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Como nas guerras, a primeira vítima na crise da água enfrentada por São Paulo foi a verdade. A ampla blindagem articulada pelo governador Geraldo Alckmin para reduzir os danos à popularidade teve como principal objetivo – parcialmente alcançado – manter a população distante das informações que confirmariam a gravidade da crise e suas causas. A estratégia do governo não teria dado certo sem a cumplicidade das empresas de mídia.
O geólogo Delmar Mattes, um dos maiores especialistas brasileiros em gestão de recursos hídricos, analisou a cobertura dos veículos de comunicação de alcance nacional e chegou a esta conclusão.
Como o senhor avalia cobertura jornalística da crise hídrica que castiga São Paulo?
Delmar Mattes – Primeiro é preciso deixar claro que a grande mídia foi e continua sendo cúmplice da estratégia do governo do Estado em não informar a população sobre a gravidade dessa crise. De modo geral, ela tem divulgado apenas aquilo que interessa à Sabesp e ao Governo do Estado. A imprensa não tem questionado, por exemplo, a estratégia da falta de transparência combinada com uma manipulação de informações e afastamento da população em qualquer tipo decisão.
Com que objetivo?
Impedir que as medidas implantadas e as soluções emergenciais propostas pelos movimentos sociais organizados sejam debatidas pela sociedade. Para isso, com a cumplicidade da grande mídia, procura manter a sociedade desinformada sobre a real situação da crise, divulgando dados e informações que possam criar expectativas animadoras, impedindo também a formação de canais de participação e de controle social. Deste modo as discussões das soluções de propostas acabam ficando limitadas aos círculos fechados do Governo.
Como o senhor define esse comportamento do governo?
Para garantir o cumprimento dessas orientações, o Governador implantou uma grande operação de blindagem, inclusive na mídia, a partir de um plano de controle de aliados políticos (partidos aliados, especialmente o PSDB, parlamentares, entidades da sociedade) voltado para uma a unificação de seus discursos.
No plano interno proibiu os funcionários de revelarem informações. A operação tinha, evidentemente, como alvo principal a mídia. Para alguns editores, foi distribuído um glossário contendo expressões e palavras que deveriam ser evitadas e substituídas por outras “mais adequadas”.
O senhor citar um exemplo dessa blindagem interna?
Ficou praticamente vetado o uso de expressões como “volume morto”, “racionamento”, “crise de água”, “falta de chuvas” e no lugar usar respectivamente, os termos “reserva técnica”, “administração da disponibilidade hídrica”, “falta de mira” ou “pontaria de São Pedro”.
Como a sociedade através dos movimento sociais podem furar esse bloqueio e levar à sociedade a real extensão dessa crise que ameaça deixar São Paulo sem água, a partir de outubro?
Em primeiro lugar, precisamos mudar radicalmente as políticas adotadas até agora, e implantar aquelas que serão capazes de superar todos os problemas que a crise hídrica já provocou. Isso precisa ser feito evidentemente, por intermédio de um amplo debate na sociedade, o que exigirá um certo tempo de elaboração e obtenção de entendimentos e consensos mais amplos na sociedade.
E como fazer isso ?
O movimento Coletivo de Luta pela Água, do qual faço parte, defende a implantação de um Plano de Emergência, com ampla participação da sociedade, baseado nas seguintes medidas urgentes: decretação imediata de um estado de calamidade pública; não aumento de tarifas de água e cancelamento dos descontos concedidos aos grandes consumidores (shoppings, jornais, emissoras de TV, condomínios de luxo etc), requisição de poços artesianos para uso comum e a implantação de um programa de cisternas e reservatórios coletivos.
Então esse é o grande desafio?
Sim. O Plano de Emergência é o nosso grande desafio, uma vez que o Governo do Estado não é transparente, manipula informações e não quer que a sociedade discuta as medidas que ela acha importantes e necessárias para enfrentá-la e o resultado final é o quadro que estamos vendo.
Em sua opinião, quais são as prioridades do Plano de Emergência defendido pelo movimento Coletivo de Luta pela Água?
Iniciativas para captar água em diferentes e variadas fontes (bicas, poços rasos e nascentes), fornecimento de água prioritário para os equipamentos de saúde, educação entre outros e um programa para assegurar a qualidade da água.
Jornalista especializado em economia solidária, agricultura familiar, política e políticas públicas. Trabalhou na "Folha de Londrina" e "O Globo", onde esteve por mais de 20 anos exercendo diversas funções, entre elas a de chefe de redação da sucursal de São Paulo. Em 2003, fundou a Agência Meios e a Agência de Notícias Brasil-Árabe (ANBA), com Paula Quental. Foi coordenador do projeto por dez anos. Sob sua gestão, a agência conquistou 11 prêmios de jornalismo web e alcançou 1,2 milhão de acessos mensais.