Aos seis anos, Emile Vitória Guimarães foi baleada na cabeça durante uma festa de aniversário, no último dia 20, na comunidade do Cajá, em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife (RMR). A morte cerebral foi confirmada no dia seguinte. Na mesma ocasião, uma menina de 5 anos também foi ferida. As duas se somam a outras 11 crianças atingidas por disparos de arma de fogo na RMR desde o início de 2025, totalizando 13 vítimas infantis — três mortas e 10 feridas, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. 

O número é o mais alto já registrado em um único ano na série histórica da organização, que monitora tiroteios no Grande Recife desde 2018. No mesmo período, os dados também apontam aumento de tiroteios motivados por disputas entre grupos armados — apesar da queda do número geral de tiroteios — e também um recorde de vítimas de balas perdidas na região. Enquanto no primeiro semestre de 2024 foi registrado um tiroteio sem vítimas em disputas entre grupos armados, no primeiro semestre de 2025 foram 18 tiroteios, com 16 mortos e 11 feridos.

Os dados do Fogo Cruzado revelam que Pernambuco lidera o ranking nacional de crianças baleadas entre as quatro regiões metropolitanas do país mapeadas pela organização — ultrapassando inclusive o Rio de Janeiro.

Crianças vítimas da violência armada este ano por região metropolitana:
● Belém: 0 criança baleada até o momento
● Salvador: 3 crianças baleadas – 1 morta e 2 feridas
● Rio: 10 crianças baleadas – 1 morta e 9 feridas
● Recife: 13 crianças baleadas – 3 mortas e 10 feridas

Das 13 vítimas registradas até o momento na RMR, três morreram e 10 ficaram feridas, muitas atingidas por balas perdidas durante operações policiais ou confrontos armados em áreas periféricas.

Número de crianças baleadas na RMR entre 01/01 e 21/07:
● 2019: 6 crianças baleadas – todas feridas
● 2020: 5 crianças baleadas – 1 morta e 4 feridas
● 2021: 5 crianças baleadas – 1 morta e 4 feridas
● 2022: 7 crianças baleadas – 3 mortas e 4 feridas
● 2023: 5 crianças baleadas – 2 mortas e 3 feridas
● 2024: 5 crianças baleadas – 2 mortas e 3 feridas
● 2025: 13 crianças baleadas – 3 mortas e 10 feridas

Os bairros e cidades com ocorrências incluem: Jaboatão dos Guararapes, Recife, Olinda, Itapissuma, Cabo de Santo Agostinho, Goiana e Paulista.

Segundo o Fogo Cruzado, os seis primeiros meses de 2025 registraram uma queda no número geral de tiroteios e vítimas. No entanto, alguns indicadores apresentaram aumentos significativos. Entre eles, destaca-se o número de ocorrências em que a “disputa” aparece como motivação, evidenciando o uso crescente da violência por grupos armados na tentativa de expandir seu controle territorial.

“O governo do estado pode celebrar a queda em algumas estatísticas, mas fica claro que indicadores isolados não são suficientes para dar conta de uma realidade tão complexa”, afirma Ana Maria Franca, coordenadora regional do instituto. Ela destaca que o plano estadual “Juntos Pela Segurança” reconhece crianças e adolescentes como público prioritário, mas ainda não implementou medidas concretas voltadas à proteção dessa faixa etária.

Tiroteios em disputas de facções explodem na RMR

Entre janeiro e junho deste ano, foram registrados 736 tiroteios ou disparos na RMR, com 849 pessoas baleadas — 631 mortas e 218 feridas, com 10 casos de feminicídio ou tentativa de feminicídio no período. Das baleadas, 457 eram pessoas negras (57% dos casos com cor/raça identificada).

Apesar de uma queda de 25% no total de ocorrências em relação ao mesmo período de 2024, os números mostram crescimento em categorias consideradas sensíveis, com destaque para as disputas entre grupos rivais.

Além do recorde de tiroteios nesse tipo de disputa (18), o primeiro semestre deste ano foi marcado pelo recorde de vítimas de balas perdidas em Pernambuco, com 39 pessoas atingidas, sendo 35 mortas. Os dados também são do Instituto Fogo Cruzado.

O Recife concentrou a maior parte das ocorrências no semestre: 270 tiroteios, com 231 mortes e 66 feridos. Em seguida aparecem Jaboatão dos Guararapes (106 tiroteios), Cabo de Santo Agostinho (82), Olinda (62) e Paulista (45).

Entre os bairros com maior número de tiroteios e vítimas estão:
● Dois Unidos (Recife) – 17 tiroteios, 5 mortos, 14 feridos
● Goiana – 17 tiroteios, 10 mortos, 12 feridos
● Iputinga (Recife) – 16 tiroteios, 3 mortos, 12 feridos
● Piedade (Jaboatão) – 13 tiroteios, 4 mortos, 11 feridos
● Brejo da Guabiraba (Recife) – 12 tiroteios, 1 morto, 13 feridos

Ao menos 113 pessoas foram baleadas dentro de suas residências. O número representa uma média de quatro vítimas por semana. Outras 22 foram atingidas dentro de veículos, 22 em bares e nove dentro de barbearias.

Dass 849 pessoas baleados mapeados no semestre:
● 457 eram pessoas negras (57% dos casos com cor/raça identificada)
● 605 eram homens cis ou trans
● 61 eram mulheres, das quais 14 foram baleadas dentro de casa
● 66 eram adolescentes (12 a 17 anos), sendo 46 mortos
● 16 eram idosos, com 13 mortes
● Entre trabalhadores informais, 16 entregadores e 9 motoristas de app foram baleados
● Houve ainda 10 casos de feminicídio ou tentativa de feminicídio no período

AUTOR

Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornais de bairro do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com