Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
“Só de falar já me dá vontade de chorar, eu fico toda arrepiada, imagina no dia do desfile mesmo, é a realização de um sonho”. A professora Elenita Costa se emociona ao falar sobre a expectativa pelo dia 2 de março de 2025. Nessa data, ela e outros 69 pernambucanos participarão do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro.
Com o enredo “Malunguinho: o mensageiro de três mundos, a atual campeã do grupo especial das escolas de samba do Rio de Janeiro, Unidos da Viradouro, escolheu homenagear o pernambucano João Batista, lendário líder do Quilombo Catucá, eternizado como entidade sagrada nos terreiros de jurema de Pernambuco como Malunguinho.,
Como forma de reverenciar os guardiões vivos da história do líder sagrado e reconhecendo os juremeiros como “bibliotecas vivas” desse legado e dessa tradição secular, a Viradouro terá uma ala dedicada aos pernambucanos. O grupo composto por juremeiros, artistas, professores e carnavalescos de Pernambuco que cultuam e desenvolvem pesquisas sobre Malunguinho irão desfilar na última ala da escola de samba.
Para isso, os pernambucanos realizaram alguns ensaios. O último deles aconteceu na noite do dia 20 de fevereiro no Mercado Eufrásio Barbosa, em Olinda, e a reportagem da Marco Zero esteve presente para testemunhar os preparativos até a Sapucaí.
“Essa é a reta final de um processo que durou um ano. Ter a história de Malunguinho no desfile das escolas de samba é de uma reparação histórica imensurável. Durante muito tempo essa história foi silenciada, pouco conhecida até pelos próprios pernambucanos, e os juremeiros sofrem com intolerância até hoje. E agora o Brasil e o mundo vão poder ver a beleza e a força que Malunguinho tem”, conta o realizador cultural e historiador, João Monteiro.
Nem todos que irão ao desfile na Sapucaí participaram do ensaio final, mas aqueles que estiveram presentes cantaram com vigor o samba enredo da escola enquanto seguiam atentamente as instruções de João Monteiro sobre como manter as a harmonia enquanto desfilam.
Elenita Costa
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroHomens e mulheres de diferentes idades entoando em um só ritmo e com muita emoção a canção em homenagem ao líder sagrado pernambucano: “Kaô, consagrado / Reis Malunguinho, encarnado / Pernambucano mensageiro bravio / O rei da mata que mata quem mata o Brasil”. Um samba enredo envolvente, daqueles que gruda nas mentes com facilidade.
De acordo com Monteiro, os ensaios tiveram início em dezembro do ano passado e alguns representantes da Viradouro vieram até Pernambuco para ensinar a logística do desfile aos integrantes da ala: “a nossa ala não tem coreografia, mas precisa ter uma harmonia entre o canto e os movimentos”.
Tradicionalmente, os participantes do desfile da Viradouro não pagam por suas fantasias, mas em compensação elas precisam ser devolvidas à escola. No entanto, de forma inédita, os pernambucanos poderão ficar com suas fantasias. Para muitos, essa é uma oportunidade de saudar e fortalecer o sagrado. Outros pretendem utilizar a fantasia para contar a história de Malunguinho em escolas e eventos de educação.
De acordo com a Empetur, a logística da viagem dos pernambucanos para a Sapucaí, no Rio de Janeiro, foi planejada desde agosto de 2024, com a disponibilização de um ônibus cedido pela Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Todos os participantes já têm hospedagem garantida, organizada conforme os diferentes grupos.
Muitos preferiram se organizar de forma independente para ir até o Rio de Janeiro e compraram passagens aéreas antecipadamente, já que o deslocamento de ônibus leva em média 34 horas. A viagem de ônibus está programada para a terça-feira, 25 de fevereiro, com chegada ao Rio de Janeiro no dia seguinte, garantindo tempo para os últimos preparativos antes do desfile no domingo.
