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Os superlativos cegam o jornalismo. As imagens aéreas e o velho discurso do “maior bloco de carnaval do mundo” não dão – na verdade nunca deram – conta do que é o Galo da Madrugada. Porque intocável na sua aura de símbolo do carnaval popular de Pernambuco, o Galo que é só alegria e descontração (palavras vazias para um jornalismo vazio) é uma fantasia.
Toda vez que o jornalismo se mistura com entretenimento e negócio, ele compromete o nível de informação que oferece ao seu público. E como pega mal se misturar com negócio, a imprensa faz de conta que não existe um negócio por trás do Galo da Madrugada e, por fingir que não existe um negócio, ignora também todas as suas implicações.
Ignora que o Galo da Madrugada é um empreendimento privado que ocupa o espaço público – e até o terceiriza – para a exploração econômica. Não cobra das autoridades públicas e da iniciativa privada a transparência necessária para que os cidadãos possam julgar com o mínimo de discernimento se o modelo de negócio do Galo está de acordo com os interesses públicos.
O mais grave é a cegueira social.Um discurso ultrapassado que resvala no conceito de democracia racial onde o que se vê (para quem quer ver) é segregação.
Nas primeiras horas da manhã, até parece que a ideia de integração social faz algum sentido. Até que parte da classe média atravesse apressada – e de olhos arregalados – as ruas do centro em busca do refúgio gelado e seguro dos seus camarotes. E possa então, finalmente, usufruir do sonho que cultua no altar supremo de seus desejos: o open bar e o espaço climatizado.
Com o avançar do dia e dos trios elétricos, as ruas vão ganhando as cores e a diversidade da periferia que o olhar de quem vê de cima não alcança porque (na falta de empatia) só vê a massa compacta e disforme.
A “verticalização” do Galo traz para o centro do Recife a configuração em escala reduzida da divisão territorial e simbólica da cidade. E facilita a vida do aparelho repressor do Estado. Fica mais fácil bater, reprimir e prender quando os de cima estão em cima e os de baixo estão embaixo. Quando bater, reprimir e prender não têm consequência.
A divisão de classes entre a rua e o camarote, afinal de contas, serve a um propósito.
Propósito que a imprensa não vê, entretida que está com seu ufanismo, no maior de todos os camarotes: a tela da TV.
A câmera das emissoras, na panorâmica, parece mostrar tudo, mas silencia.
E, no jornalismo, o silêncio é a pior forma de mentira. (por Laércio Portela
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República