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Crédito: Wikimedia Commons
por Priscilla Gadelha*
É nas Américas onde está o epicentro da “Guerra às Drogas”, que a gente já sabe que – na verdade – é um ataque a determinadas populações e territórios, motivado por questões raciais, políticas e econômicas. O que pouca gente sabe é que mudanças significativas estão acontecendo também no continente americano. Precisamos avançar mais, principalmente no que diz respeito ao sistema de justiça criminal, de modo a superar uma política de drogas com base na violência e criminalização que se mostrou incapaz de tornar a sociedade mais saudável ou segura.
A reforma na legislação de países das Américas em favor de medidas de saúde e redução de danos e também do direito ao uso pessoal de cannabis é algo a ser destacado. No momento em que o Supremo Tribunal Federal retoma o julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha no Brasil, é oportuno reforçar que a ausência de regulação legal da produção, distribuição e consumo de substâncias impacta negativamente toda a sociedade, e não apenas as pessoas que fazem uso de substância e suas famílias. O custo social e econômico é imenso!
Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), o comércio ilegal de drogas têm sido o principal vetor econômico para o tráfico de pessoas, de armas e a corrupção política. Na prática, o proibicionismo tem servido para fragilizar as democracias. Em territórios criminalizados, pessoas – incluindo crianças – são mortas por agentes públicos e de forças paralelas. Uma geração de jovens tem o seu direito à educação usurpado, enquanto comunidades inteiras permanecem segregadas do Estado democrático de direito.
As toneladas de drogas produzidas na América Latina abastecem o norte global, gerando, para alguns, lucros astronômicos que só a combinação de capitalismo e proibicionismo explica. No Brasil, precisamos fazer a leitura desta realidade e entender as dinâmicas deste mercado rentável e sanguinário que, no vácuo da regulação legal, faz uso do dinheiro e da violência para destruir processos de desenvolvimento social, a exemplo do México e Equador.
É para propor alternativas sustentáveis a este cenário que acontece, desde 2012, a ação global Apoie, Não Castigue (Support, Don’t Punish, em inglês), hoje realizada simultaneamente em 90 países, alcançando 239 cidades. No Recife, é desenvolvida pela Escola Livre de Redução e Danos em rede com outras organizações, coletivos e movimentos. O objetivo é fortalecer a agenda da política de drogas com foco na saúde, na redução de danos e nos direitos humanos. Além da regulação legal das substâncias, o caminho exige medidas de desencarceramento, justiça social e controle social das atividades policiais.
A Colômbia foi o primeiro país das Américas a retirar o consumo de substâncias da esfera criminal, em 1994. De lá para cá, outras nações – cada um à sua maneira – caminharam em direção à regulamentação das drogas. Neste aspecto, o Brasil anda devagar, assim também como o fez com a abolição da escravidão, sendo a última nação das Américas a por fim ao regime desumano de exploração de pessoas negras. O julgamento do STF – que, por ora, tem 4 votos favoráveis à descriminalização do porte de maconha – teve início em 2015.
O debate sobre drogas desperta controvérsia, desinformação e medo. Revela também o estigma, preconceito e pânico moral que acabam por pautar a tomada de decisões, ignorando evidências que questionam o atual modelo de política de drogas. Mesmo que num ritmo aquém da urgência do tema, aqui e acolá, países experimentam inovações.
Destaco a decisão da Costa Rica que, em 2013, aprovou projeto fixando penas alternativas a mulheres em situação de vulnerabilidade, chefes de família e grávidas, introduzindo na legislação a questão da proporcionalidade e especificidade de gênero. O Monitor de Política de Drogas nas Américas, desenvolvido pelo Instituto Igarapé, é ferramenta importante para nos informar sobre o que tem sido feito de relevante nos países deste grande condomínio chamado Américas.
Neste campo, a sociedade civil – com destaque especial para o esforço de mães e familiares de crianças com doenças raras, movimentos negro, feminista e organizações que monitoram a atuação das polícias – tem produzido relevantes contribuições. A academia, por sua vez, também tem apontado caminhos mais sustentáveis para uma sociedade mais justa, segura e saudável.
*Psicóloga, ex-presidente do Conselho Estadual de políticas de Álcool e Outras Drogas e coordenadora da Escola Livre de Redução de Danos
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.