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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
“Eu sei que ele tem uma família que com certeza deve estar preocupada e sofrendo com o que está acontecendo com ele agora, mas eu também tenho a minha, que vai sofrer pelo resto da vida, por isso eu só quero justiça”. Essas foram as palavras de Jonas Correia, ao saber que o policial responsável pelo disparo que o feriu havia sido indiciado. O autônomo, que estava voltando para casa após a manhã de trabalho, foi atingido por uma bala de borracha e perdeu o olho direito na manifestação Fora Bolsonaro do dia 29 de maio, no centro do Recife.
Seis meses após o ocorrido, Jonas ainda se queixa de dores nos olhos e luta para superar um trauma que, segundo ele, nunca vai passar. “Até hoje quando eu passo por aquela ponte [Ponte Princesa Isabel] eu lembro de tudo que aconteceu, só eu sei o que passei. Meus filhos adoeceram, minha mãe passou um bom tempo sem nem conseguir olhar pro meu rosto porque começava a chorar. Até hoje, quando eu lembro daquele dia, eu sofro, mas eu tenho fé que Deus vai me ajudar”, declarou o trabalhador.
Após passar por algumas cirurgias para retirar todos os estilhaços da bala que atingiu o seu olho, Jonas agora está realizando os procedimentos necessários para confeccionar o molde da prótese do globo ocular e segue buscando formas de conviver com a perda e com o trauma causado pela violência policial. Para ele, a justiça e a punição para os envolvidos é um dos caminhos para encontrar conforto.
“Nada vai apagar o que aconteceu, nem trazer meu olho de volta, mas eu espero pelo menos que quem fez isso pague, até para que eles (policiais) aprendam a cumprir o dever deles que é proteger a gente e não isso que fizeram comigo”, disse Jonas Correia.
A Polícia Civil de Pernambuco concluiu três inquéritos instaurados para apurar o que ocorreu na manifestação do dia 29 de maio. De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS-PE), um dos policiais indiciados, Reinaldo Belmiro Lins, foi responsável pelo disparo que atingiu o olho de Jonas Correia e irá responder por lesão corporal gravíssima e omissão de socorro. Já os outros dois inquéritos dizem respeito ao disparo de spray de pimenta contra a vereadora Liana Cirne (PT). Todos os inquéritos foram remetidos ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
Em nota, o MPPE afirmou que
“a 29ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital remeteu na última terça-feira (30/11) à Vara da Auditoria Militar de Pernambuco denúncia em desfavor de Reinaldo Belmiro Lins pelas práticas de lesão corporal grave que produziu debilidade permanente de sentido (artigo 209, §1º do Código Penal Militar) combinado com o artigo 9º, inciso II-C do Código Penal Militar (crime cometido por militar em serviço contra civil). Lembramos que o processo é público e pode ser consultado pelo NPU 0126795-82.2021.8.17.2001 no site do TJPE”.
Após o ocorrido do dia 29 de maio, a Secretaria de Defesa Social afastou 16 policiais de suas atividades, entre eles 13 praças e três oficiais da Polícia Militar. Além disso, o então secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, e o ex-comandante da Polícia Militar, Vanildo Maranhão, deixaram seus cargos.
Jonas Correia ficou sabendo do inquérito contra o policial que efetuou o disparo em sua direção através da ligação feita pela Marco Zero Conteúdo. “Eu sei que a família desse policial deve estar sofrendo também, mas ele tem que pagar pelo que fez. O que mais me revoltou é que nenhum deles [policiais] me socorreu, eles me viram lá no chão e ao invés de me proteger, que é o dever deles, eles me deixaram lá”, afirmou o autônomo.
Além de Jonas, o adesivador de carros Daniel Campelo da Silva também foi atingido por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar na manifestação do dia 29 de maio e teve o olho esquerdo comprometido. Questionamos a Secretaria de Defesa Social sobre as investigações do caso de Daniel, e, em nota, o órgão afirmou que “o inquérito que investiga a ocorrência que vitimou Daniel Campelo da Silva está em andamento, próximo de sua conclusão”.
Tentamos contato com Daniel, através de sua filha Evelyn Maria, mas até o fechamento desta reportagem não obtivemos resposta. À filha, Daniel informou que conversaria com o seu advogado antes de decidir se concederia entrevista, o que acabou não acontecendo.
Além dos disparos de balas de borracha, que resultaram na perda dos olhos de Jonas e Daniel, no dia 29 de maio, os policiais do Batalhão de Choque da PMPE realizaram a prisão de três pessoas: Ítalo Gomes (que prefere ser chamado e identificado como Afroito), Maristela Lourenço e Douglas Gomes. Na ocasião, o delegado Gilmar Rodrigues imputou a Afroito e Maristela os delitos de descumprimento a medidas sanitárias, desobediência e desacato da ordem de autoridade.
No entanto, em junho, o delegado Breno Maia arquivou o processo e alegou que “os inúmeros vídeos divulgados amplamente pela imprensa e compartilhados pelas redes sociais mostram que o protesto estava ocorrendo de forma pacífica, com maciça utilização de máscaras e promoção do distanciamento social por parte dos manifestantes. Embora não se tenha imagens de quem originou o confronto (se os policiais ou os manifestantes) é possível vislumbrar que a ação institucional se deu de maneira desproporcional ao comportamento dos manifestantes”.
Já a Douglas Gomes foram imputados os crimes de desacato, desobediência e dano ao patrimônio público. Tentamos contato com Douglas e com seus advogados, mas até o fechamento desta reportagem não obtivemos retorno.
Em maio deste ano, Jonas Correia fechou um acordo com o Governo do Estado e passou a receber uma indenização. “Entramos em acordo com o governo e solicitamos a indenização referentes aos danos morais e às lesões corporais sofridas por Jonas. Fechamos o acordo e ele tem sido cumprido”, afirmou o advogado Rafael Alcoforado, da Defensoria Pública de Pernambuco.
Ainda assim, o autônomo pretende voltar a ter uma vida ativa e está procurando um emprego. “Eu só queria voltar a trabalhar, porque eu não gosto de ficar parado. Eu tenho dois filhos para criar, tenho minha esposa e sempre fui atrás do meu dinheiro, não quero depender de ninguém”, declarou Jonas.
Enquanto aguarda a cirurgia de aplicação da prótese, Jonas não pode procurar emprego pois ainda sente dores e desconfortos no olho, mas afirma que mesmo nessas condições pretende voltar em breve ao mercado de trabalho.
O trabalhador, que possui experiência como auxiliar de serviços gerais, pedreiro e porteiro, aproveitou a entrevista para pedir ajuda para conseguir um emprego formal e afirmou que: “qualquer trabalho que aparecer, independente da função, já vai me ajudar, eu só não quero mais ficar parado”.
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Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.