
A Companhia Agro-Industrial de Goiana (CAIG), conhecida como Usina Santa Tereza, situada no município de Goiana, Zona da Mata Norte de Pernambuco, é uma das empresas do Grupo João Santos que passou pelo processo de falência. No ano de 2017, o empresário José Santos anunciou a paralisação das atividades na companhia e a demissão de boa parte do quadro de funcionários, alegando que os problemas financeiros eram fruto da disputa familiar entre ele e seus irmãos.
Funcionária da usina, a goianense Mônica Albuquerque conta que ainda hoje não recebeu nenhum valor dos direitos trabalhistas ou Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). “Eu tive que contratar advogados para negociar com a empresa. Aceitei receber só 50% do valor pendente, mas até agora não recebi nada”, disse a trabalhadora, que aceitou o acordo com a empresa em 2019, um ano após a sua demissão.
Desempregada há três anos, e enfrentando dificuldades financeiras desde então, Mônica afirma que é difícil achar emprego devido à sua idade. “Eu estou prestes a completar 50 anos, qual é a empresa que vai me contratar?”, declarou.
Histórica na cidade de Goiana, com atividades iniciadas no ano de 1910, a Usina Santa Tereza foi responsável pela empregabilidade de uma geração inteira do município. Com o início da crise e o fechamento da empresa, funcionários que tinham entre 40 e 50 anos perderam seu posto de trabalho e também a expectativa de uma nova contratação.
Desempregada e sem receber suas indenizações, assim como Mônica, Maria da Conceição Emiliano foi demitida da empresa em 2016 e segue lutando para receber seus benefícios. “Passei dois anos desempregada, depois comecei a trabalhar em uma confecção onde fiquei por quase um ano sem carteira assinada. No final de 2019 assinaram minha carteira, mas dois meses depois fui demitida por causa da pandemia”, declarou.
Para Maria da Conceição, a idade é mais uma condição que dificulta o recomeço no mercado de trabalho. “Na idade que demitiram a gente fica muito difícil de achar alguma coisa”, disse Maria da Conceição. Diferente de Mônica, a ex-funcionária do Grupo João Santos optou por não aceitar a proposta de negociação sugerida pela empresa, pois os valores eram muito menores do que o total da dívida. Atualmente, ela trabalha vendendo comida por delivery para manter o seu sustento.
As funcionárias Mônica e Maria da Conceição trabalharam, respectivamente, como assistente administrativa e analista de vendas. Ambas tiveram condições financeiras de contratar advogados particulares para tratar os seus casos com a empresa. Já os cortadores de cana-de-açúcar da CAIG recorreram aos sindicatos para ter os seus direitos garantidos.
“Começaram a demitir os trabalhadores sem rescisão. Uma parte fez negociação com a empresa para receber o pagamento parcelado, mas até hoje isso não foi cumprido. Por isso, muitos agricultores procuraram o sindicato para colocar a empresa na Justiça do Trabalho”, declarou o secretário agrícola do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados Rurais da cidade de Itaquitinga, Maurício Borges.
De acordo com o secretário, a grande maioria dos trabalhadores que atuavam na Usina Santa Teresa residiam nas cidades de Goiana, Itaquitinga, Nazaré da Mata e Condado, na Zona da Mata Norte. Só no município de Itaquitinga, mais de mil trabalhadores e trabalhadoras rurais entraram com processos judiciais para receber as indenizações do Grupo João Santos e nenhum deles recebeu o pagamento dos direitos trabalhistas, nem mesmo aqueles que optaram por firmar o acordo de só receber 50% dos benefícios.
Com o encerramento das atividades da Santa Tereza, milhares de assalariados rurais perderam seus empregos. Alguns conseguiram migrar para outras usinas, como a Petribu e a Usina São José, mas com o aumento da oferta de mão de obra, os empresários têm exigido um esforço maior e o aumento da carga horária dos trabalhadores. “Eles só querem pessoas que aguentam cortar muita cana”, disse Maurício.
Outra saída é a terceirização dos serviços pelas empreiteiras, mas a consequência dessa escolha para trabalhadores é não poder contar com os direitos trabalhistas, como o INSS e o FGTS.
“O período de colheita da cana era um momento muito bom pro agricultor porque eles recebiam bem, mas com a terceirização eles são muito explorados e ganham menos. Claro que eles aceitam de trabalhar na terceirização porque é um sustento para a família, mas a gente escuta cada caso de exploração que dá dó”, disse o secretário do sindicato de Itaquitinga.
Após a divulgação da operação da PF, a esperança de que os trabalhadores possam finalmente receber as indenizações pelos serviços prestados à empresa reacendeu, como declarou Maurício Borges. “Eu espero que essa investigação da Polícia Federal seja boa para os trabalhadores, porque agora a gente vê que eles têm condição de pagar, só não querem”.
O caso da Usina Santa Tereza é apenas um dentre as nove empresas do Grupo João Santos que fecharam por causa da queda nos lucros. Com negócios nos estados de São Paulo, Amazonas, Pará, Distrito Federal e Pernambuco, o conglomerado foi responsável pela demissão de milhares de trabalhadores no Brasil e, ao alegar problemas financeiros e falência, o grupo se ausentou do dever de pagar os direitos trabalhistas.
Em um dossiê apresentado no ano de 2018 à Polícia Federal, Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho em Pernambuco, as irmãs de José e Fernando Santos e seus filhos, netos de João Santos, denunciaram a diretoria do grupo por lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, fraudes à execução trabalhistas e formação de quadrilha. A família alegou que os irmãos empresários estavam esgotando o patrimônio do grupo empresarial em benefício próprio.
Quase três anos após as denúncias, a Operação Background, deflagrada pela Polícia Federal em Pernambuco com o apoio da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional – 5ª Região, teria sido consequência direta do que foi apontado no dossiê. Em seu informe oficial, a PF anunciou que tem o objetivo de recuperar o patrimônio ocultado pelos investigados para que as dívidas trabalhistas dos funcionários e ex-funcionários do Grupo João Santos sejam finalmente quitadas.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.