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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
Quando esta matéria entrar no ar, na manhã desta segunda-feira, Hiago Gabriel do Monte Rodrigues irá à delegacia do Rio Doce a chamado da escrivã Camila, que telefonou para o jovem na manhã da última quinta-feira, dia 20, exatamente quando a equipe da MZ o entrevistava no shopping center Patteo Olinda. O telefonema da Polícia Civil era aguardado por Hiago desde dezembro, quando registrou boletim de ocorrência por ter sido chamado de ladrão e acusado de furto por uma segurança da loja Riachuelo do shopping.
Hiago é negro, tem 25 anos, desempregado, ganha a vida como trabalhando como motoboy para aplicativos enquanto não consegue um novo emprego como auxiliar de farmácia, sua profissão. Com este perfil, ele sabe o que é sofrer preconceito, mas nada tão explícito quanto o que viveu na noite de 16 de dezembro de 2022, uma sexta-feira às vésperas do Natal.
“Juntei um dinheiro e fui na Riachuelo comprar roupa de final de ano para minha esposa e minha filha, que tinha cinco meses na época”, recorda Hiago, que, ao entrar na loja carregando caixas de brindes que havia recebido no próprio shopping, pediu uma sacola para não ter de ficar segurando os objetos na mão. “Minha esposa já estava cansada de segurar nossa filha no colo, então saí da Riachuelo para tentar encontrar um desses carrinhos de bebê que o Patteo oferece”, conta o rapaz.
Hiago, no entanto, não chegou a dar cinco passos fora da loja. “Uma mulher da segurança da Riachuelo gritou no meio do corredor lotado ‘volte e devolva as coisas que você roubou’, entendi na mesma hora que era comigo, por isso voltei logo, mas veio outro segurança, um homem, e passaram a me tratar como ladrão na frente dos outros clientes”. Ele conta que, com muita raiva e vergonha ainda maior, esvaziou a sacola, pediu a presença da gerência.
Quando a esposa chegou junto com a bebê, os integrantes a equipe da Riachuelo perceberam o erro e começaram os pedidos de desculpas. “Minha esposa me ajudou a gravar um vídeo contando o que houve dentro da loja, mas os seguranças se esconderam. Na segunda-feira, fui na delegacia dar queixa”, explica. O boletim de ocorrência tem o título de “calúnia” e não há qualquer referência a racismo.
“Quando cheguei em casa, me acabei de chorar. Foi a maior vergonha da minha vida”.
Ao prestar queixa, Hiago informou aos policiais que percebeu duas câmeras de segurança localizadas no teto, sobre a saída onde foi abordado. Em janeiro, voltou a procurar a delegacia na esperança de ver as imagens, mas foi informado pela escrivã que ele só teria acesso às gravações se viesse acompanhado de um advogado. “Procurei uma advogada, mas ela disse que cobra R$ 200 só para ir lá comigo. Não tenho esse dinheiro”, lamentou o motoboy. Ele acredita que o tratamento dado pela Polícia também é racista: “Se eu fosse branco e com dinheiro, já teria visto as imagens, a Polícia já teria se mexido para fazer alguma coisa”.
A Marco Zero procurou a assessoria de imprensa da Polícia Civil e recebeu uma resposta lacônica, mas que revela como o caso vinha sendo tratado: “A Polícia Civil de Pernambuco, por meio da Delegacia de Rio Doce, informa que as devidas providências com relação ao caso estão sendo tomadas. Mais informações não podem ser repassadas no momento”.
Esses foram os questionamentos feitos pela equipe de reportagem: “1) quais as providências tomadas pela Delegacia Rio Doce após o registro da ocorrência? Algum inquérito foi instaurado? Se sim, quais os depoimentos tomados? 2) Por qual razão a vítima não teve acesso às imagens das câmeras de segurança da loja? O procedimento de só permitir acesso às imagens com advogado tem previsão legal? Se sim, qual é a legislação que impõe essa condição?”. Nem mesmo a pergunta sobre a restrição de acesso às imagens, se é que elas foram solicitadas, mereceu resposta.
Lembra do telefonema recebido por Hiago com o convite para ir hoje à delegacia? Ele só ocorreu dois dias depois que a MZ enviou essas perguntas sobre o caso. Por via das dúvidas, o rapaz foi à delegacia acompanhado de uma advogada do Projeto Oxé, uma parceria entre a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e a Articulação Negra de Pernambuco (Anepe) para oferecer assessoria jurídica e atendimento psicológico para vítimas de racismo.
A Riachuelo foi contactada pela MZ e respondeu por meio do seu perfil oficial no Instagram, mas limitou-se a solicitar mais informações sobre o caso em mensagem privada. Os dados foram repassados, incluindo número do boletim de ocorrência, mas não houve nova resposta.
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Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.