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Ponto eletrônico na Prefeitura do Recife começa em meio a muitas dúvidas e pouca transparência

Maria Carolina Santos / 30/11/2023
Palácio Capibaribe, edifício-sede da prefeitura do Recife, fotografado à distância em dia de céu azul sem nuvens, tendo o rio Capibaribe e o manguezal na parte inferior da imagem

Crédito: PH Reinaux/Secult-PE

A partir desta sexta-feira, 1º de dezembro, a Prefeitura do Recife pretende cobrar o ponto de todos os seus servidores. Há duas formas dos funcionários comprovarem a frequência: o tradicional ponto eletrônico no local de trabalho ou por meio de um aplicativo no celular do próprio servidor. Com mais de 30 mil servidores, e várias cargas de trabalho, além de uma série de peculiaridades de cada profissão, a cobrança do ponto está sendo criticada por sindicatos e associações. A principal queixa é a de que a prefeitura não dialogou com as entidades, nem antes nem depois do decreto exigindo o ponto, publicado no começo de outubro.

Há, ainda, uma série de dúvidas e questionamentos sobre a obrigação de se ter um aplicativo de ponto no celular. Em inúmeros locais de trabalho, a prefeitura ainda não instalou o ponto eletrônico.

Para discutir o assunto, o Sindicato dos/as Servidores/as da Prefeitura do Recife (Sindsepre) realiza uma assembleia nesta sexta-feira, às 9h, no vão livre da sede da prefeitura. A ideia é cobrar essa abertura para o diálogo e adiar a cobrança do ponto. “A garantia da frequência do servidor é importante. Mas o formato dessa cobrança é que a prefeitura não está conseguindo formalizar”, diz Osmar Ricardo, presidente do Sindsepre.

“Tem gente que trabalha quatro horas por dia, outros seis horas, outros oito. Tem gente que é 12 horas. Tem vários lugares de trabalho e contratos diferentes. Isso dificulta o formato de cobrança”, diz Osmar. “Acho que nem a prefeitura conseguiu ainda ter a dimensão dos problemas que esse formato de ponto vai trazer”, afirma.

A obrigação do servidor ter que ter um celular para registro do ponto, quando estiver externo ou nos locais em que não há ponto físico, é outro destaque na pauta da assembleia. “Somos totalmente contra. Se a prefeitura quer que o servidor bata ponto por celular, tem que ceder um aparelho com internet. Quem não tem celular, ou quem não quer usar seu próprio celular, vai ser penalizado?”, questiona Ricardo.

O sindicato afirma que ainda faltam muitas informações sobre a cobrança do ponto. E como vai funcionar em cada secretaria. “Foi implantado sem nenhum diálogo com os servidores. Só tivemos conversas pontuais e não ficou definido nada”, afirma o presidente do Sindsepre.

Outro ponto que está gerando dúvidas é sobre os servidores com duplo vínculo. Por lei, algumas categorias, como saúde e professores, podem ter duplo vínculo, ou seja, podem trabalhar na prefeitura e em outro local.

“No decreto, não há mecanismos para facilitar o duplo vínculo, que é uma garantia de algumas categorias, mas só para dificultar.Tem muitas pessoas apreensivas porque não vão poder manter o duplo vínculo. Antes, havia uma ponderação: o servidor ficava mais de oito horas em um dia para compensar outro. Agora, está tudo muito engessado. Não sabemos como vai funcionar o banco de horas. Ou como os cursos de qualificação vão contar no ponto”, afirma Fagner Valença, coordenador da Associação dos Trabalhadores da Assistência Social do Recife (Atas).

Para quem trabalha em mais de uma RPA (Região Político Administrativa, como a cidade é administrativamente dividida), também está confuso como o ponto vai ser contado. “Nos falaram que o aplicativo de ponto vai usar o GPS do celular e o georreferenciamento vai ser de acordo com a RPA onde o servidor trabalha. Mas tem serviços nossos que ficam em várias RPAs. Por exemplo, quando um educador social precisa ir a uma escola ou a uma audiência na Justiça. São muitas dúvidas que não foram respondidas ainda”, diz Valença.

Nesta sexta-feira, o sindicato vai solicitar também um prazo maior de adaptação ao novo ponto, com abertura de diálogos com as categorias, e mais transparência sobre o que vai ser feito com os dados e sobre quem vai bater o ponto – há informações desencontradas sobre a cobrança de ponto de terceirizados e funcionários comissionados.

Segurança e privacidade digital

O aplicativo que terá que ser usado pelos servidores se chama Sisponto e exige o reconhecimento facial para contagem de entrada e saída. Segundo Valença, os servidores foram convocados nos últimos dois meses para tirar fotografias na prefeitura, para serem usadas no aplicativo. 

Para a advogada Raquel Saraiva, presidenta e fundadora do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec), há muitas questões que precisam ser explicadas pela Prefeitura do Recife. “A prefeitura já usa o reconhecimento facial como ponto eletrônico no prédio da sede e há vários casos de servidores que não estão sendo reconhecidos pelo sistema. E aí voltamos para o debate de que esses algoritmos de reconhecimento facial têm falhas – e falham bastante, não é algo raro. As pessoas que não são reconhecidas têm um recorte de gênero e raça: a acurácia é mais baixa em relação a mulheres negras, por exemplo”, explica Saraiva.

Outra questão que a especialista traz é sobre como esses dados de biometria – que são considerados dados sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – estão sendo e serão tratados pela prefeitura do Recife.

“Qual a segurança que existe em relação aos dados pessoais dos servidores? É preciso uma política de privacidade muito robusta. Acredito que a prefeitura deve ter feito um estudo prévio jurídico de adequação à LGPD e encontrado uma base legal que permite essa coleta e tratamento de dados. Mas, dentro disso, existe o agravamento de que são dados sensíveis, o que exige uma segurança maior”, diz.

A transparência em relação a como esses dados são tratados também é cobrada por servidores e pelo sindicato. “Todos devem ficar muito cientes de como esses dados estão sendo tratados. Existe uma responsabilidade inerente à prefeitura caso haja algum incidente de segurança, como vazamento, em relação aos dados dos servidores”, diz a presidenta do IP.rec

“É preciso também que haja transparência para que esses dados, como os de geolocalização, não sejam usados de forma abusiva contra os servidores. Existe uma fronteira muito fina entre a necessidade da prefeitura em saber que o servidor está cumprindo sua jornada de forma externa e a de isso também não se tornar uma forma de monitoramento e vigilância dos servidores. O risco existe e é uma linha tênue, então esses critérios de transparência precisam estar bem amarrados, para que os servidores tenham formas de se defender caso esses dados sejam usados de forma abusiva contra eles”, afirma Raquel Saraiva.

A Marco Zero questionou a prefeitura sobre o prazo de exigência de cobrança do ponto, quem vai bater o ponto e como os dados serão armazenados. Quando a resposta chegar, essa matéria será atualizada.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org