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Por Laércio Portela, Samarone Lima e Carol Monteiro
Juiz titular da 12a Vara do Trabalho do Recife e professor de Direito do Trabalho, Hugo Melo foi um dos principais interlocutores dos estudantes junto à Reitoria da UFPE nas negociações que aconteceram durante os oito dias de ocupação do prédio da Faculdade de Direito do Recife.
A atuação de Melo e de integrantes da Defensoria Pública, do Ministério Público Federal, da Advocacia Geral da União, da organização Juristas Pela Democracia e de outros professores garantiu uma saída negociada para a manifestação dos jovens, que desocuparam a FDR na sexta-feira (18).
A Marco Zero Conteúdo entrevistou o juiz dentro do prédio da Faculdade de Direito minutos após a saída dos estudantes. Hugo acabara de acompanhar os representantes da Universidade na vistoria de entrega do prédio e estava aliviado com o desfecho pacífico da manifestação.
“Devo dizer que sinto orgulho desses alunos, porque não é fácil você manifestar dessa forma, com medidas como esta, a opinião contrária a esses absurdos que estão sendo perpetrados… Se eles têm essa coragem de manifestar suas opiniões isso me tranqüiliza um pouco em relação a essa pasmaceira que estamos vivendo de anestesia da sociedade como um todo”.
Para o professor, que é presidente da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho, a ação dos jovens estudantes dá um novo significado à Faculdade de Direito do Recife e mexe com a correlação de forças interna à instituição. Ela passa a ser vista “como um pólo de avanço e progresso e não mais de reação”.
Na entrevista, Hugo Melo também faz um alerta para novas medidas lançadas pelo governo Temer que visam enfraquecer os trabalhadores, como a massificação da terceirização e a “prevalência do negociado sobre o legislado” nas relações de trabalho. “Tomara que a partir dessa lição da meninada em defesa da educação pública, eles (os sindicatos) também tomem a frente nas questões relacionadas aos direitos sociais, para que as alterações sejam barradas”.
O sr. é professor da Faculdade e desde o primeiro dia esteve presente nas negociações. Como o sr. avalia todo esse processo da ocupação?
Eu vim desde o começo da ocupação a convite dos alunos, que estavam preocupados com a sua própria integridade física. E a partir daí eu fiquei atuando na relação dos alunos com a Reitoria da Universidade. Até que a Reitoria veio pessoalmente através dos pró-reitores que estiveram aqui. Depois a gente tentou ajudar na negociação para uma saída pacífica e espontânea dos alunos, o que aconteceu hoje (sexta, dia 18). Em todo momento dizendo a eles que tivessem muito cuidado com o patrimônio porque se trata de um prédio histórico, cujo patrimônio precisamos conservar. Como vocês podem observar, eles tiveram muito zelo com o patrimônio histórico dessa Faculdade. A ocupação ocorreu como ficou combinado, sem nenhum sobressalto.
Os objetivos foram alcançados?
Os estudantes conseguiram, no meu modo de ver, fazer a manifestação que pretendiam contra a PEC 55. Eu, inclusive, quero dizer que pessoalmente comungo com a indignação dos estudantes em relação a esta proposta de emenda constitucional, porque ela vai efetivamente sucatear a educação pública e a saúde pública no Brasil por 20 anos. É uma medida inadmissível. Mas, pelo visto, as manifestações não estão tendo o efeito que deveriam junto aos parlamentares, que insistem em levar adiante o trâmite e a aprovação da PEC.
Essa é uma Faculdade conhecida pelo seu conservadorismo, como os estudantes conseguiram ampliar as ações e os apoios nesta ocupação?
A ocupação da forma como se deu, ordeira, pacífica, como expressão da opinião dos alunos contra essas alterações às quais eu me referi, deve merecer o registro que está tendo e até, creio eu, servirá de exemplo para outras manifestações, pelo seu caráter pacífico e pela desocupação espontânea que acabou acontecendo. Acho que chama a atenção da população e da comunidade acadêmica em especial para a grave ameaça que representa a PEC 55. Acho que nesse ponto os alunos saíram absolutamente vitoriosos.
Que lição os sr. acha que os alunos deram durante essa ocupação?
Olha, sinto orgulho desses alunos porque não é fácil você manifestar dessa forma, com medidas como esta, a opinião contrária a esses absurdos que estão sendo perpetrados. Você vê que, para uma comunidade acadêmica imensa, são poucos alunos. E digo mais: poucos professores apoiaram. Muito professores foram contrários com o argumento de que são “marginais”, que estão ocupando um prédio público, quando na verdade são jovens ainda. Meninos e meninas de 20 e poucos anos que estão com muita coragem, manifestando suas opiniões de forma pacífica, de forma tranqüila, sem sobressaltos. Aqui eles fizeram várias oficinas, várias discussões, trataram de vários temas importantes. Eles estão de parabéns pela forma como conduziram e como souberam se portar.
Como foi o processo de negociação dos estudantes com a Reitoria?
