Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
A Polícia Civil de Pernambuco investiga a existência de “rachadinha” no gabinete da vereadora do Recife Elaine Cristina. O caso está no Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Draco), que apura desvios de recursos públicos. “Rachadinha” é como ficou conhecida a prática de apropriação de parte do salário de assessores por políticos.
Elaine Cristina é filiada ao PSOL, exerce mandato na Casa José Mariano desde o início de 2023, recebendo salário de R$ 19 mil por mês como vereadora, além do cartão alimentação de R$ 1.785. O esquema de confisco de parte do salário de funcionários seria operado desde o ano passado pela própria parlamentar e a chefe de gabinete Girlana Diniz.
A reportagem teve acesso a áudios que teriam sido gravados e enviados por Elaine a então assessores, com instruções de como fazer a entrega. “Olha na tua conta salário, porque aí você vai ver onde tá. E tem que ir diretamente no banco porque o valor que você vai tirar é alto. E aí eu levo você e lhe acompanho. Mas abra aí a conta salário.”
Em conversa com uma segunda pessoa então nomeada no gabinete, a vereadora teria orientado da seguinte forma: “eu vou dar outra conta para tu transferir, que a minha não pode ser, não. Mas deixa eu dizer uma coisa a tu: transfere para a tua conta corrente do Banco do Brasil, porque aí fica mais fácil de tu fazer transferência. Girlana vai colocar.”
Ao longo da semana, a reportagem conversou com seis ex-assessores da vereadora, que confirmaram a existência da “rachadinha”. Detalharam como seria o padrão do funcionamento do esquema. Assim que a Casa José Mariano realizava o pagamento da folha de pessoal, servidores eram instados a realizar transferências ou saques em terminais eletrônicos, para serem entregues no gabinete ou na Câmara.
A quantia variava, a depender do cargo e da remuneração dos servidores. A reportagem confirmou valores de R$ 3 mil a R$ 4 mil por mês. Apurou também que, ao longo dos quase dois anos, pelo menos, dez pessoas que passaram ou ainda estão no gabinete devolveram parte dos seus respectivos salários. Alguns assessores relataram coação.
A MZ também teve acesso a conversas da chefe de gabinete, por escrito e áudio, com outras duas pessoas quando estas trabalhavam para a vereadora, nomeadas em cargos comissionados. Numa delas, a chefe de gabinete arbitrou a divisão. “Olha, teu salário caiu. Teu valor é R$ 4 mil”.
Após a queixa da pessoa nomeada de que o valor seria menor do que o recebido quando esta era lotada na Casa via empresa terceirizada, a chefe de gabinete redefiniu a remuneração para R$ 4,3 mil. E a devolução passou a ser de R$ 3 mil por mês, conforme os comprovantes de saque de abril, maio, junho, julho e agosto deste ano, aos quais a reportagem teve acesso.
Neste trecho, cabe um adendo: a informação repassada pela chefe de gabinete na imagem acima não procede. Quem trabalha na Câmara do Recife via empresa terceirizada é carteira assinada, com direito a 13º salário e férias.
Antes de ser chefe de gabinete da vereadora Elaine Cristina, Girlana Diniz ocupou cargo em comissão na Prefeitura do Recife. Nas administrações do ex-prefeito Geraldo Julio e do atual João Campos, ambos do PSB, foi gerente da Igualdade Racial da Secretaria de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Juventude e Políticas sobre Drogas. Foi exonerada em 11 de maio de 2022.
Após ser procurada pela MZ, a direção do PSOL realizou reunião extraordinária para decidir qual posição tomaria, diante da informação de que a Polícia Civil investiga a existência de “rachadinha” no gabinete de uma vereadora da legenda.
“O Partido Socialismo e Liberdade em Pernambuco informa que irá protocolar as informações no Comitê de Ética, a fim de apurar as denúncias, com garantia do contraditório e da ampla defesa”, informou, em nota. Leia a íntegra do comunicado mais abaixo.
À vereadora, a reportagem solicitou uma entrevista. O posicionamento, no entanto, veio por escrito. “Recebo esses questionamentos, não com surpresa, uma vez que não é de agora que venho sofrendo ataques e violência política, numa tentativa de desqualificação da minha atuação como política e da importância da mandata conduzida por mim”.
Assumi o mandato no início do ano de 2023. Como é de conhecimento, este foi marcado inicialmente por uma ruptura interna. Mesmo assim, optei por manter a equipe, inclusive os membros que não foram indicados por mim, entendendo a importância daquela composição. O grupo tinha sido escolhido por ser formado por pessoas negras, vindas da periferia, igual a mim. Muitas (os) com a oportunidade para o primeiro emprego.
