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O homem que estoura o cartão da esposa por causa de um boneco gigante

Giovanna Carneiro / 21/02/2025
A imagem mostra um homem idoso negro, com barba, bigode e cabelo brancos, ao lado de um boneco gigante do carnaval de Olinda em um ambiente coberto, possivelmente uma garagem ou galpão. Ele está segurando com a mão direita um grande troféu dourado com uma placa que diz Campeão Geral 2023. O troféu tem um enfeite no topo com a inscrição Carnaval de Rua. Com a mão esquerda, ele segura uma placa com várias figuras coloridas. Ele está vestindo uma camiseta colorida com uma imagem de uma pessoa.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

“Tá no couro, tem como fugir disso não”. É assim que o olindense Josemar Chaiarelli, conhecido como Kakay, explica seu vínculo com o carnaval, mais precisamente com o Clube de Bonecos Menino da Gráfica, um dos campeões das divisões de acesso no desfile de agremiações do Recife em 2024.

Para sair às ladeiras de Olinda e fazer parte da programação oficial do carnaval do Recife, o boneco exige muito empenho e consome as economias da família. Kakay explica que trabalha o ano inteiro para colocar o Menino na rua, mas não conseguiria se não contasse com o apoio dos parentes e amigos. “As pessoas pensam que a gente lucra, mas, na verdade, a gente geralmente até se endivida para colocar o bloco na rua, eu mesmo já estourei o limite de vários cartões da minha esposa, mas a gente faz isso com o maior gosto”, conta o carnavalesco.

O compromisso com o boneco é tão intenso que, ao falar da história da agremiação, seus olhos marejam, mas o sorriso não sai do rosto. É com orgulho que Kakay fala sobre a formação e a trajetória de seu bloco de carnaval, que, em 2025, completa 38 anos de existência.

O Menino da Gráfica surgiu em fevereiro de 1987 quando o irmão mais novo de Kakay improvisou um boneco usando cabos de vassoura e o provocou a colocar um bloco na rua. O nome da agremiação também é uma herança da família, dona de uma gráfica há décadas, como conta seu Kakay: “meu bisavô, meu avô, meu pai, eu e agora meu filho também, todos eram ou são gráficos”.

A ideia inicial era que o bloco nascesse no dia 7 de fevereiro, data em que comemora-se o Dia Nacional do Profissional Gráfico, mas devido a dificuldades logísticas só foi possível fazer o desfile no dia 23. Mas representar e homenagear os profissionais da área segue sendo a razão de ser da agremiação.

O bloco nasceu no improviso, mas foi ganhando força e o boneco, antes feito com cabos de vassoura, ganhou uma primeira versão feita por um amigo de Kakay. Alguns anos depois, por insistência do carnavalesco, a família investiu e o Menino da Gráfica ganhou uma versão caprichada feita pelo renomado artista plástico Silvio Botelho.

A figura do boneco é uma representação jovem de Kakay, que conta como ela foi idealizada: “Silvio disse para mim ‘eu não posso fazer um boneco velho porque o nome do bloco é Menino da Gráfica, então o boneco tem que ser jovem’. Aí ele pediu uma foto minha mais novo, e eu entreguei uma foto de quando eu tinha 19 anos. Daí nasceu a escultura”.

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Neste ano, o bloco presta homenagem a Dodô Madeira, percussionista e músico olindense falecido em 2024. Kakay era amigo próximo de Dodô e se emociona ao lembrar do convívio com o músico: “ele merece ser homenageado porque ele era gente da gente e faz muita falta”. Dodô também é um dos homenageados pela Prefeitura de Olinda no Carnaval deste ano.

“Não tem satisfação maior do que ver as pessoas felizes”

A falta de apoio financeiro dos órgãos públicos e de patrocinadores nunca impediu que Kakay e sua família desfilassem com o Menino da Gráfica. O carnavalesco conta que o ajuda que recebe da Prefeitura de Olinda é a disponibilização de uma orquestra para acompanhar o desfile do bloco, que acontece no domingo de Carnaval, com saída na Igreja de Guadalupe.

“Aqui em Olinda a prefeitura nos dá duas opções: receber uma orquestra ou três mil reais. Mas a prestação de contas desse dinheiro é tão burocrática, muitas vezes o dinheiro demora tanto a sair, que eu prefiro receber a orquestra”, diz Kakay.

