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Crédito: Reprodução
Por Isabela Santos, da Agência Saiba Mais
Um dos sopros mais conhecidos do Brasil, o de Ivanildo – o Sax de Ouro, passa a ser apreciado apenas por meio das gravações deixadas nos seus mais de 30 discos. Há cerca de 50 anos vivendo em Parnamirim, no Rio Grande do Norte, o pernambucano morreu na manhã do sábado (11).
Ivanildo José da Silva estava internado desde o dia 28 de maio no Hospital São Lucas, em Natal. A princípio com picos de pressão e insuficiência renal crônica. Desde então realizou hemodiálise e adquiriu pneumonia, tendo o quadro agravado. Velório e sepultamento foram realizados no cemitério Morada da Paz, em Emaús, Parnamirim.
Aos 89 anos, deixa “sua senhora”, a esposa, Maria Lúcia Sampaio; quatro filhos (Ivanildo Filho, Cristina, Ana Lúcia e Gilson); cinco netos; seis bisnetos, amigos e incontáveis fãs e admiradores do seu trabalho. Foi maestro das bandas de música da Força Aérea Brasileira (FAB) em Fortaleza e em Natal e eternizou melodias no timbre do seu sax, como Siboney, Kazarão e Moendo Café.
Todos da família seguiram outros caminhos profissionais, pegando do legado do pai, avô e bisavô, a dedicação e o amor.
“Foi um filho amável, um irmão camarada, um esposo fiel, um pai presente e amoroso com todos os filhos, um profissional responsável de sucesso e um amigo solidário e coerente nas suas atitudes”, declarou Ivanildo Filho.
“Vovô foi um ser muito iluminado e de muita fé. Além disso, sempre prezou pela família, gostava de ajudar o próximo. Respirava a música em todos os seus dias e em seus últimos momentos em sã consciência assobiava durante a madrugada e pedia pra escrevermos as notas musicais (ré, si, dó, lá)… apaixonado pela clave de sol e por sua amada esposa, a qual em todos os shows prestava homenagens a ela. O amor entre os dois sempre foi de admirar e raro hoje em dia de se ver”, disse a neta Samantha Silva.
O colega saxofonista, amigo e produtor musical Chico Beethoven que acompanhava mais de perto Ivanildo nos últimos 12 anos, confirma que o Sax de Ouro estava em plena atividade.
“Ele parte deixando um vazio. Estava planejando fazer muita coisa, lançar um disco. Foi uma das fases que ele mais compôs. Ele sempre regravou muita coisa, costumava tocar clássicos da música brasileira e no meio sempre tinha alguma música ou outra dele. Ele se intitulava como músico melodista. E agora estava compondo mais e oferecendo para os amigos, dedicando músicas aos amigos”, conta Beethoven, ao acrescentar que o amigo tinha também visão comercial.
Ivanildo iniciou os estudos de música por volta dos 11 anos de idade no Colégio Salesiano, em Recife, com a requinta. Mudou-se para Barreiros, em Pernambuco, e seguiu as lições com o sax soprano, depois o alto.
Fã de Charlie Parker, atuando na banda da FAB e tocando em eventos e clubes, decidiu que queria registrar o trabalho. Conquistou quatro discos de ouro e um de platina. O primeiro foi gravado em 1960 com recursos próprios. Em 2021, em entrevista ao músico Tiago Guimarães, no canal Música em 7, contou que não teve apoio das gravadoras para começar, “diziam que disco de sax não vendia”. Por isso, encomendou pagando mil exemplares do primeiro LP.
“Eu paguei adiantado os mil discos, me entregaram. Só na abertura, vendeu os mil discos. Aí chegou um representante da gravadora na base aérea querendo assinar contrato”.
Na ocasião, reconheceu a dificuldade que implica ser músico no Brasil: “Eu só tenho é que agradecer a Deus. Eu acho que foi Deus que me iluminou e disse ‘Ivanildo, tu vai ser é músico mesmo, não tem jeito’. Fui enfrentando muitas dificuldades, mas eu consegui. Hoje tenho essa casa aqui em Parnamirim (…) Em todos os lugares que me apresentei até hoje fui aplaudido”.
Com Beethoven, o assunto predominante sempre foi música. A admiração era mútua. O potiguar conheceu Ivanildo quando a música em sua vida era ainda uma brincadeira e foi incentivado.
“Seu Invanildo ficou hospedado na casa da minha avó [dona Terezeinha], em Lagoa Nova, quando foi tocar em um baile no Mercado, por volta dos anos 80. Eu tinha uns oito anos. Aí ela disse que eu e meu irmão, Jubileu, tínhamos muito talento pra música. A gente tocava em lata de doce, eu tinha um sax de brinquedo e tal. E ele levou uma camiseta pequena com o nome dele. Eu tenho até hoje. Comecei a tocar, vi ele de novo em Currais Novos, em 84/ 85. Passou-se o tempo. Em 2010, ele me ligou convidando pra fazer o disco de 60 anos de carreira dele”, lembrou.
Foi quando descobriu que o ídolo acompanhava a carreira dele há muito tempo. “Ele tinha mais coisas de clipagem do que eu. De lá pra cá a gente não se desgrudou mais”. Juntos, eles trabalharam, com a parceria também de Jubileu.
Preparava uma surpresa para os 90 anos do saxofonista, um arranjo da canção “Crioula”, de autoria do Sax de Ouro, para execução do grupo “Bando de Sax, da UFRN. “Ainda vou fazer isso”, promete.
Chico ressalta que Ivanildo “é a maior referência do saxofone no Brasil” e um modelo de pessoa e profissional a ser seguido: “Dedicado à senhora dele, como chamava; nunca bebeu, nunca fumou. Era muito disciplinado no que fazia. As demandas, ele ficava em cima mesmo, cobrava. Profissional daqueles porretas até o fim da vida. Disciplina e foco, um grande exemplo”.
Ouça Kazarão, de Ivanildo, Sax de Ouro, por ele mesmo:
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