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Foto de Teresa e Teresinha Braga de Moraes: elas são duas gêmeas idênticas, mulheres brancas, idosas, de cabelos claros e ralos, usando blusas de estampas coloridas. Elas foram fotografadas em uma sala fechada, de parede amarela, com quadros ao fundo.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Aos 83 anos, gêmeas Teresa e Teresinha não abrem mão de sonhar com justiça social e democracia

Presença certa em protestos e debates, as irmãs pernambucanas também são ativas nas redes sociais

Jeniffer Oliveira / 04/07/2024

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Em 4 de julho de 1941, em São Lourenço da Mata, cidade da Região Metropolitana do Recife, nasciam em uma família engajada nas lutas sociais, Teresa e Teresinha Braga de Moraes. Gêmeas idênticas que, desde sempre, tiveram a vida marcada pela militância de base, em defesa dos direitos humanos, liberdade do povo e educação. Servidoras públicas aposentadas trilharam caminhos diferentes, mas que se unem quando o assunto é atuação política.

Parecidas na aparência, no jeito e no modo de falar, elas sempre marcam presença nas manifestações, protestos, conferências e debates. Por isso, são figuras conhecidas entre os militantes de várias gerações dos partidos e movimentos sociais. Além da atuação presencial, acompanharam as mudanças tecnológicas e também participam ativamente das discussões nas redes sociais.

Há quem ache que Teresa, conhecida na família como Tequinha, seja mais falante, no entanto, ao conversar com as duas juntas é fácil identificar que, também nisso, elas não são muito diferentes. As falas se atravessam e a conversa se torna ainda mais interessante. Os pontos em comum, além do gosto por contar histórias e os nomes parecidos, são vários: Teresa tem uma filha, mas nenhuma das duas se casou.

O calor pela luta política ao lado dos mais pobres e vulneráveis sempre esteve presente na vida das irmãs. Ainda crianças, elas acompanharam a prisão do tio Jeferson Barbosa Teixeira, filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCB) e vice-prefeito de Jaboatão dos Guararapes na década de 1940, quando a cidade era chamada de “Moscouzinho”. Escondidas em casa, escutavam as rádios soviéticas em ondas curtas junto com o avô João Carlos. Segundo elas, desse jeito elas foram “percebendo as injustiças do mundo”.

“No corredor da nossa casa em São Lourenço da Mata, tinha um retrato de Stalin e o retrato de Charles de Gaulle. E vovô colocava a gente pra cantar junto com ele o hino da União Soviética, a Marselhesa e a Internacional Socialista“, relembra Teresinha, que foi a primeira a nascer, oito minutos antes da irmã. Já Teresa recorda de uma inquietação social: “eu me lembro vindo de ônibus de São Lourenço para o Recife e vi uma pessoa quase morrendo, aí eu perguntei e a mulher ao lado respondeu que foi ‘de fome’. Quer dizer, aquilo tudo mexia muito”.

Lembranças de março de 1964

No 83º aniversário, elas relembram as diversas histórias compartilhadas com nomes como Paulo Freire e Dom Helder Câmara, referências sobre direitos civis. Mas são os causos na época do golpe militar de 64 que merecem maior atenção e capricho nos relatos.

Nesta época, Teresinha havia ingressado há poucos anos na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) como servidora concursada e era estudante da terceira turma de Direito, da Universidade Católica de Pernambuco. O 1º de abril daquele ano foi marcado pela inquietação que a estimulava, o que fez ela seguir para a porta da Sudene para acompanhar a movimentação.

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Em 1964, quando o Brasil tinha o trabalhista João Goulart como presidente, o país sofreu um golpe militar realizado por grupos conservadores de civis e militares. Daquela data até 1985, o país esteve sob a ditadura dos generais.

“Eu fui para a frente da antiga sede da Sudene e quando eu vi, atiraram em um rapaz e ele morreu. Eu saí correndo pela rua do Príncipe, aí a polícia vinha e eu entrei numa casa que tinha uma imagem Sagrado Coração de Jesus ‘desse tamanho’ [nessa altura da conversa, ela abriu os braços para ressaltar que se tratava de algo grande]”, lembra Teresinha. A dona da casa não gostou da sua presença ali, mas deixou que ela ficasse até a polícia ir embora.

Para Tereza, que na mesma época era estudante de Ciências Sociais na mesma universidade e auxiliar de pesquisa no Movimento Cultura Popular (MCP), os acontecimentos do 1º de abril também a surpreenderam porque os integrantes do MCP não imaginavam o que estava acontecendo. Ela só descobriu no momento que iria iniciar uma aula na antiga Saner, uma autarquia de saneamento do Recife.

“Quando eu cheguei lá disseram: prenderam Miguel Arraes, ele levou um golpe. E tão dizendo que o MCP, no Sítio da Trindade, está fazendo resistência. Ainda criaram uma fake, né?”, recorda Teresa. Depois disso, ela foi até a sede do movimento e avisou aos colegas, que então saíram da sede e foram se esconder.