Anos atrás, a agremiação chegou a promover uma festa privada, com direito a open bar e open food, e com isso arrecadar recursos para a agremiação. Mas conta que mesmo assim era difícil obter lucro. “Eu gosto mesmo é de fartura, de ver o povo comendo e bebendo do melhor, aproveitando mesmo a festa porque Carnaval é só uma vez por ano. Para mim não tem satisfação maior do que ver as pessoas felizes, elogiando a festa e pedindo mais, não tem preço que pague a sensação. Por isso, o que eu ganhava com a vinda dos abadás da festa era quase tudo para gastar na organização do evento”, conta Kakay saudoso.

A festa não acontece mais porque ficou difícil para o gráfico conciliar a organização do evento com outras demandas pessoais e profissionais. Com isso, hoje o Clube de Bonecos depende da fidelidade dos amigos, familiares e foliões que, apaixonados pelo Menino da Gráfica, seguem participando do bloco. Há quem ajude fazendo contato pelo Instagram do bloco.

É brincadeira, mas é organizada

Além do desfile do bloco em Olinda, o Menino da Gráfica participa do concurso de agremiações do Recife. A apresentação acontece na manhã de terça-feira de Carnaval, na avenida do Forte, zona oeste da capital. No ano passado, pela primeira vez, o clube de bonecos olindense foi campeão do Grupo 2.

De acordo com as regras do concurso, o clube de bonecos deve apresentar um enredo e desfilar por 25 minutos. A agremiação é composta por alas de passistas que devem vestir abadás e fantasias. A condução do boneco também é uma característica importante na avaliação do concurso e o responsável por carregar o Menino da Gráfica não e qualquer um: a tarefa cabe ao sobrinho de Kakay, conhecido por “Nelsinho Delícia”, que também é um dos carregadores do calunga do Homem da Meia-Noite.

Caso consiga ser campeão novamente, o Menino da Gráfica passará a ocupar o Grupo Especial. “Esse é o nosso maior desejo e eu estou muito esperançoso, porque chegar ao grupo especial é sinônimo de maior visibilidade, maior credibilidade, é uma oportunidade de conseguir mais parcerias e mais patrocinadores para continuar com nossas atividades”, revela Kakay.

Foto de Kakay ao lado do boneco gigante Menino da Gráfica. Ele é um negro idoso, com cabelhos grisalhos, cavanhaque e bigode brancos, vestindo uma camisa colorida com a foto de uma mulher negra sobre a qual se lê em letras vermelhas Zenaide Bezerra - para eternizar. As mãos do homem, pousadas sobre o ombro do boneco, têm anéis prateados em todos os dedos. A foto foi feita durante o dia em um ambiente fechado cobertos com telhas de amianto, parecendo uma garagem ou galpão.

O boneco é uma representação de Kakay quando jovem

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Os campeões do Grupo Especial também recebem uma premiação maior, no valor de R$ 25 mil. Com isso, mirando a conquista, os integrantes do clube de bonecos estão dando mais atenção aos ensaios, coisa que acontecia com pouca ou nenhuma frequência. Afinal, como reforça o presidente do Menino da Gráfica: “todo mundo sabe que Carnaval é uma brincadeira, mas poucos sabem que para muitos ele é sinônimo de responsabilidade”.

Além da chegada ao grupo especial no concurso de agremiações, o gráfico que tem o Carnaval como propósito na vida, possui outro grande desejo: conseguir que alguém componha um frevo em homenagem ao Menino da Gráfica.

“Eu estou sempre correndo atrás disso, umas três pessoas já me prometeram, mas até agora nunca entregaram”, conta Kakay. Enquanto o desejo não se realiza, o carnavalesco segue festejando cada ano em que seu boneco ganha as ruas e avenidas e se contenta em garantir que outras pessoas compartilhem dessa alegria.

“Eu quero mesmo é ganhar o concurso para festejar. Se a gente ganhar esse ano e subir pro grupo especial eu vou fazer uma grande festa com comida e bebida à vontade para o povo. A gente sempre consegue se organizar e fazer o desfile do ano seguinte porque temos o povo com a gente e cada vez mais pessoas chegam para somar com o Menino da Gráfica. Isso precisa ser comemorado”, concluiu Kakay.

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No ano em que foi campeão, o Menino da Gráfica homenageou Zenaide Bezerra, a passista mais antiga em atividade no Brasil, eleita Patrimônio Vivo da Cultura do Recife. Para este ano, a  agremiação prepara um enredo em homenagem à pesquisadora da Cultura Popular e referência no estudo sobre o Frevo Patrimônio, Carmem Lélis.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.