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Crédito: Carla Cleto/Secretaria de Saúde de Alagoas
Uma nota e muitos questionamentos. Por volta das 22h30 desta segunda-feira, 10 de maio, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um comunicado: gestantes não deveriam mais receber a vacina contra a covid-19 da farmacêutica AstraZeneca. A decisão veio por conta da morte de uma mulher grávida após receber a vacina no Rio de Janeiro. O óbito está sob investigação do Ministério da Saúde para determinar a causa.
A notícia pegou desprevenidas mulheres grávidas e puérperas de Pernambuco. A vacina da AstraZeneca é a única que está sendo ofertada para esse público – e, assim mesmo, só aquelas que têm comorbidades, com exceção do Recife, Olinda e Jaboatão, que contam com vacinas da Pfizer. Por conta da logística diferenciada que a vacina da Pfizer exige, com armazenamento em temperaturas muito baixas, somente esses três municípios receberam a vacina norte-americana.
Até agora, o Governo do Estado de Pernambuco não anunciou como ficam as grávidas que estavam com vacinação marcada. Nem a situação das que que já receberam a primeira dose. Devem recomeçar o esquema vacinal com outra vacina? Devem seguir com a segunda dose? A Secretaria Estadual de Saúde emitiu nota apenas afirmando a suspensão da vacinação com Astrazeneca/Fiocruz e que “aguarda orientação oficial do Ministério da Saúde (MS) sobre o assunto. A partir disso, os municípios e a população também receberão as devidas orientações”.
Esperando o segundo filho, uma gestante de Ouricuri, no sertão do estado, recebeu ontem a primeira dose da AstraZeneca. Hoje, teve consulta de pré-natal e não conseguiu respostas para suas muitas perguntas. “Ninguém deu nenhuma orientação. Disseram apenas para ficar atenta a algum sintoma diferente, mas que sintomas incomuns seriam esses? a própria enfermeira falou que ainda estão esperando as orientações”, afirmou a gestante, que preferiu ficar anônima. “Apenas dão a notícia de que gestante não deveria tomar a vacina. Mas tomei ontem e ainda não havia esse aviso. Era para eu tomar a CoronaVac, mas estava faltando, a única que tinha era AstraZeneca. E agora, o que devo fazer?”, questiona.
Outra situação é das puérperas – mulheres que pariram a menos de 45 dias. Moradora de Paulista, Daiana Souza tomou a vacina da AstraZeneca no dia 6 deste mês. Ficou febril e com dor no braço da aplicação, reações normais e comuns à vacina. Com o comunicado da Anvisa, ficou cheia de dúvidas, sem saber se a recomendação também vale para o grupo dela. “Ficou muito vaga a informação. E nos que já tomamos ficamos aqui imaginando mil coisas que podem dar errado. Já marquei consulta com a pediatra e a ginecologista para ver se algo mudou e se há algum perigo para minha filha também”, diz. Apesar da nota do Governo de Pernambuco anunciar a suspensão da vacinação também das puérperas, a nota da Anvisa não faz nenhuma menção a esse público.
Ainda aguardando as recomendações do Ministério da Saúde, especialistas afirmam que a decisão da Anvisa foi correta e que não há motivo para pânico. Pelo twitter, a pesquisadora e professora da Universidade Federal do Espírito Santo, Ethel Maciel, afirmou que as vacinadas que não tiveram reação grave com a primeira dose, poderiam receber a segunda dose. “Se você tomou e não teve nenhum sinal ou sintoma grave, a indicação é receber a segunda dose. Foi assim, que o governo do Reino Unido recomendou. Importante as gestantes acompanharem isso com sua médica ou médico”, afirmou.
Em entrevista à Marco Zero, a cientista Mellanie Fontes-Dutra, pesquisadora da Rede Análise Covid-19, também analisou como correto o comunicado da Anvisa. “O anúncio da suspensão ressalta o comprometimento e a vigilância que a Anvisa realiza com a vacinação no país. É esperado que a suspensão temporária aconteça num momento em que relatos de eventos sérios são realizados, para justamente investigar se há uma relação desses eventos com a vacina”, afirma.
Apesar de ter aprovado algumas estratégias off label, ou seja, não indicadas na bula, a Anvisa afirma que a bula da AstraZeneca deve ser seguida no que se refere à vacinação das mulheres grávidas. “Na bula, fica claro que a indicação para gestantes dessa vacina em específico deve ser analisada segundo a orientação médica”, afirma Mellanie.
Das três vacinas aplicadas no Brasil, a Pfizer é a única que tem um estudo de larga escala em mulheres grávidas. Uma pesquisa com 35.691 mulheres, com idades entre 16 a 54 anos, foi realizada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos. Apesar de considerar a vacina segura para este público, o estudo, publicado no final de abril no New England Journal of Medicine, recomenda mais pesquisas e acompanhamento contínuo. O estudo também sugere que gestantes vacinadas passam alguma proteção para os bebês.
A CoronaVac não é utilizada para grávidas nem puérperas em Pernambuco. A liberação da vacinação para grávidas no estado coincidiu com a escassez de doses da CoronaVac, que está em falta em vários municípios e hoje é prioritariamente usada para a segunda dose de idosos.
Assim como a da AstraZeneca, a bula da Coronavac indica que vacina não deve ser aplicada em grávidas sem orientação médica. “No PNI consta: “Ressalta-se que as vacinas de plataformas de vírus inativado já são utilizadas por este grupo de mulheres no Calendário Nacional de Vacinação, e um levantamento de evidências sobre recomendações nacionais e internacionais de vacinação com vacinas covid-19 de gestantes, puérperas e lactantes, realizado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), em sua maioria defende a vacinação das mulheres nessas condições, se pertencentes a algum grupo prioritário”. Ou seja, como a CoronaVac usa uma tecnologia já bem conhecida, de vírus inativado, seria teoricamente segura para grávidas.
A suspensão pela Anvisa também trouxe de volta o receio de coágulos e tromboses causados pela vacina da AstraZeneca. No começo de abril, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) publicou um estudo em que recomendou que “coágulos sanguíneos incomuns juntos com o baixo nível das plaquetas” fossem listados na bula da vacina como efeitos colaterais “muito raros” da vacina.
Entre 34 milhões de vacinados com o imunizante da AstraZeneca, ocorreram 222 notificações de trombose. Ou 0,0006% dos vacinados. “Até o momento, não temos um conjunto de evidências científicas confirmando o elo entre a vacinação com a vacina da AstraZeneca e os eventos de trombose relatados. Mesmo que essa confirmação ocorra, o risco é muito baixo e o custo-benefício, na atual circunstância que o Brasil se encontra, é elevado”, diz Mellanie.
“Mas precisamos seguir as recomendações das bulas das vacinas e da nossa agência reguladora. Enquanto a Anvisa e os órgãos competentes realizam a análise desse evento específico relatado após a vacinação com a vacina da AstraZeneca, devemos seguir a instrução da suspensão temporária e priorizar outras vacinas, como a Pfizer e a CoronaVac, para gestantes pertencentes a grupos de risco com orientação médica para a vacinação”, conclui a pesquisadora.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org