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Trabalhadores sem-terra carregam bandeira do Brasil em ato contra o governo Bolsonaro: por vacina no braço e comida no prato. Crédito: ARnaldo Sete/MZ Conteúdo
Por Cláudio Fernandes*
Há muito tempo, desde a implementação do Plano Real, vinte e oito anos atrás, a economia brasileira não se encontrava numa situação tão ruim e deteriorada. Na verdade, talvez em toda sua história, o país nunca tenha estado numa condição tão crítica do ponto de vista do seu desenvolvimento, não somente econômico, mas como um corpo cívico que se constitua uma nação socialmente produtiva.
O Brasil já esteve em situações críticas em sua história recente, já passou por várias e prolongadas crises, como a década da hiperinflação, que faz o problema da hora parecer exercício de introdução à economia. Mas então, qual a diferença do momento atual? Qual o espectro da decadência que ronda o iminente e prolongado futuro de um país que não pode jogar a toalha e se declarar uma efusiva mediocridade mundial, apesar de seu monumental tamanho e riqueza geográficas?
Um Brasil em ampla e acelerada decadência em todos os quesitos necessários para gerar desenvolvimento econômico é o que vem mostrando consistentemente, com dados e evidências irrefutáveis, o Relatório Luz da Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável, numa série histórica de publicações anuais que o GT da sociedade civil para a Agenda 2030 iniciou em 2017. Ao colocarmos o foco para além das questões econômicas, observa-se que também do ponto de vista social e ambiental, o Brasil tem sofrido uma sequência de desastres, se colocando à beira de algumas situações irreversíveis, com apoio incondicional de veículos de imprensa que tratam a economia a partir de um viés capturado por explícitos interesses de classe, com o abandono da razoabilidade intelectual e do interesse coletivo.
Por exemplo, não deveria fazer qualquer sentido um país da dimensão do Brasil mensurar sua saúde financeira com base em exportação de bens primários, que tem uma baixa qualidade em manufatura e minúscula capacidade de inovação. Vamos encarar os fatos com sinceridade? Por que o país se contenta e normaliza os recordes negativos na execução de políticas públicas com baixo retorno no investimento, tanto econômico quanto social e ambientalmente, como a infame Emenda Constitucional 95/2016, estimulando o endividamento público ineficiente e o estrangulamento do futuro? A existência desta emenda confirma o fato de que o país, nos três níveis de poder, atestou uma governança irresponsável e demonstrou a fraqueza das instituições constituídas.
É estarrecedor para qualquer economista que preze a disciplina se deparar com os posicionamentos da imprensa tradicional que constantemente busca normalizar o absurdo, como declarações que comparam macroeconomia com economia doméstica, e demonstram mais o nível de má-fé ou ignorância de tais interlocutores e interlocutoras desinformadas. Desde a Grande Recessão de 2013 a 2017 (termo usado por economistas do mundo inteiro para caracterizar o período), o Brasil se encontra em “estagnação secular”, com constante redução na demanda agregada, o que significa menor poder de compra da população. Um exemplo singular em seis anos de Relatório Luz mostra que a indústria de transformação, a que produz partes intermediárias da manufatura e é um indicador da saúde industrial de um país, regrediu em seu nível de participação no PIB, equiparando-se a 1949, mais de setenta anos atrás.
Esse então é o resultado do pensamento hegemônico e equivocado sobre finanças públicas que domina a mente das castas políticas no Congresso Nacional, que elaborou o que o Relator Especial da ONU para Direitos Humanos, Phillip Alston, caracterizou como “a política de austeridade mais cruel do mundo”, ao se referir ao Teto de Gastos da EC 95/2016. Interessante notar que a crueldade desde então só tem aumentado e Direitos Humanos passou a ser um conceito caçado nas hordas fascistas da política nacional, já que a garantia dos direitos fundamentais das pessoas, como educação, saúde, assistência social, ou o fomento dos setores fundamentais que alavancam uma economia como a pesquisa, a ciência e a tecnologia, foram dilacerados, deixando um imenso déficit no desenvolvimento do capital intelectual do país, sem contabilizar aqui a maior fuga de cérebros da história do Brasil.
Portanto, o Brasil está em um buraco onde seu fundo é formado de areia movediça. E há uma vontade coletiva para sua decadência eterna por um exercício de heurística baseada em condicionamento ao erro motivada pelo imenso preconceito coletivo construído por narrativas mentirosas.
Assim sendo, diante do abismo, do obscurantismo, da falta de ética, da ignorância, da incompetência comprovada, do racismo e fascismo explícito, e do que o filósofo Alain Badiou classifica como a expressão do “mal supremo”, ainda que as eleições brasileiras o tenham refutado, é preciso ir além desse momento do voto, estabelecendo um exorcismo nacional consistente. Diante do absurdo, a razão deve prevalecer, não só no cenário nacional, mas, e tão importantemente, nos estados e municípios, onde representantes dessa horda podem tentar perpetuar a decadência e o retrocesso. Passadas as eleições, a escolha é fácil: pular no abismo sem paraquedas ou refletir e reconstruir a partir dos destroços da embriaguez do fascismo tosco jamais sequer imaginado. Alea jacta este
Claudio Fernandes, economista da Gestos e do GT da sociedade civil para a Agenda 2030.
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