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Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
Na próxima segunda-feira, 29 de janeiro, o motorista Luciano Matias Soares, de 40 anos, vai a júri pelo atropelamento da advogada Isabela Freitas, de 31 anos. O caso aconteceu no Recife em outubro de 2021. Ele é acusado de tentativa dolosa de homicídio (quando há a intenção de matar). Ela, integrante das comissões de Advocacia Popular e de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE), estava no exercício de sua função ao final de um protesto pacífico que pedia o impeachment do então presidente Jair Bolsonaro, no bairro de Santo Antônio, centro da cidade.
Segundo testemunhas, o administrador Luciano, que dirigia um Jeep Renegade de placa QYJ2E95, furou o bloqueio feito pelos manifestantes, arrastou e atropelou Isabela por mais de 50 metros, passando por cima da perna esquerda dela, na avenida Martins de Barros. Depois fugiu sem prestar socorro à vítima. Na sequência, Luciano registrouum Boletim de Ocorrência na Central de Plantões da Capital (Ceplanc) por dano e depredação de patrimônio porque teve o carro amassado e o vidro quebrado.
A sessão aberta de julgamento da 4ª Vara do Tribunal do Júri na segunda (29) será às 9h no Fórum Thomaz de Aquino. Em 2021, quando o atropelamento aconteceu, Isabela optou por não ter seu nome e sua foto divulgados. Agora, com medo da reação do réu ao resultado do júri, ela optou por aparecer para que seja reconhecida em público.
Isabela, atualmente gestante de quatro meses, sofreu traumatismo craniano e enfrenta uma perda funcional de 50% da perna esquerda, da qual Luciano passou por cima com Jeep, que pesa cerca de uma tonelada e meia. Foram duas cirurgias, 15 pinos e quatro placas de titânio. A advogada ficou de cadeira de rodas e depois de muletas, que usa até hoje quando tem crises de dor. “Não nasci PCD (Pessoa com Deficiência), me deixaram PCD enquanto eu só estava trabalhando por direitos”, lamenta Isabela.
Em conversa com a Marco Zero por telefone esta semana, ela relatou a luta para cuidar da saúde mental dela, proteger o bebê que está na barriga e seguir como responsável pela mãe, que tem fibromialgia e teve o quadro de saúde agravado depois do que aconteceu. Isabela conta que Luciano nunca a procurou e não prestou qualquer assistência ao longo do processo judicial.
Traumatizada, ela segue fazendo, além das sessões de fisioterapia, sessões duplas de psicoterapia por semana. O atropelamento também mudou a realidade financeira dela, que passou boa parte dos últimos dois anos sem trabalhar. Ela conseguiu um emprego recentemente.
Isabela tem forte atuação como advogada das comissões da OAB-PE. Ela foi uma das pessoas que ajudaram o homem baleado no olho pela Polícia Militar no protesto contra Bolsonaro do dia 29 de maio de 2021, no centro do Recife.
“Eu achava que a dor ia melhorar com o passar do tempo. Eu sobrevivi e foi um milagre, são coisas que sempre falam. Só que, com o passar do tempo, a dor vai piorando. Eu não consigo esquecer. O pouco que eu lembro eu não consigo esquecer”, desabafa. “Jamais iria encarar a morte me jogando em um carro quando tenho motivos reais além da minha vida para me manter viva”, afirmou em uma rede social.
A reportagem teve acesso ao laudo do médico perito judicial, realizado, a pedido da Justiça, para analisar a extensão e os efeitos das lesões que Luciano causou em Isabela. O profissional confirmou, entre outros pontos, que a vítima ficou com “restrições funcionais importantes no tornozelo esquerdo, com limitações de movimento”.
A MZ falou com o advogado de Luciano, Sérgio Gonçalves, nesta quinta (25) solicitando entrevista. Até o momento do fechamento desta matéria, não houve retorno sobre o pedido.
À imprensa, na época do caso, Luciano alegou que se sentiu ameaçado e ficou com medo da reação dos manifestantes, por isso acelerou o carro. Ele disse, em entrevista ao portal G1, “Se ela não tivesse se pendurado no capô, nada disso teria acontecido” e “se eu tivesse parado para socorrer, seria espancado, pelo calor da situação”. “Se eu tivesse vindo na velocidade, eu não tinha apenas atropelado ela, teria atropelado várias pessoas. Só passei por ela porque ela se pendurou no meu carro. Começaram a dar um monte de pancada no carro, […] então fiquei com medo. Me senti ali agredido. Fiquei com medo de ficar e acontecer uma coisa pior”, afirmou na mesma entrevista.
À Marco Zero, Isabela rebateu: “Se eu não tivesse segurado o capô, ele teria passado por cima de mim”. “Se ele não queria que eu segurasse o capô, então ele assumiu que ele queria me matar”, complementou. “Aí eu pergunto, ele está desesperado com o quê? Com o carro dele? Eu estou desesperada com a minha vida, que eu quase perdi e que estou juntando os cacos até hoje para poder ficar forte e cuidar de dois (a mãe e o filho)”, protesta.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com