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MTST ocupa terreno da antena da Rádio Paulo Freire, que está fora do ar há 3 meses

Giovanna Carneiro / 22/11/2023

Crédito: Arnaldo Sete / MZ Conteúdo

Desde o dia 7 de outubro, o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Sem-Teto do Brasil em Pernambuco (MTST-PE) ocupa um terreno da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) adjacente à reitoria, na zona oeste do Recife. A ocupação, que iniciou com 300 famílias, agora conta com um grupo expressivo de 500 famílias que reivindicam a utilização da área para a construção de moradias populares. A universidade pediu a reintegração de posse do terreno argumentando que o local possui um uso de bem público, pois comporta a antena de transmissão da Rádio Paulo Freire, o que inclui equipamentos de alta tensão. A emissora, aliás encontra-se fora do ar há aproximadamente três meses devido a um furto da fiação de cobre.

A UFPE teve o pedido de reintegração de posse favorável pela Justiça, cujo prazo para o cumprimento da solicitação encerrou na segunda-feira, 20 de novembro, mas a desocupação voluntária não aconteceu e as famílias permanecem no terreno. Agora, cabe à universidade notificar a Justiça e aguardar os próximos encaminhamentos. Enquanto isso, os integrantes do MTST seguem mobilizados para assegurar que as famílias permaneçam no terreno ou que outra solução, que garanta o acesso à moradia, seja apresentada pela UFPE. 

“A gente tem um setor de arquitetura e urbanismo com pessoas que são técnicas e eles realizaram um estudo de viabilidade, porque não é interesse do movimento colocar as pessoas em risco, então a gente isolou as áreas mais próximas da antena porque esse é um terreno muito grande e, inclusive, há anos existe uma proposta de que nele seja construído uma extensão da Casa do Estudante. Por isso, nós acreditamos que essa narrativa que a reitoria da UFPE tenta emplacar de que é um terreno perigoso é uma justificativa inverídica até mesmo pelos estudos que nós realizamos de forma técnica”, afirmou a coordenadora nacional do MTST, Vitória Genuíno.

De acordo com a nota elaborada pelo MTST-PE junto com profissionais de arquitetura e urbanismo, o terreno possui uma área total de 23.346,10m² e a área de utilização da antena – contando com um afastamento de cinco metros dos muros construídos em volta dela – é de apenas 440,47 m². 

A ocupação Companheiro Lourenzon abriga aproximadamente 500 famílias. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

A Rádio Paulo Freire pode parar

Vinculada à UFPE, a Rádio Universitária Paulo Freire é um órgão fundamental na formação de comunicadores e na democratização da comunicação em Pernambuco. Fundada em 1962 pelo educador e filósofo que é referência nacional, Paulo Freire, a rádio nasceu com a proposta de se tornar uma ferramenta de conhecimento popular. 

Agora, no ano em que completa 60 anos de existência, a rádio pode parar de funcionar. A transmissão da rádio universitária está ameaçada porque, desde o furto dos fios de cobre da antena, que aconteceu há três meses, o sinal ficou fora do ar e a transmissão foi desligada. Devido ao decreto presidencial nº 8.139, todas as rádios locais de transmissão Amplitude Modulada (AM) devem migrar para Frequência Modulada (FM) até o dia 31 de dezembro deste ano, senão deixarão de existir. 

De acordo com a Superintendência de Comunicação da UFPE, “para reativar a transmissão é preciso contratar uma empresa que faça o serviço de reposição das peças e ativação do sistema irradiante. No momento, o setor de orçamento da Superintendência de Comunicação está em pesquisa de empresas prestadoras deste tipo de serviço. Pela regra do serviço público, precisamos de três orçamentos para conseguir dar continuidade ao processo”. A assessoria da instituição federal solicitou que a reportagem divulgasse a demanda para que as empresas interessadas em realizar o serviço possam entrar em contato através do e-mail supercom@ufpe.br . 

No entanto, mesmo com a reposição e reinstalação dos itens furtados, a UFPE alega que não seria possível religar a antena porque colocaria a vida das pessoas que integram a ocupação do MTST em risco. “Toda área é uma área de alta tensão”, declarou a instituição.

Segundo o MTST-PE, “a utilização do lote para abrigo da antena, representa uma subutilização da área […] e da função social do terreno. Fato que fica claro a partir do levantamento proporcional que indica que a área correspondente a antena representa menos de 2% da área total. Tal indicativo de necessidade de utilização dos 98% restantes se expõe tanto pela realidade de insegurança e violência que essa subutilização proporciona, quanto pela própria indicação da UFPE que existem planos para uma melhor utilização do terreno. Planos estes que não indicam expressamente a prioridade de permanência ou retirada da antena, se não uma prioridade de melhor aproveitamento do lote”.

Déficit habitacional que precisa ser solucionado

“Estou aqui porque eu preciso da moradia, não tenho mais condições de pagar aluguel”. A situação de Rosana Xavier é semelhante à das centenas de famílias que integram a Ocupação Companheiro Lourenzon, no terreno da UFPE. 

Mãe solo de três filhos, Rosana luta para conseguir sobreviver apenas com um salário mínimo: “a ocupação abraçou a mim e aos meus filhos, sou muito agradecida a Deus e a eles que me receberam de braços abertos. Eu tenho dois filhos especiais e recebo benefício de um deles, que tem microcefalia, e um salário é muito pouco para arcar com os custos de ter uma criança autista , então, ou eu como ou eu pago aluguel e não precisar mais pagar aluguel ajuda a desapertar o meu bolso e assim eu posso dar uma vida melhor pros meus filhos”.