Porém, com o passar dos meses, num processo natural de avaliação, optei pela exoneração de algumas pessoas, motivadas por posturas não condizentes com o propósito da mandata e o compromisso político e profissional que a Câmara Municipal do Recife demandava.
Essas exonerações provocaram uma série de ataques pessoais, vindas das pessoas exoneradas que me obrigaram a tomar medidas judiciais. Contudo, tudo foi mantido em sigilo porque o meu foco era dar continuidade ao trabalho legislativo e ao fortalecimento da população do Recife. Nesse período, intensificamos um conjunto de ações legislativas com o propósito de melhorar a vida dessas pessoas, principalmente a população LGBTQIAPN+, as famílias atípicas, a cultura popular e povos de terreiro.
Recebo esses questionamentos, não com surpresa, uma vez que não é de agora que venho sofrendo ataques e violência política, numa tentativa de desqualificação da minha atuação como política e da importância da Mandata conduzida por mim. Essa prática não só visa atingir a mim, mas a todo o conjunto das(os) profissionais, majoritariamente negras e negros que permaneceram no gabinete.
Há que se questionar a quem beneficiará essas supostas denúncias? Reiteramos nosso compromisso com a verdade, a boa política e honestidade que permeiam o exercício de pleito popular de dar assento a uma mulher negra, periférica e que luta pelos Direitos Humanos.
As “medidas judiciais” a que Elaine se refere é um processo que está em curso movido por ela contra dois ex-assessores por calúnia e difamação. Ele é público, de número 0006557-53.2024.8.17.8201. Após o envio da nota, a reportagem perguntou à vereadora – pelo WhatsApp – se ela reconhecia como sendo dela os áudios agora publicados. Não obteve resposta.
Procurada pela MZ, a Câmara limitou-se a responder que, “até o presente momento, não foi cientificada de qualquer denúncia envolvendo o gabinete da vereadora Elaine Cristina (PSOL)”. A Casa é presidida pelo vereador Romerinho Jatobá (PSB). Já a Polícia Civil não comenta investigações em curso.
Diante das denúncias envolvendo a parlamentar Elaine Cristina, o Partido Socialismo e Liberdade em Pernambuco informa que irá protocolar as informações no Comitê de Ética do partido, a fim de apurar as denúncias, com garantia do contraditório e da ampla defesa. O PSOL é conhecido por sua rigidez ética e assim continuará sendo.
O partido reforça seu compromisso histórico com a ética, a transparência e o respeito ao Erário Público. Nunca compactuamos com as práticas corruptas que permeiam a política brasileira. Não aceitaremos qualquer tipo de desvio de conduta.
Negritamos que nosso compromisso é com a construção de uma política transparente, responsável e, sobretudo, que esteja ao lado dos setores oprimidos da sociedade. Tomaremos todas as medidas necessárias para garantir que qualquer suspeita seja investigada de maneira justa e rigorosa.
Elaine Cristina concorreu à reeleição e não conseguiu renovar o mandato. Obteve 957 votos. Um terço da votação que conquistou há quatro anos, quando disputou eleição por uma chapa coletiva, as Pretas Juntas. À época, foram 2.965 votos que garantiram a primeira suplência, atrás dos eleitos Dani Portela e Ivan Moraes.
Depois, com a ida de Dani para a Assembleia Legislativa, ela assumiu o mandato em janeiro do ano passado, ainda se apresentando como Pretas Juntas. O projeto foi marcado por sucessivos rachas internos e acusações de traição por meio das redes sociais.
No Diário Oficial de 15 de outubro, há uma resolução da Casa com a exoneração de sete servidores do gabinete da vereadora, após a sua não reeleição. A publicação tem efeitos financeiros retroativos a partir de 1º daquele mês. Na mesma edição do DO, outro ato nomeia novos assessores para as vagas.
A reportagem foi ao gabinete da Câmara de número 24 na quinta-feira (31). Encontrou a porta fechada no cadeado e notou que não há mais o nome de Elaine Cristina fixado na placa de identificação, embora o mandato só termine no final do ano.
Dos R$ 211,5 mil que recebeu de fundo de financiamento de campanha do partido (R$ 210 mil da direção nacional e o restante da municipal), Elaine Cristina informou à Justiça Eleitoral ter gasto R$ 150,8 mil. Desse montante, há extratos bancários de despesas efetuadas disponíveis no DivulgaCand de apenas R$ 12 mil, até a publicação dessa reportagem.
Com 19 anos de atuação profissional, tem especial interesse na política e em narrativas de defesa e promoção dos direitos humanos e segurança cidadã.