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Após ficar paralisado durante o Governo Raquel Lyra (PSD) por exatos dois anos, três meses e 22 dias, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Pernambuco foi reativado, porém não houve seleção pública para preencher seus cargos. A Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Prevenção a Violência nomeou, na semana passada, por indicação política, seis peritos em cargos de comissão sem passar por edital.
A lei estabelece que o órgão deve ser autônomo e independente. Ele é responsável por fiscalizar unidades de privação de liberdade, como os sistemas penitenciário e socioeducativo.
O decreto (54.393/2023) da governadora que exonerou servidores em cargos comissionados e suspendeu gratificações assim que ela assumiu, em janeiro de 2023, deixou o mecanismo sem atuação por falta de peritos.
Pernambuco foi um dos primeiros estados do Brasil a contar com o Mecanismo e essa foi a primeira vez que o mecanismo teve suas atividades interrompidas desde a sua criação, há mais de 10 anos.
Desde a paralisação, integrantes do Mecanismo Nacional, do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, além de movimentos e organizações sociais, vinham pressionando o governo por uma seleção e denunciando o iminente aparelhamento do órgão com a insistência da gestão em escolher os novos nomes. Segundo as críticas, a decisão compromete a independência política e institucional do mecanismo, cujo último concurso aconteceu em 2014.
A resolução do problema se arrastou até agora, em meio a graves denúncias de violações de direitos humanos e de superlotação em unidades prisionais pernambucanas. Em 2014, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Estado brasileiro adotasse medidas efetivas para garantir a vida e a integridade de pessoas privadas de liberdade no Complexo Prisional do Curado, antigo Anibal Bruno.
Onze anos depois, no entanto, alguns problemas ainda persistem, com destaque para más condições estruturais, falta de assistência à saúde e falta de transparência sobre mortes.
A nomeação dos seis novos peritos aconteceu alguns dias após o caso chegar ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) em razão de uma Ação Civil Pública (ACP) conjunta do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e da Defensoria Pública de Pernambuco (DPPE).
A ACP pedia que houvesse um chamamento público para recomposição do mecanismo estadual, e não as nomeações diretas, como foi feito pelo governo Raquel. A Justiça agendou uma audiência de conciliação para o mês de julho.
Os seis novos peritos indicados politicamente são: Cleyson Rodrigues dos Santos, Cássia Regina Magalhães Guerra de Alcântara, Antônio Carlos Teixeira Da Silva, Michelly Farias Rocha, Jorge da Costa Pinto Neves e Maurício Bezerra Alves Filho.
Previsto em lei (Lei 14.863/2012), o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura exerce a defesa dos direitos humanos de pessoas privadas de liberdade por meio de visitas regulares a diferentes sistemas, como o prisional, o socioeducativo, as instituições de longa permanência para idosos, os abrigos, as delegacias, as comunidades terapêuticas e os hospitais psiquiátricos.
Os peritos também podem requisitar a instauração de procedimento criminal e administrativo caso se constatem indícios de prática de tortura ou de tratamento cruel, desumano e degradante.
Na prática, a falta de atividades do mecanismo significou que, por mais de dois anos, não foram realizadas inspeções por parte do órgão nesses espaços. Isso pode ter afetado a veiculação de possíveis denúncias de tortura e outras violações de direitos por parte, por exemplo, de agentes carcerários e socioeducativos.
Em nota, a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Prevenção à Violência de Pernambuco informou que “o Governo do Estado nomeou, nesta quinta-feira (24), seis novos peritos para compor o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. As nomeações foram realizadas com base na Lei nº 14.863, de 7 de dezembro de 2012”.
“Mecanismos de Prevenção à Tortura não são órgãos de governo, são órgãos de Estado”, critica Camila Antero, membro do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. “Devem ser escolhidos pelo Comitê Estadual, que tem representações do Estado e da sociedade civil, conforme foi feito na seleção de 2014”, complementa.
“O governo está se valendo de uma lei que eles sabem que é omissa e deficiente para criar um órgão aparelhado, que não cumpre ao fim a que se destina, porque não é formalmente independente”, avalia Camila. Na opinião dela, “o governo não obedeceu aos princípios básicos da administração pública e deixou de observar o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura da ONU (OPCAT, na sigla em inglês), que dá origem aos mecanismos”.
A lei omissa e deficiente a que Camila se refere é a lei estadual 14.863/2012, que cria o Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Pernambuco. A legislação não se encontra adequada aos parâmetros do OPCAT, sendo omissa com relação aos mandatos dos membros do mecanismo.
O Mecanismo Nacional oficiou o Ministério dos Direitos Humanos sobre o caso de Pernambuco, lembrando, entre diversos pontos, que “não é demais recuperar que, mesmo com a legislação deficiente, a primeira turma de membros do mecanismo estadual de Pernambuco foi selecionada pelo Comitê Estadual e através de edital de seleção pública, no ano de 2014, havendo, portanto, um precedente consolidado no estado com relação a essa matéria”.
O órgão nacional informou que “não reconhecerá mecanismos estaduais que não possuam garantias formais de independência em consonância com o OPCAT”.
O tema será pauta de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), ainda em maio, por iniciativa da comissão de Direitos Humanos e Cidadania, presidida pela deputada Dani Portela (PSOL).
A 8ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital realizou diversas audiências extrajudiciais, desde março de 2023, com a secretaria-executiva de Direitos Humanos, ligada, na época, à Secretaria Estadual de Justiça, Direitos Humanos e Prevenção à Violência. A pasta, segundo o relatado na Ação Civil Pública, se comprometia com a publicação, porém nunca a concretizou.
O MPPE chegou a expedir recomendação, o estado sinalizou que iria acatar, mas o edital nunca saiu.
Conforme a legislação, a escolha dos peritos deve ter a contribuição do Comitê Estadual de Combate e Prevenção à Tortura com sugestão de possíveis nomes integrantes ao governo do Estado. O comitê chegou a elaborar um edital, em 2024, porém ele esbarrou na Procuradoria Geral do Estado (PGE).
Na época, em parecer elaborado a pedido da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, a que a Marco Zero teve acesso, a PGE defendeu, entre outros pontos, que, mesmo mediante seleção, a governadora Raquel poderia ou não acatar as sugestões provenientes do processo seletivo, uma vez que a função de perito é um cargo comissionado.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com