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Por Kanya D’Almeida
Da Other News
NAÇÕES UNIDAS, junho 2015 (IPS) – Um informe da organização Human Rights Watch (HRW) concluiu que o Banco Mundial ignora sistematicamente as denúncias de abusos contra os direitos humanos vinculados aos projetos financiados pela instituição financeira multilateral com sede em Washington. Pelo menos no papel, tanto o Banco Mundial como sua sucursal de empréstimos ao setor privado, a Corporação Financeira Internacional (CFI), se comprometeram a consultar e proteger a população dos países afetados pelos projetos que financiam.
Porém, uma investigação realizada entre 2013 e 2015, em países como Cambodja, Índia, Quirguistão e Uganda, e incluída em informe da HRW concluiu que os funcionários do Banco Mundial ignoram sistematicamente as denúncias de represálias severas contra aqueles que se manifestam contra os projetos financiados pela instituição. Em alguns casos, o Grupo do Banco Mundial deixou de prestar a assistência necessários ao pessoal local que trabalha no país juntos com os seus funcionários.
A autora do informe é Jessica Evans, que, em coletiva realizada na segunda-feira (22/6), destacou um incidente no qual um intérprete do Painel de Inspeção do Banco Mundial, o órgão de controle da Instituição Financeira Internacional (IFI), foi detido poucas semanas depois da conclusão do processo de revisão por parte do mesmo Painel.
Sem mencionar a identidade da vítima – para proteger sua segurança –, Evans afirmou que, além de interrogar os funcionários governamentais “a portas fechadas”, o Banco mantém um completo silêncio sobre a situação do ativista independente que trabalhava para fortalecer o próprio processo da instituição.
Ações desse tipo, ou a omissão nesses casos, “são formas de burlar o compromisso declarado (pelo Banco) com a participação e a prestação de contas”, determina o informe. HRW identificou dezenas de casos em que os ativistas afirmam ter sofrido acosso, maus tratos, ameaças ou intimidação por expressar suas objeções às iniciativas financiadas pelo Banco o pela CFI, por motivos sociais, ambientais ou econômicos.
Devido a que as populações próximas aos grandes projetos de desenvolvimento tendem a ser muito pobres ou vulneráveis, e portanto não têm a possibilidade de apresentar formalmente suas denúncias, se supõe que o número real de pessoas que sofreram esse tipo de represália é muito maior que o indicado no informe, segundo os investigadores. “A respeito do tema das represálias, o silêncio e a falta de ação do Banco Mundial já passaram dos limites, e alcançaram o âmbito da cumplicidade”, opinou Evans, em seu diálogo posterior com IPS.
O Painel de Inspeção apresentou a questão das represálias em 2009, o que permitiu ao Banco Mundial ter tempo de sobra para tomar as medidas necessárias, visando remediar o problema crônico e generalizado. Por outro lado, a entidade não deixa de se relacionar com governos que possuem maus antecedentes em matéria de direitos humanos, enquanto dissimula as pressões e demandas da sociedade civil para fortalecer os mecanismos que protejam as comunidades indefesas e marginalizadas das represálias violentas.
Um exemplo disso é o caso de Elena Urlaeva, que dirige a Aliança de Direitos Humanos do Uzbequistão, com sede em Tashkent. Ela foi presa no dia 31 de maio, em um campo de algodão, quando tentava realizar um documentário sobre o sistema de trabalho forçado aplicado pelo governo uzbeque em sua produção agrícola.
Segundo a HRW, Urlaeva foi detida e sofreu abuso sexual durante um exame corporal extremamente violento: médicos e policiais do sexo masculino, com a justificativa buscar uma fita ou compartimento de dados com as imagens feitas pela câmera, teriam explorado seu corpo e suas partes sexuais de forma tal que a fizeram sangrar.
Também a proibiram de usar o banheiro, a filmaram enquanto fazia suas necessidades em locais não adequados e a obrigaram a sair da delegacia diante de um grupo de policiais que a atacaram verbalmente, chamando-a de “puta”. Finalmente, a ameaçaram com publicar o vídeo na Internet se denunciasse o tratamento recebido.
Jessica Evans recordou, em entrevista à IPS, que tudo isso ocorreu no contexto do incremento do apoio financeiro do Banco Mundial à produção de algodão do Uzbequistão. A instituição já se comprometeu a gastar 450 milhões de dólares para financiar três grandes projetos agrícolas do governo, embora existam provas de que o setor se baseia num sistema que proporciona condições de trabalho de escravidão ou semiescravidão.
“Como não existe um mecanismo sólido dentro do Banco Mundial para fazer que seu financiamento cumpra com as normas internacionais de direitos humanos, existe um risco real de que os observadores independentes e ativistas tenham que continuar suportando situações tão violentas e vexatórias como a que enfrentou Urlaeva”, comentou Evans.
Reação “decepcionante”
O Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas passam um para o outro a responsabilidade pelas violações dos direitos humanos relacionadas com o desenvolvimento. Em seu informe de maio de 2015, entregue ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, o relator especial sobre a extrema pobreza e os direitos humanos, Philip Alston, criticou as tentativas de vários Estados-membros de manter a economia, as finanças e o comércio internacional “em quarentena”, com relação aos direitos humanos.
O funcionário australiano criticou as IFI por contribuir com essa cultura da impunidade. “O Banco Mundial pode simplesmente se negar a atender os compromissos com os direitos humanos no contexto de suas políticas e programas, o Fundo Monetário Internacional pode fazer o mesmo, e a Organização Mundial de Comércio não é muito diferente”, assegurou Alston, lembrando que esses organismos tentam empurrar o problema para o Conselho de Direitos Humanos, e este o devolve ao campo financeiro.
“Não se pode ter um desenvolvimento próspero sem uma participação sólida da sociedade civil, para fixar as prioridades do desenvolvimento, desenhar projetos e supervisar sua aplicação”, comentou Gretchen Gordon, coordenadora da organização Bank on Human Rights, uma aliança mundial de movimentos sociais que trabalha para que as IFI cumpram com suas obrigações em temas de direitos humanos. Se os bancos e seus Estados-membros não assumem as rédeas do processo e implantam os protocolos e políticas necessárias “continuarão tendo que enfrentar novos fracassos em matéria de desenvolvimento, abusos contra os direitos humanos e mais conflitos”, advertiu.
Embora os investigadores da HRW tenham buscado as posições oficiais do Banco Mundial e da CFI a respeito desses temas, enviando a eles uma série de perguntas em abril, receberam somente uma única e insossa resposta sosa, que não abordou a questão das represálias e se limitou a dizer que o Banco Mundial “não é um tribunal de direitos humanos”.
“Eu confesso que esperava uma conversa mais construtiva com o Banco Mundial. Porém, tudo o que recebo são respostas vazias. Propusemos recomendações bastante pragmáticas, sobre a forma na qual o Banco pode trabalhar com eficácia em temas complexos, mas parece que ainda falta muito para que eles sejam levados em conta”, analisou Evans.
Tanto o Painel de Inspeção do Banco Mundial quanto o Assessor/Ombudsman da CFI receberam o informe da HRW com entusiasmo, mas são organismos independentes e sem o poder necessário para pretender obter uma mudança real no Grupo do Banco Mundial. Esse poder está nas mãos do presidente da instituição, o sul-coreano naturalizado estadunidense Jim Yong Kim, que terá que “tomar a iniciativa e enviar uma mensagem clara ao seu pessoal, para mostrar que a questão das represálias é um tema prioritário”, concluiu Evans.
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