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por Eugênia Lima*
O carnaval de Olinda chegou ao fim e, confesso, foi uma experiência que me deixou com sentimentos contraditórios. Amo o carnaval, amo a energia contagiante das pessoas que brincam ao meu lado, a riqueza cultural e a alegria que só essa festa e esse povo são capazes de proporcionar. No entanto, a desorganização que presenciei este ano me fez questionar se estamos cuidando devidamente dessa manifestação popular tão importante. O que deveria ser a celebração máxima da nossa cultura, infelizmente, foi marcado por cenas de desordem e descaso, que não podem ser ignoradas.
Esses desafios, no entanto, não diminuem meu amor pela festa, mas reforçam a necessidade de uma reflexão séria e coletiva para que possamos preservar e melhorar o carnaval que tanto amamos.
A não efetivação da Comissão Permanente do Carnaval, prevista por lei, e o desenrolar das prévias já eram indícios claros da desordem que se instalaria. Olinda, cidade histórica e patrimônio cultural da humanidade, mostrou-se incapaz de oferecer um planejamento adequado. O resultado foi um cenário complicado, no qual as leis que deveriam reger o evento foram ignoradas ou desrespeitadas, evidenciando a falta de compromisso com o interesse público.
Faz tempo que se debate a necessidade de organizar os trabalhadores ambulantes, que, em condições subumanas, tentam garantir o sustento durante a festa. Barracas improvisadas, pessoas dormindo sob estruturas precárias, carrinhos de mão no meio dos blocos e uma falta de padronização foram apenas alguns dos problemas. Muitos trabalhadores pagaram uma taxa de uso do solo, que, em tese, deveria garantir estrutura mínima e dignidade. Enquanto alguns cumpriam as regras, outros burlavam os bloqueios com facilidade, sem qualquer fiscalização eficiente. Essa falta de organização não só prejudica os trabalhadores, mas também afeta a experiência dos foliões.
O caos no trânsito foi outro capítulo preocupante. Em pleno desfile dos blocos, carros, caminhões e motos transitavam livremente pelas ladeiras, sem qualquer controle. As barreiras de trânsito, que deveriam garantir a segurança e a fluidez do evento, mostraram-se ineficazes ou ausentes. Além disso, a proliferação de casas de camarote, que se apropriam indevidamente do espaço público, transformando áreas que deveriam ser de todos em enclaves privados, descaracteriza a festa como um bem comum. A arquitetura da cidade, com ruas estreitas e ainda ocupadas por alguns carros e comerciantes desordenados nas calçadas, agrava o problema, dificultando a circulação e comprometendo a segurança dos foliões. Especialmente nos grandes desfiles de agremiações que utilizam paredões de som e cordões de isolamento.
A decoração das ruas, ou melhor, a ausência dela, foi outro ponto que chamou a atenção. Em uma cidade conhecida por sua beleza e tradição cultural, era desolador ver ruas completamente desprovidas de qualquer referência ao carnaval ou ao bonito tema deste ano, assinado pelo artista Raoni Assis. As poucas ruas decoradas exibiam rafias que mais escondiam do que embelezavam, deixando a cidade ainda mais sombria. As ruas e becos estavam mal iluminados e sujos, pois não foram lavados como de costume. Outro ponto crítico foi a estrutura dos banheiros, que se mostrou insuficiente para atender à demanda do público. Pergunto-me onde estava o esplendor que deveria caracterizar o carnaval de Olinda.
A violência, que já demonstrou sua gravidade desde as prévias, também foi alarmante. No principal palco da cidade, sete pessoas foram baleadas, um episódio gravíssimo que mancha a imagem do nosso carnaval. Esse tipo de ocorrência não pode ser tratado como algo normal ou aceitável.
A prefeitura apresentou um balanço com números expressivos, tanto de público quanto de movimentação financeira. No entanto, o relatório divulgado tem lacunas na apresentação de dados, especialmente na avaliação de segurança, mobilidade e eficiência do uso de recursos públicos. O carnaval de Olinda não pode ser tratado pela gestão municipal como um festival qualquer. É nosso patrimônio cultural, um símbolo da identidade de um povo, e, como tal, deve ser tratado com o respeito e a seriedade que merece. Isso implica planejamento prévio, fiscalização, transparência, descentralização e, acima de tudo, respeito à cultura e à tradição.
É preciso garantir que os recursos arrecadados sejam usados de forma correta, que as leis sejam cumpridas e que a festa seja organizada de maneira a beneficiar todas e todos. Afinal, o cumprimento da lei não é discricionário e não pode ser regido por conveniência. Mas, infelizmente, foi isso que vimos. Que sirva de alerta. Um alerta para que possamos refletir sobre a importância do interesse público e sobre a necessidade de colocá-lo no centro de todas as decisões. Esse princípio, fundamental para o funcionamento de qualquer sociedade democrática, estabelece que o bem-estar coletivo deve sempre prevalecer sobre os interesses individuais ou de grupos específicos.
Fica agora o compromisso de pressionar politicamente para que os pagamentos dos cachês sejam feitos com a maior celeridade possível. Os artistas e trabalhadores que dedicam seu talento e esforço ao carnaval merecem respeito e agilidade na remuneração pelo seu trabalho. Além disso, é essencial que a Comissão Permanente do Carnaval seja efetivada com antecedência e funcione de fato, garantindo um planejamento contínuo ao longo do ano. E que os erros cometidos em 2025 não se repitam no próximo ano. Outro ponto crucial é uma maior descentralização da festa, levando o carnaval para outros bairros além do Sítio Histórico, de modo a democratizar o acesso e aliviar a pressão sobre as áreas centrais.
Enquanto parlamentar municipal, nosso mandato realizou uma série de escutas com agremiações, trabalhadores, foliões e moradores, que culminou em uma audiência pública no dia 19 de fevereiro. Acredito que é preciso pensar o Carnaval de Olinda ouvindo todos aqueles que participam e são afetados por ele. Só assim poderemos garantir que o nosso carnaval, e tantas outras manifestações culturais, continuem a existir não apenas como festas, mas como expressões legítimas da nossa identidade e da nossa cultura. O interesse público não pode ser negociável; ele deve ser a base de tudo.
*Vereadora de Olinda, advogada e mestra em desenvolvimento urbano.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.