Como as duas estudavam em Recife, moravam com a avó na estrada de Belém, nos arredores do bairro de Campo Grande, foram para casa enfrentar a tristeza de enterrar os livros de suas coleções para que os militares não encontrassem nada. Depois, a casa virou um restaurante. As memórias e os livros ficaram pra trás.

Vida dupla e militância internacional

Pouco depois, um professor de Teresinha foi convidado a coordenar a comissão de atividades subversivas universitárias – uma espécie de central interna de espionagem – e, como sabia de seu bom desempenho acadêmico, a convidou para ser sua secretária. Com medo, ela hesitou e só aceitou o convite depois de pedir conselho a Dom Helder Camara, que tinha acabado de assumir a arquidiocese de Olinda e Recife. Por sugestão do arcebispo, ali começou uma vida dupla.

Com a relação dos nomes dos estudantes que estavam sendo vigiados, sob orientação do religioso ela procurava suas famílias e para avisá-los e evitar que fossem às reuniões onde havia espiões. “Com isso, acho que mais de 100 estudantes deixaram de ir às reuniões. Quando os militares chegavam lá, estava vazio”, relembra Terezinha. Anos depois, sua atuação foi descoberta, mas ela escapou de ser punida.

Em 1971, Teresa foi a única pernambucana a ganhar uma bolsa de estudos para estudar sobre o projeto de educação na América Latina, por nove meses, em Louvain, na Bélgica. No entanto, o governo brasileiro encerrou o programa de intercâmbio com a instituição francesas, mas, ao mesmo tempo, surgiu a oportunidade dela estudar na Universidade de Hartford, em Connecticut. Com isso, ela se juntou a uma amiga para acompanhar os diversos movimentos pacifistas e antirracistas que aconteciam em Nova York, a aproximadamente 65 quilômetros da universidade.

Nos Estados Unidos, Tequinha provavelmente estava sendo monitorada, logo depois que voltou ao Brasil, em junho de 1972, policiais à paisana em uma perua Veraneio tentaram sequestrá-la no centro do Recife. Na mesma época, as gêmeas foram convocadas para dar explicações no escritório do Serviço Nacional de Informações, conhecido pela famigerada sigla SNI.

Foto colorida das gêmeas Teresa e Teresinha. O foco da fotografia está em Teresinha, uma mulher idosa de cabelos claros, usando máscara facial cobrindo boca e nariz, com colar de esferas brancas, usando blusa azul e óculos. Ao fundo, sua irmã, com o rosto desfocado, olha para ela. Uma garrafa de água mineral com tampa azul aparece na porção esquerda inferior da foto.
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

“Eu fico pensando como é que eu tive coragem, eu fui pra esse movimento em defesa de Angela Davis, contra a guerra do Vietnã, o paz e amor. E a gente fazia isso tudo sem dinheiro, pois eles pagavam apenas a alimentação e a hospedagem na universidade”, lembra. Pela falta de dinheiro, elas faziam bate-volta entre uma cidade e outra para conseguir acompanhar os protestos.

Militância que inspira

As gêmeas sabem que são fonte de inspiração para quem luta por justiça social, principalmente, para ex-militantes que perderam o gás com o passar do tempo. Hoje, as duas são filiadas ao Partido dos Trabalhadores (PT) e se tornaram referência de perseverança, militância e capacidade de sonhar. Em 2019, por exemplo, as gêmeas participaram das vigílias organizadas pelo frade franciscano Aloísio Fragoso pela liberdade de Lula, na época preso em Curitiba.

Também estão ligadas à ala progressista da Igreja Católica. “No Cursilho [movimento de evangelização], a gente faz parte da Hora Mariana, ficamos responsáveis pelas quartas-feiras. Teresa faz o salmo e eu faço o comentário do evangelho. Eu aproveito tudo que posso, para mostrar nos versículos o que é que o reino de Deus traz. Então, quando eu faço os evangelhos, pego ali em uma entrelinha e mando uma reflexão, sabe?”, afirma Teresinha.

Também na Igreja Católica, sua irmã Teresa, a Tequinha, faz parte da equipe que atua na Casa do Pão, no bairro de Santo Antônio, cuja a intenção é “realizar um trabalho de conscientização social e cidadã dessa população em situação de rua, através de roda de conversa, abordando temas escolhidos por eles e elas”. Eles acolhem pelo menos 25 pessoas e realizam leituras de mundo a partir da vivência de cada participante.

“E foi por meu esforço junto com outros militantes do Cursilho, inclusive, Teresinha, no início, que conseguimos que o MEB viesse para atuar junto à Casa do Pão, instituição de apoio e assistência ao povo em situação de rua (moradores ou não), criada como legado do XVIII Congresso Eucarístico Nacional, realizado no Recife”, completa Teresinha.

Para Teresa, as esquerdas precisam aumentar a atuação de base: “as soluções para essa crise global estão nas comunidades”.

AUTOR
Foto Jeniffer Oliveira
Jeniffer Oliveira

Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.