Rosana Xavier e seus filhos na Ocupação Companheiro Lourenzo. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

De acordo com o levantamento do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) de 2018, o déficit habitacional da cidade do Recife é de mais de 70 mil habitações, enquanto o déficit habitacional de Pernambuco é de 326 mil moradias, podendo chegar a 597 mil até 2030.

Por isso, o MTST viu no terreno da UFPE uma oportunidade de garantir um grande número de moradias para a população mais vulnerável e a escolha do local da ocupação se deu também para tentar sanar o problema de falta de segurança no bairro. “A inativação e a falta de uso desse espaço, em uma área praticamente residencial, se torna um problema de segurança pública. A ociosidade de um terreno que não cumpre a sua função social causa a perda da segurança natural que advém da unidade de vizinhança. Principalmente durante a noite, terrenos baldios acabam favorecendo crimes de violência contra a mulher, bem como assaltos e outros delitos. Dessa forma, sabido que o lote em questão foi cenário de crimes contra estudantes da UFPE, que muitas vezes têm aulas durante a noite e precisam percorrer os arredores do terreno sem nenhuma segurança sobre seu corpo”, declarou a organização em nota.

“Quando a gente ocupou o terreno estava cheio de mato, lixo, cobras, insetos, era um local que servia como ponto de roubo, estupros e uma parte da vizinhança gostou quando chegamos porque agora o terreno está ocupado. Limpamos o terreno, já montamos alguns barracos, fizemos uma horta e até agora a gente não encontramos nenhum fio, nós acreditamos que é seguro permanecer no terreno”, contou Maria dos Prazeres, coordenadora de ocupações do setor de organização do MTST.

Casa do Estudante junto da ocupação

Em audiência para tentar viabilizar um acordo com a UFPE, representantes jurídicos e lideranças do MTST defenderam a criação de moradias populares no terreno. De acordo com os integrantes do movimento social, a instituição de ensino alegou que um dos projetos previstos para a utilização do terreno federal é a ampliação das dependências da Casa do Estudante para acomodar alunos e alunas da UFPE. Com isso, o MTST-PE apresentou como uma das soluções possíveis a destinação de parte das unidades para a Habitação de Interesse Social (HIS). 

A proposta dos arquitetos e urbanistas voluntários do movimento parte do princípio que, diante do sucateamento das universidades federais e do déficit de recursos próprios, seria possível levantar recursos financeiros governamentais no âmbito do programa federal Minha Casa, Minha Vida (MCMV).

Ilustração da proposta de desmembramento do lote para a a expansão da Casa do Estudante e da ocupação. Crédito: Divulgação MTST-PE

A proposta de desmembramento garantiria que a antena permaneça no lote proposto de que a ocupação permaneça onde já se consolidou. 

À reportagem, a UFPE afirmou que não ter interesse em ceder o terreno ao MTST porque ele tem um uso estrutural fundamental para a universidade.A instituição declarou ainda que “esteve presente todas as vezes que solicitada pelos representantes da ocupação, desde o primeiro dia em que ela ocorreu, se colocando à disposição para diálogo. Todas as demandas solicitadas pela ocupação foram prontamente atendidas. Foi solicitado que a UFPE ajudasse na mediação de um encontro com o Superintendente de Patrimônio da União, Felipe Gondim, que aconteceu no mesmo dia. Todos os ocupantes do terreno foram cadastrados e incluídos no plano de habitação da cidade do Recife. Na ocasião, a PCR informou que não teria condições de fazer esse cadastro por falta de pessoal, então a UFPE disponibilizou uma equipe que fez o cadastro dentro dos parâmetros determinados e entregou toda documentação para a prefeitura do Recife”.

Em nota enviada à Marco Zero, a Prefeitura do Recife afirmou que “compreendendo a luta por moradia popular, a Prefeitura do Recife recebeu representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), nesta segunda-feira (20), e se colocou à disposição para mediar os interesses do movimento e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no sentido de garantir condições dignas às pessoas. Mesmo entendendo que a solicitação é de competência da UFPE, tendo em vista que o terreno ocupado pertence à União e é objeto de ação judicial de reintegração de posse, a gestão municipal – a pedido da instituição de ensino superior – elaborou um cadastro de 400 famílias que vivem no terreno e disponibilizou as informações à universidade para que possa providenciar soluções junto aos ocupantes. Além disso, a Prefeitura buscará sensibilizar a Justiça Federal, no sentido de prorrogar o prazo para desocupação e de convocar uma nova audiência, com a participação de demais entes públicos, para viabilizar alternativas aos ocupantes”.

Sem acordo com a reitoria da UFPE, os integrantes do MTST tentam diálogo com a Superintendência do Patrimônio da União (SPU).

“A superintendência pode trazer uma solução, mesmo que seja a desocupação deste terreno, mas com a realocação para um outro, porque a nossa prioridade é a garantia da moradia para essas pessoas. A universidade se prontificou de garantir esse diálogo, mas a gente ainda não conseguiu avançar nesse ponto e agora a UFPE se mostra mais fechada para um diálogo mais direto com a gente e se dedica unicamente a esse intermédio com a SPU”, afirmou Tomás Ribeiro, advogado representante do MTST. Ainda de acordo com o advogado, o Governo do Estado se nega a dialogar com o movimento social para apresentar soluções para as famílias desabrigadas que participam da ocupação e nem se quer mandou um representante para participar da audiência sobre o caso.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.