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Leilão da Compesa: Erros no edital podem custar até R$ 2,9 bilhões, alerta associação de funcionários

Maria Carolina Santos / 19/12/2025
Foto de um ato público em Recife contra a privatização da Compesa, com manifestantes reunidos em frente à Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE) no bairro da Boa Vista, área central da cidade.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Enquanto a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) era leiloada nesta quinta-feira (18) na Bolsa de Valores de São Paulo, um grupo de funcionários protestava em frente à Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Era mais um ato entre tantos que os funcionários fizeram desde que a governadora Raquel Lyra (PSD) assumiu o governo de Pernambuco já com o compromisso de passar boa parte da Compesa para a iniciativa privada. Como em vários outros protestos, não houve multidões.

A população pernambucana ficou amplamente alheia às reivindicações dos funcionários. Para o engenheiro da Compesa Renan Torres, integrante do Movimento Compesa Pública, isso aconteceu devido à má qualidade do serviço que chega diretamente aos usuários, o que torna difícil a comunicação entre a categoria e a sociedade. “O diálogo com a população é muito delicado porque a gente sabe que o serviço que chega para a população não é adequado. É rodízio de água, é falta de atendimento de esgoto, são vazamentos constantes. É a “Compesa da Globo” — aquela que aparece na televisão de forma negativa”, diz.

Mas isso, diz Torres, é um projeto. A falta de investimento na Compesa ao longo de décadas e gestões se somou a um discurso público negativo do atual governo em relação à Compesa. “A governadora Raquel Lyra tem se referido publicamente à Compesa como a “pior prestadora de serviço”. Isso é para isolar a categoria e convencer a sociedade de que a concessão é a única solução para os problemas de abastecimento. O cidadão comum, que sofre com a falta de água na torneira, tende a ver a privatização como uma alternativa viável. Atualmente a diretoria da Compesa vive em função dessa privatização, então todos os outros projetos de melhorias são colocados em segundo plano”, acredita.

No leilão em São Paulo, o Governo de Pernambuco conseguiu arrecadar R$ 4,2 bilhões em outorgas. Os grupos Consórcio Pernambuco Saneamento e a Pátria Investimentos, que apresentaram as propostas vencedoras, devem investir R$ 19 bilhões na distribuição de água e na coleta e tratamento de esgoto ao longo do período da concessão, que é de 35 anos. A Compesa continuará sendo responsável pela produção e tratamento de água – o que, segundo especialistas, é a parte mais difícil e cara do processo.

Para o leilão, o estado foi dividido em dois blocos. O “Região Metropolitana do Recife (RMR) – Pajeú” foi vencido pelo Consórcio Pernambuco Saneamento, formado pela Acciona e a BRK – empresa que atua em uma parceria Público-Privada na RMR há quase dez anos, com inúmeras reclamações. O pagamento desta outorga foi de R$ 3,5 bilhões. O bloco reúne 150 municípios e Fernando de Noronha e são esperados R$ 15,4 bilhões em investimentos. Já o segundo bloco, o “Sertão”, é formado por 24 municípios e com investimentos previstos de R$ 2,9 bilhões. O bloco foi para o grupo Pátria Investimentos por uma outorga de R$ 720 milhões.

O Governo de Pernambuco alega que com a capacidade de investimentos somente do Estado a universalização dos serviços de água só seria possível daqui a 65 anos – o Brasil tem como meta a universalização até 2033. A concessão para a iniciativa privada é vista como a única solução para a universalização no tempo previsto. Em vídeo recente nas redes sociais, Raquel Lyra afirmou que a concessão era uma “questão humanitária”.

Divisão do arrecadado entre estado e municípios

Bloco Região Metropolitana do Recife – Pajeú:
Foi arrematado por R$ 3,5 bilhões
A outorga mínima era de R$ 2,2 bilhões. Teve um ágio de 60%

Bloco Sertão
Foi arrematado por R$ 720 milhões
A outorga mínima era de R$ 87 milhões. Teve um ágio de 727%

Divisão da outorga mínima:

◦ 60% é destinado exclusivamente para uma conta de universalização de água e esgoto, além de ser usado para segurança hídrica e produção de água. O estado atua como gestor dessa conta, que pertence à microrregião, e presta contas sobre o uso dos recursos.