Havia 12 centros ocupados e esse foi o único centro em relação ao qual se pediu a reintegração de posse, aliás no mesmo dia em que houve a ocupação. E no mesmo dia foi emitida uma liminar de reintegração autorizando o uso de força policial, que era o que nós temíamos. A policia entrar aqui poderia significar violência, alguns alunos saírem machucados. Era tudo o que nós não queríamos. Pelo menos de minha parte essa era a preocupação central. De modo que era preciso negociar. Nessa negociação nós conseguimos o prazo para que eles saíssem hoje e uma série de garantias de que não haveria qualquer forma de represália por parte da universidade. Não haveria o registro de falta durante a ocupação aqui e nos outros centros. Haveria a convocação do Conselho Universitário, o que aconteceu com a reunião que se deu hoje. E que haveria a apresentação de uma pauta dos estudantes à universidade. Ela foi apresentada com uma série de reivindicações relacionadas à assistência educacional, entre outras coisas. De modo que o resultado, na minha avaliação pessoal, foi muito positivo para a ocupação. Fiquei feliz de poder ter ajudado no sentido dessa composição para que tudo ocorresse bem, como terminou acontecendo.
Qual sua expectativa em relação ao desfecho das manifestações dos estudantes por todo o Brasil?
Olha, vejo com muita esperança. O que parece é que a sociedade brasileira está meio anestesiada e quando você vê jovens secundaristas e jovens universitários tomando a iniciativa para medidas como essa, que na verdade querem chamar a atenção da sociedade brasileira para os problemas que estão por vir, para os muitos já concretizados e os muitos que virão. Eu vejo com muito esperança. Eles serão o futuro do Brasil, não é? Se eles têm essa coragem de manifestar suas opiniões isso me tranqüiliza um pouco em relação a essa pasmaceira que estamos vivendo de anestesia da sociedade como um todo.
O sr. acha que a ocupação dá uma mexida politica na própria Faculdade de Direito?
Não há dúvida. Acho que fortalece o movimento estudantil, que é um movimento social importantíssimo. Fortalece a posição deles como atores políticos que reagiram a esse estado de coisas. E inclusive na correlação de forças políticas dentro da própria universidade. Porque nós sabemos que política existe em todo lugar. Então eu acho que esta posição sai fortalecida. O que é muito bom para o equilíbrio das forças políticas no âmbito da universidade.
O sr. falou que vêm medidas complicadas pela frente na agenda do governo Temer.
Sim. A agenda do governo anuncia, por exemplo, na minha área, o que tem me preocupado bastante, alterações substanciais do direito do trabalho e do direito previdenciário, com prejuízos inimagináveis para os trabalhadores. Já se anuncia para o dia 24 a votação da PL da Terceirização, que vai autorizar a terceirização de todas as atividades. Isso é praticamente banir a existência de trabalhadores vinculados diretamente às empresas e é quase que o exaurimento do conteúdo próprio do direito do trabalho. Então isso é muito preocupante. E isso é uma das medidas entre tantas outras que já estão anunciadas: reforma previdenciária , prevalência do negociado sobre o legislado nas relações de trabalho, além de outras medidas relacionadas à educação, retrocesso na área de tutela dos direitos humanos, uma série de questões que preocupam.
A ação dos estudantes na Faculdade de Direito e em escolas e universidades de todo o Brasil deve servir de modelo, um exemplo para essas outras categorias de trabalhadores organizados, para os sindicatos? É um exemplo de atuação para essas categorias que vão ser afetadas por outras medidas do governo?
É uma grande lição que eles estão dando, especialmente para o movimento sindical, que hoje está muito paralisado e deveria estar atuando de forma muito vigorosa contra essas medidas. Mas parece que não estão tendo o grau de organização necessário para isso. Tomara que a partir desse exemplo, dessa lição da meninada em defesa da educação pública, eles também tomem a frente nas questões relacionadas aos direitos sociais, para que as alterações sejam barradas.
Conversamos com alguns dos estudantes que ocuparam a Faculdade e eles nos disseram que houve uma ressignificação do prédio para eles depois dessas experiência.
É porque esse prédio, como vocês bem disseram, sempre foi visto como um ambiente extremamente conservador. No momento em que pessoas que integram a comunidade acadêmica desse centro tomam a frente para uma manifestação como essa, que é uma manifestação política relevante, acho que essa ação dá um novo significado mesmo à Faculdade de Direito do Recife, como um pólo de avanço e progresso e não mais de reação. Isso era um temor muito grande, tendo em vista o valor simbólico desse prédio. Seria o primeiro prédio desocupado com força policial em todas as ocupações do Brasil. Essa não seria uma primazia interessante do ponto de vista histórico. De modo que a solução que se deu e a saída dos alunos como aconteceu, de forma espontânea e com a manifestação que fizeram, eu acho que foi uma vitória não só para eles, mas para toda a comunidade acadêmica, para a Universidade Federal de Pernambuco, para a sociedade pernambucana e para a sociedade brasileira.
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