Para contar a história do líder do Quilombo Catucá, nada mais justo do que ouvir e aprender com aqueles que têm Malunguinho como líder de suas vidas até hoje: os juremeiros e juremeiras de Pernambuco. Foi isso que fez o carnavalesco e diretor criativo da Viradouro, Tarcísio Zanon.
Em março de 2024, Zanon entrou em contato com o historiador, João Monteiro, pela primeira vez. Ex-funcionário do Arquivo Público do Estado de Pernambuco, Monteiro é um dos responsáveis por criar o grupo de estudos “Malunguinho Histórico e Divino” e é uma verdadeira enciclopédia viva sobre a entidade sagrada.
“A gente iniciou uma mobilização em torno da figura de Malunguinho a partir de todo acervo documental do estado e com o grupo de estudos nós conseguimos reunir e atrair o povo de terreiro, que pouco frequentava o arquivo público, e também os pesquisadores que se interessaram em conhecer e produzir trabalhos sobre Malunguinho”, contou o historiador.
O grupo de estudos cresceu e se transformou no Quilombo Cultural Malunguinho, uma instituição de pesquisa focada no quilombo pernambucano e suas ramificações. Desde 2006 a instituição promove o Kipupa Malunguinho, um encontro que acontece no mês de setembro no município de Abreu e Lima, na área do antigo Engenho Pitanga, local onde estava localizado o quilombo do Catucá.
“O Quilombo Catucá, liderado por Malunguinho, começa no bairro de Linha do Tiro, Dois Unidos [Zona Norte do Recife], e segue por Sapucaia, Paulista, Paratibe, Abreu e Lima, até Goiana, seguindo o contorno das matas de toda Zona da Mata Norte de Pernambuco. Inclusive, a APA [Área de Proteção Ambiental] Aldeia-Beberibe é uma área do Quilombo Catucá”, explica João Monteiro.
“A ala dos pernambucanos representa o Kipupa, que é o auge da congregação de todos os juremeiros, que são quem mantém a memória de Malunguinho viva nos espaços sagrados do Catimbó. O Catimbó da Jurema tem elementos tanto indígenas quanto africanos, como também da magia européia, portuguesa, que vem das feitiçarias e bruxarias, todas as magias, elas se congregaram dentro desse Catimbó que está vivo”, conclui Monteiro.
Mãe Leonilde
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroMãe Leonilde
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroA partir do diálogo com pesquisadores e juremeiros, a Unidos da Viradouro se articulou com o Governo de Pernambuco em abril de 2024. A parceria foi estabelecida por meio da Empetur e do termo de fomento “Raízes da Jurema – Malunguinho: O Mensageiro de 3 Mundos”. A cooperação na área de pesquisa envolveu a sociedade civil organizada, com representantes de povos e comunidades tradicionais que fazem parte das pesquisas e articulações, em colaboração com o professor João Monteiro, além dos pesquisadores Tarcísio Zanon e João Gustavo.
Como contrapartida após o desfile, há negociações em andamento com o Governo de Pernambuco para o aprofundamento das pesquisas e a implementação de ações afirmativas e de legado nas áreas de cultura, educação, turismo e meio ambiente. Com essa parceria, a Viradouro pretende levar o nome de Malunguinho para as escolas dos mais de 29 municípios por onde passou o Quilombo do Catucá, além de lançar a comissão de celebração dos 190 anos do martírio de Malunguinho.
“O Carnaval do Rio de Janeiro é um evento cultural de grande projeção internacional. Ao homenagear a história afro-indígena de Malunguinho, a Viradouro valoriza as tradições afro de Pernambuco, atraindo a atenção de turistas nacionais e internacionais, incentivando-os a visitar o estado e a conhecer mais a fundo nossa cultura. Várias manifestações culturais, como o cavalo marinho e os maracatus, decorrem da origem afro-indígena abordada pelo enredo, havendo programação de serem exaltados também na Marquês de Sapucaí. Do ponto de vista cultural e turístico, o intercâmbio cultural entre os carnavais de Pernambuco e do Rio de Janeiro também será ratificado, permitindo a difusão dessa história e da nossa cultura”, declarou a Empetur.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.