Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
O Festival Diamba, que aconteceu em João Pessoa, na Paraíba, reuniu especialistas de diversas áreas para falar sobre cannabis. O objetivo era ampliar o debate em torno da planta da maconha reunindo música, ciência, cultura e saberes populares nordestinos. A programação incluiu a discussão sobre os impactos na saúde das mulheres.
Para a médica integrativa e especialista em cannabis, Milena Tavares, o papel de cuidadora desempenhado por mulheres impõe uma carga emocional e física silenciosa. “Pessoas que ocupam lugares maternos também têm esses adoecimentos de forma bem parecida”, explica ela, referindo-se à ansiedade, depressão, fibromialgia e esgotamento extremo. São mulheres que cuidam dos filhos, dos pais, de companheiros, e muitas vezes esquecem de si mesmas, adoecendo como reflexo de uma sobrecarga invisível e não valorizada.
De acordo com a especialista, esse trabalho de cuidadora, apesar de ser essencial para a manutenção da vida, é desvalorizado socialmente e raramente reconhecido como causa legítima de sofrimento. Quando somado à falta de tempo para o autocuidado, ao ritmo de vida acelerado e à ausência de políticas públicas voltadas para a saúde integral das mulheres, forma o cenário que gera adoecimentos que vão muito além do físico.
Nesse cenário, segundo ela, a cannabis surge como uma alternativa terapêutica potente, sendo capaz de atuar no sistema endocanabinoide, que regula a homeostase e o estado de equilíbrio do corpo. A homeostase é a capacidade do organismo se manter com as condições internas necessárias para assegurar um corpo estável. “Esse equilíbrio pode acontecer em diversas camadas: bioquímico, com neurotransmissores, com o equilíbrio dessas substâncias. Mas também pode ser um equilíbrio emocional, um equilíbrio energético, porque a planta também tem esse lugar enquanto vida. E aí o cuidado de quase todos os adoecimentos podem ser potencializados pela cannabis”, afirma.
Milena Tavares participou do Festival Diamba, em João Pessoa (PB)
Crédito: @mateusbs._ (instagram)No entanto, a médica faz um alerta sobre o discurso do uso da planta como milagroso, quando, na verdade, ela tem o caráter de atuar como uma potencializadora de tratamentos. “Ela tem potencial para otimizar o processo de cura, mas é preciso olhar para o que causou aquele adoecimento. Às vezes, ela será protagonista; outras vezes, coadjuvante”, aponta.
Ela também reforça a importância de considerar o tratamento com a cannabis como um ato político e espiritual. “É uma medicina que nos reconecta com a natureza. E uma mulher autônoma, que respeita seus ciclos e sabe viver do que planta oferece, é assustadora para esse sistema”, conclui.
Para Millena, isso não é pouco em um contexto em que a medicina ainda enxerga o corpo feminino sob a ótica patriarcal. “A medicina tradicional do Ocidente é completamente desconfortante para a mulher em vários aspectos. A forma como se faz o exame ginecológico, como se coloca a mulher para parir, como se toca nesse corpo… Tudo isso é colonizador”, afirma. Milena também critica a maneira como a saúde da mulher costuma ser reduzida à função reprodutiva.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres têm o dobro de chances de desenvolver depressão e ansiedade em comparação aos homens. No Brasil, sete em cada dez diagnósticos de ansiedade e depressão eram de mulheres, segundo uma pesquisa realizada pela organização não-governamental de inovação social Think Olga. Elas também são as mais acometidas pela fibromialgia, de acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), de dez pessoas com a doença, entre sete e nove são mulheres. Esses casos acontecem além das patologias que podem acometer esses e outros corpos com útero, como o câncer de mama, de colo do útero e a endometriose, entre outras dores crônicas.
Quando se fala em acesso à cannabis medicinal através da rede pública de saúde, Pernambuco e Paraíba já contam com leis que, em tese, ofereceriam o medicamento de forma gratuita. A lei estadual nº 11.972 de 2 de junho de 2021, na Paraíba, de autoria da deputada Estela Bezerra (PT), estabelece uma política de prevenção e promoção da saúde, focando no acesso à cannabis medicinal, apoio institucional a pacientes e associações, e na promoção de pesquisas científicas com a Cannabis sativa. Mas é na capital, João Pessoa, que existe a Lei no 2.005/2024, que institui o fornecimento dos medicamentos à base de cannabis, desde que possuam prescrição médica junto a um laudo com as explicações para o tratamento.
Já em Pernambuco, tanto o legislativo estadual quanto o municipal aprovaram leis para o fornecimento dos medicamentos. Em dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) aprovou a Lei 18.757, que institui a política estadual de fornecimento de medicamentos e produtos derivados de cannabis para tratamento medicinal. A lei tem o objetivo de assegurar pleno acesso à saúde aos pacientes que necessitem desses tratamentos, especialmente aqueles com condições como epilepsia, autismo severo e dores crônicas.
Apesar da aprovação, a implementação prática da política ainda enfrenta desafios. A Secretaria Estadual de Saúde informou que o medicamento à base de canabidiol, no momento, não faz parte da lista de fármacos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas que está acompanhando os trâmites relacionados aos projetos de lei que instituem a política estadual de fornecimento desses medicamentos. Para avançar, é necessário que a governadora Raquel Lyra (PSD) sancione e regulamente a nova lei.
Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.