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Corregedoria da SDS-PE inocenta policial militar réu por homicídio doloso de jovem negro

Marco Zero Conteúdo / 14/08/2023
Grupo de pessoas, a maioria negras, segurando faixas e cartazes denunciando crimes praticados por policiais em frente a uma parede de cerâmicas cinzas onde há um letreiro da Secretaria de Defesa Social - Corregedoria Geral.

Crédito: Rochelle Borges

por Jorge Cavalcanti*

A Corregedoria da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco inocentou – de forma sumária – um policial militar que já havia sido indiciado e denunciado à Justiça por homicídio doloso. A família da vítima, um jovem negro menor de idade chamado Jhones Lucindo Ferreira, só ficou sabendo que o matador foi inocentado quando, junto com parentes de outras vítimas de violência policial, promoveram um ato em frente à sede do órgão, na avenida Conde da Boa Vista, área central da capital pernambucana.   

O crime aconteceu numa comunidade em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, e completou três anos no último dia 5 de agosto. O protesto ocorreu exatamente para marcar a data e cobrar da Corregedoria a reabertura do caso.

Ao ser recebida pelo comando da Corregedoria, a comissão de familiares da vítima e advogados da Assembleia Legislativa e do Gajop foi informada que, pouco mais de um ano depois do assassinato, no dia 3 de novembro de 2021, a Corregedoria concluiu o processo administrativo pela absolvição sumária do PM. Na Justiça estadual, porém, o processo tramita na 1ª Vara do Tribunal do Júri de Jaboatão, com o número 0001326-10.2021.8.17.0810.

“O que nos foi dito é que, a qualquer momento, o procedimento pode ser reaberto de ofício pela Corregedoria ou por nova denúncia, diante de fatos novos”, relata a advogada Marília Falcão.

A defensora conta ainda que a comissão alertou o órgão em relação aos prazos prescricionais. Ela integra o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), organização da sociedade civil que desenvolve trabalho de acolhimento e apoio a familiares de pessoas mortas por operadores da segurança pública, principalmente policiais militares.

Jhones foi morto no início da tarde de uma quarta-feira, na rua Sete de Setembro, na comunidade de Rio das Velhas, no bairro de Prazeres. Ele trabalhava como soldador numa oficina mecânica e estava indo de carona na moto de um amigo buscar uma ferramenta na casa da avó, para consertar a máquina de lavar de uma tia. Morreu com um tiro na nuca, sem chance de defesa, durante abordagem de policiais do 6º Batalhão. 

A versão do sargento, de que disparou porque o suspeito portava um simulacro de arma de fogo, foi desmontada pelas investigações da 11ª Delegacia de Homicídios. Em depoimento, o sargento que atirou em Jhones alegou que o jovem desceu da moto já puxando um objeto da cintura. E que disparou por acreditar que o rapaz atiraria contra o policiamento. Duas viaturas do GATI chegaram depois. Os policiais que fizeram a abordagem, então, colocaram o jovem na mala de um dos carros e seguiram para a UPA do bairro de Sotave. De lá, houve a transferência para o Hospital da Restauração, onde Jhones morreu. 

Na Corregedoria da SDS, a denúncia de violência letal por parte de um agente do Estado foi formalizada no mesmo dia da morte da vítima: 5 de agosto de 2020. Um dia depois, o PM autor do disparo teve aceito o pedido de aposentadoria e entrou para a reserva. Em seguida, a Polícia Civil concluiu por homicídio doloso e indiciou o sargento da PM. Em novembro de 2020, o Ministério Público estadual ofereceu denúncia à Justiça. 

A explicação da SDS:

Em nota, a Corregedoria da SDS-PE não respondeu ao questionamento da reportagem sobre o que fundamentou o parecer pela absolvição sumária. “O processo em questão foi feito com as cautelas de praxe, seguindo o devido processo legal. Com a ação na esfera judiciária ainda em andamento, um novo processo administrativo poderá ser aberto, caso o acusado seja condenado”. Na 1ª Vara do Tribunal do Júri de Jaboatão, o processo ainda está na fase de instrução. E não há previsão de quando o réu será levado a júri. 

Famílias despedaçadas

Além do caso de Jhones, o Gajop acompanha outros 13. Em comum, as vítimas são pessoas jovens, pretas ou pobres, moradoras de bairros e áreas periféricas, sem antecedentes criminais. O caso mais antigo é o de Marcus Laurindo. O jovem, então com 21 anos, foi morto por um soldado da PM dentro de casa, na comunidade de Bola na Rede, na Guabiraba, Zona Norte do Recife, no dia 17 de maio de 2013. As lembranças ainda machucam dona Lúcia e seu Francisco. O casal segue na busca pela responsabilização criminal do responsável pela morte do filho.

O caso mais recente de violência letal assistido pelo Gajop aconteceu no último 27 de abril, na comunidade do Detran, Iputinga, Zona Oeste do Recife. Rafael Paulo da Costa foi atingido por disparo efetuado por um policial. Neste caso, a Polícia Civil concluiu pela não responsabilização do PM, mas o Ministério Público estadual devolveu o inquérito indicando a necessidade de mais diligências, como a oitiva de novas testemunhas e a reprodução simulada.  

Quando a morte veste farda

A mortalidade por intervenção policial é um fenômeno acompanhado há uma década pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Apesar do que a nomenclatura pode sugerir, nem todos os casos envolveram confronto e, portanto, não estão inseridos nos casos em que ao agente é permitido o uso da força letal. 

No ano passado, pelo menos 6.430 pessoas foram mortas por policiais em serviço ou em horário de folga. O número representa 17 vítimas por dia, uma pessoa a cada uma hora e meia. A estatística de 2022 indica tendência de estabilidade ao ser comparada com os registros feitos no ano anterior, quando agentes mataram 6.524 pessoas; redução de 1,4% em 12 meses.

Numa parceria, a Marco Zero Conteúdo e o Gajop realizaram uma reportagem especial – site e documentário – para tratar do fenômeno e visibilizar a luta das famílias por justiça em Pernambuco. A história de Jhones aqui foi contada. 

“Eu vivia dizendo para ele: Jhones não corre, não corre. A gente é preto, sempre vai ter um alvo nas costas. Na hora do susto acontece muita coisa na cabeça da pessoa, mas ele não era envolvido com nada. Quando correu, (o policial) mirou na cabeça e puxou o gatilho. E todo mundo sabe que o lugar mais fatal que tem é o coração e a cabeça”, relembra Jéssica, irmã mais velha de Jhones.

*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã.

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