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Crédito: Gajop
por Jorge Cavalcanti*
Dez anos, nove meses e três dias irão separar a data em que um jovem negro foi assassinado no Recife por um policial militar em serviço, com a conivência de outro PM, da realização do Tribunal do Júri que julgará os dois réus. O crime aconteceu na comunidade Bola na Rede, no bairro da Guabiraba, na Zona Norte. Marcos Laurindo da Silva foi baleado nas costas e no peito, dentro da casa onde morava, na frente da mãe e do pai. O julgamento está agendado para 20 de fevereiro, no Fórum de Joana Bezerra, área central da cidade. A expectativa da família da vítima é pela condenação.
O filho de dona Lúcia e seu Francisco tinha 21 anos quando foi executado, em 17 de maio de 2013. O jovem não possuía antecedentes criminais, diferentemente do policial que apertou o gatilho. Naquela data, o então soldado da Polícia Militar de Pernambuco Diogo Pereira de Barros já era réu num processo por homicídio. Mesmo assim, seguia designado para o policiamento ostensivo nas ruas.
Pelo assassinato de Marcos Laurindo, o ex-policial vai responder por homicídio qualificado e mais dois crimes (porte ilegal de arma de fogo e fraude processual). O Ministério Público de Pernambuco chegou a pedir a prisão preventiva de Diogo Pereira em janeiro de 2014, quando apresentou a denúncia por homicídio doloso, com dois qualificadores (motivo torpe e sem chance de defesa à vítima), e os antecedentes criminais do policial. A Justiça, porém, negou o pedido e ele respondeu em liberdade durante todo esse tempo.
“Este é um caso bastante substanciado com provas testemunhal e pericial, que já teve resolução no âmbito administrativo. Por isso, acreditamos que o júri vai decidir pela condenação dos reús”, informa a advogada Maria Clara D’Ávila. Ela e mais dois colegas, Sóstenes Rocha e Marília Falcão, vão atuar como assistentes de acusação. Os defensores integram a equipe do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), que acompanha casos de mortes provocadas por agentes das forças de segurança.
Diogo Pereira foi excluído da corporação em maio de 2015, depois de responder a processo disciplinar em virtude do homicídio de Marcos Laurindo. A arma de onde saíram os disparos estava registrada em nome da Polícia Militar: uma pistola da marca Taurus, calibre .40, número de série SUK 14825. A causa da morte foi “choque decorrente de ferimentos penetrantes produzidos por instrumento perfuro contundente”, como informa a certidão de óbito da vítima.
O cabo Paulo Sérgio da Silva, que fazia dupla com o autor dos disparos, vai responder pelos crimes de falso testemunho, fraude processual e porte ilegal de arma de fogo. Diferentemente de Diogo Pereira, ele permanece na corporação. À época do caso, foi punido com 30 dias de prisão “em virtude de tentar acobertar o supracitado crime, corroborando com a falsa existência de arma de fogo”, informou a corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS-PE).
Na delegacia, os PMs apresentaram como sendo de Marcos Laurindo um revólver calibre 38 sem registro no Sistema Nacional de Armas. Eles relataram que seguiam na viatura em baixa velocidade, com as luzes intermitentes apagadas, para não chamar atenção, quando sofreram uma tentativa de assalto. Um homem teria atirado contra a dupla. Em seguida, teria sido perseguido, capturado dentro de casa e levado com vida ao Hospital Agamenon Magalhães. O laudo médico e a investigação da Polícia Civil, porém, comprovaram ser falsa a versão dos policiais.
A apuração do caso conseguiu montar um conjunto de provas para sustentar o indiciamento do então soldado e do cabo. Além do depoimento de nove testemunhas, a Recognição Visuográfica do Local de Crime produzida pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa foi fundamental para assegurar que Marcos Laurindo foi executado sem motivo que justificasse a ação. O excludente de ilicitude, previsto no Código Penal, só ocorre quando há estado de necessidade, legítima defesa ou estrito cumprimento de dever legal.
“A versão (dos PMs) está efetivamente descartada pelas inúmeras provas produzidas e não encontra nenhum embasamento nas informações colhidas preliminarmente no local do fato”, destaca um trecho do inquérito da Polícia Civil.
A investigação, porém, não conseguiu unir elementos suficientes para apontar qual motivação levou o réu a agir daquela maneira. Uma das hipóteses é um desentendimento com a família da vítima, dois meses antes do crime. O 190 tinha sido acionado para atender uma ocorrência. Marcos Laurindo tinha distúrbios psicológicos e, naquele dia, estava agitado dentro de casa.
“Que o PM disse que ia levá-lo para dormir uma noite no xadrez, que a depoente pediu que não, que o policial disse que, da próxima vez, viria e mataria”. Este é um trecho que consta no inquérito policial do depoimento da mãe de Marcos Laurindo e também principal testemunha do crime.
Numa reportagem especial sobre o aumento de mortes provocadas por policiais em serviço, publicada em novembro de 2021, a Marco Zero Conteúdo contou a história de Marcos Laurindo e de outros jovens sem antecedentes criminais que foram mortos em Pernambuco por PMs. O material foi produzido em parceria com o Gajop. Leia aqui. Quando a morte veste farda.
Previsto na Constituição Federal, é responsável por julgar crimes dolosos contra a vida. A cada processo, 25 pessoas comparecem ao julgamento. Destas, sete são sorteadas para compor o conselho de sentença. Acusação e defesa podem descartar até três jurados, cada. Ao conselho de sentença cabe responder duas perguntas: declarar se o crime em questão aconteceu e se o réu é inocente ou culpado. Ao juízo cabe estabelecer o cálculo da pena que será aplicada.
Para participar como jurado, a pessoa precisa ter mais de 18 anos, estar em gozo dos direitos políticos, não ter antecedentes criminais, ser eleitor(a) e concordar em prestar esse serviço de forma voluntária. São considerados impedimentos a pessoa ser surda, cega, conviver com doença mental ou morar em cidade diferente daquela em que vai ser realizado o julgamento. Ninguém pode ser excluído em razão de cor ou etnia, raça, credo, gênero, profissão, classe social ou grau de escolaridade.
O réu não é obrigado a estar presente ao julgamento. Mas precisa comparecer por meio de condução coercitiva, caso o juízo entenda necessário. É direito do réu exercer a autodefesa, permanecer em silêncio ou responder perguntas e narrar a sua versão dos fatos.
*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.