◦ Os 40% restantes são repassados aos municípios como cotitulares dos serviços. Essa parte deve ser alocada para investimentos, preferencialmente em água e esgoto, mas não é obrigatório que seja exclusivamente para saneamento. A distribuição desses 40% entre os municípios ocorre com 50% do valor igual para todos e 50% de acordo com o tamanho e peso do município nas microrregiões.

Divisão de um eventual ágio (valor acima da outorga mínima):

◦ 50% será destinado à Compesa como antecipação da indenização pelos investimentos feitos e ainda não amortizados, e pela entrega dos serviços de distribuição.

◦ 25% irá para a conta de universalização.

◦ 25% será direcionado aos municípios, seguindo a mesma regra de distribuição da outorga mínima.

Outros desembolsos do bloco MRAE-RMR/Pajeú:

Além da outorga mínima, a concessionária terá que desembolsar também mais de R$ 574 milhões para a reestruturação da Compesa, permitindo que a empresa continue suas atividades e cumpra suas obrigações.

As obras do Sistema Produtor de Carpina também vão receber R$ 320 milhões da concessionária.

Os funcionários da Compesa e o sindicato que os representa, dos urbanitários, tentaram de várias formas parar o leilão. A última delas foi com a Associação dos Empregados do Grupamento Superior da Compesa (ProCompesa) fazendo um pedido de medida cautelar ao Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE) para suspender o leilão. O pedido só deverá ser julgado no próximo ano, ainda em decisão monocrática do conselheiro Dirceu Rodolfo.

No pedido, os funcionários alegam discrepâncias do edital com a realidade do saneamento no estado. Um dos principais pontos é que em 66 municípios o atendimento de esgotamento sanitário está inflacionado. “O caso mais gritante é o de Serra Talhada. No edital, se diz que há 86% de tratamento de esgoto na cidade, mas não é verdade. O esgoto de lá é coletado, mas não é tratado: é índice 0”, diz Renan Torres.

A ProCompesa fez um levantamento de que esses erros de diagnóstico podem gerar um impacto financeiro estimado em até R$ 2,9 bilhões. Isso abriria margem para futuros pedidos de reequilíbrio financeiro por parte das empresas vencedoras do leilão. “Na prática, isso pode resultar no aumento das tarifas para o consumidor ou na responsabilização financeira do Estado, comprometendo recursos que deveriam ser destinados a áreas como saúde e educação”, diz Torres. Em resposta à reportagem da Folha de S. Paulo sobre o tema, o Governo de Pernambuco afirmou que o pedido é improcedente e será comprovado como tal no TCE-PE.

Foto de um ato público em Recife contra a privatização da Compesa, com manifestantes reunidos em frente à Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE) no bairro da Boa Vista, área central da cidade.

A empresa BRK, que faz parte do consórcio que levou 166 municípios, atua na RMR em uma PPP e já sofreu sanções do Governo

Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Promessa de não demitir funcionários segue sem formalização

A privatização da Compesa tem gerado um cenário de incerteza para os funcionários, que, por serem empregados públicos regidos pela CLT, não possuem a estabilidade dos servidores estatutários. Embora a gestão estadual tenha feito em várias ocasiões promessas verbais de que não haverá demissões, não existe qualquer formalização documental que garanta a permanência dos postos de trabalho após a concessão.

Recentemente, houve uma tentativa na Alepe de assegurar o reaproveitamento dos trabalhadores sem perdas salariais. O PL nº 2675/2025 foi apresentado conjuntamente por seis deputados de oposição ao governo Raquel Lyra. Levado ao plenário, foi derrotado. O PL também não tinha segurança jurídica. “Há um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que projetos de lei que tratam da estabilidade ou do regime de funcionários em casos de concessão devem partir obrigatoriamente do Poder Executivo, ou seja, da governadora. Como o projeto nasceu no Legislativo, ele corria o risco de ser declarado inconstitucional futuramente”, avalia Renan Torres.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org