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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
A recusa da venda de um pedaço de terra para um traficante, que já estava preso por outras razões no dia do crime, criar cavalos teria sido a motivação apresentada pela Polícia Civil de Pernambuco para o assassinato de Jonathas de Oliveira dos Santos, de apenas nove anos, em Barreiros, na Mata Sul do estado. O crime aconteceu na noite da quinta-feira passada, 10 de fevereiro, no Engenho Roncadorzinho, região com histórico de intensos conflitos agrários.
Os advogados que acompanham a família das vítimas – o líder rural e presidente da associação dos agricultores do local, Geovane da Silva Santos, pai de Jonathas, levou um tiro no ombro – consideraram precipitada a apresentação da polícia, ocorrida na tarde desta quinta-feira.
Um major, um coronel e três delegados participaram da coletiva de imprensa. Antes de apresentar o caso, o diretor integrado do Interior 1 da Polícia Civil Jean Rockfeller falou longamente sobre como a polícia estava respondendo com rapidez a casos recentes de repercussão na mídia.
“Fornecemos ontem uma resposta ao caso”, afirmou, antes de dizer que “nenhuma linha está descartada, a investigação não acabou, contudo, temos uma perspectiva muito forte da disputa pelo tráfico de entorpecentes na região como sendo o motivo que gerou a morte dessa criança”, afirmou. Durante toda a coletiva, a cada vez que o termo “conflito agrário” era mencionado ele afastava essa hipótese.
A história que o delegado Marcelo Queiroz, titular de Homicídios de Palmares, contou é de que um grupo que traficava maconha e crack na região tentou comprar o terreno onde vive a família de Jonathas. “Por um valor módico”, afirmou. Alguns dos integrantes dessa quadrilha teriam ido no próprio dia 10, à tarde, fazer mais uma oferta. O líder do grupo, mesmo preso, queria a área para criar cavalos. Com as repetidas recusas, um grupo teria então ido à casa da família à noite para matar Geovane, pai da criança.
“O que eles contam é que atiraram na criança pensando que era o pai, achando que ele é quem estaria escondido debaixo da cama”, afirmou o delegado. Dois homens foram presos e um adolescente apreendido. O líder do grupo, o homem preso, ainda não teve seu depoimento tomado. A polícia também investiga se os disparos contra a criança, que teriam sido três, podem ter sido feitos por mais de uma pessoa. “A perícia está vendo isso”, afirmou Queiroz.
Os dois detidos, Manoel Bezerra Siqueira Neto e Michael Faustino da Silva, passaram na manhã desta quinta-feira (17) por audiência de custódia e o Tribunal de Justiça de Pernambuco manteve a prisão preventiva da dupla. De acordo com a polícia, um dos suspeitos e o adolescente apreendido confessaram participação no crime, mas disseram que ficaram do lado de fora da casa e que não são os autores dos disparos. A polícia ainda busca outros supostos participantes do crime, sendo que um deles já foi identificado.
O delegado afirmou que chegou aos suspeitos por trabalho de campo, junto com a Polícia Militar. De início, tiveram a informação da participação de dois suspeitos, que revelaram a participação de um terceiro. Eles também indicaram uma espécie de esconderijo dentro da mata atlântica do Engenho Cocal Grande, em Tamandaré, onde o grupo se reunia e onde funcionava, de acordo a polícia, uma boca de fumo. A polícia deixou claro que Geovane não teria participação nessa quadrilha e não é investigado.
“Eles negam terem disparado, porém contam detalhes do crime de quem estaria muito perto do acontecido. Foram seis a sete homens ao engenho, todos armados, e essas pessoas teriam feito um cerco à casa, para que a família não conseguisse fuga enquanto parte do grupo estaria dentro da casa para praticar o homicídio”, afirmou o delegado.
Para a advogada do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec) Juliana Acioly, a apresentação da polícia sobre o caso, apenas seis dias depois do crime, é precipitada. “A investigação está ainda no começo. Independente de existir algumas pessoas que estejam trazendo outras dimensões, isso não deve ofuscar os conflitos na área. Existem outros indícios de violências que anteciparam esse assassinato. Precisa de mais investigação, mas entendemos que há uma pressa por respostas, por causa da pressão popular”, afirmou.
Ao ser perguntado sobre a situação de violência agrária na região, e de como estavam as investigações nesse sentido, o diretor Jean Rockfeller afirmou que “a polícia investiga todo crime” e que se fosse falar sobre as ações na região iria passar o dia todo.
De acordo com a advogada do Cendhec, em momento algum o líder rural Geovane relatou pressão para vender a terra – que é área de litígio agrário – para uma quadrilha de traficantes de drogas. “Até agora não temos essa informação. O que Geovane fala é que não tem a menor ideia de quem seja o mandante ou os executores”, afirmou Juliana Acioly.
Na manhã desta sexta-feira (18), o senador Humberto Costa (PT-PE), na condição de presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, vai visitar e se reunir com advogados e lideranças rurais no Engenho Roncadorzinho. Em conjunto com a comissão de direitos humanos da Câmara dos Deputados, o Senado quer acompanhar as investigações sobre a execução do menino Jonathas Oliveira.
Advogado da Federação do Trabalhadores Rurais e Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), Lenivaldo Lima, que também acompanha de perto o caso, prefere esperar a audiência antes de comentar a apresentação da polícia. “A polícia levanta suas hipóteses. O inquérito policial está no início, vamos acompanhar”, afirmou.
Na quarta-feira, houve uma reunião entre o MPPE e as secretarias de Defesa Social e de Justiça e Direitos Humanos para definir ações de defesa da família e da comunidade, que é composta por cerca de 450 famílias, sendo 150 crianças.
Em entrevista à TV Globo, promotor de Justiça de Barreiros, Júlio César Cavalcanti Elihimas, afirmou que o caso era “típico de atividade de grupo de extermínio e pistolagem” e que era necessário tempo para se chegar aos verdadeiros culpados. “Crime complexo, crime de grupo de extermínio, não é tão rápido. A gente não pode dar uma resposta rápida e vir um trabalho ineficiente, que, lá na frente, os acusados podem ser absolvidos ou o processo ser anulado. Às vezes, a gente tem que ter um pouco de paciência, demorar mais um pouco, para ter um resultado, fechar em 100% a prova de autoria”, afirmou na matéria.
Em uma nota conjunta divulgada na noite desta quinta, a Fetape e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) se pronunciaram sobre a apresentação da Policia Civil afirmando que a violência na região, inclusive a apontada pela apresentação policial, também é fruto da não regularização das terras. “Esta situação de violência absurda confirma a importância da regularização das terras da região, as quais têm sido alvo de cobiça e especulação imobiliária por diversos grupos econômicos, seja de grandes empresários e fazendeiros, seja da milícia armada privada e, agora a polícia aponta, até por redes de tráfico de drogas”, diz trecho da nota.
Confira abaixo a íntegra do comunicado.
NOTA SOBRE O CASO DE RONCADORZINHO
Recife, 17 de fevereiro de 2022
Sobre as informações divulgadas pela Secretaria de Defesa Social, em coletiva no dia de hoje, a respeito das investigações em curso quanto ao bárbaro assassinato da criança Jonathas Oliveira e da tentativa de assassinato do seu pai, o agricultor Geovane, Santos, a Fetape e a CPT registram o seguinte :
Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org