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Mais de 30 dias após agressão sofrida ao sair de um evento de boas vindas à comunidade LGBT no campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a estudante do pré-vestibular solidário Dália Costa pede ajuda para identificar seus agressores. Apesar do apoio recebido, ela reclama que a pressão sobre o caso enfraqueceu. “O sentimento é meio de decepção. Não adianta ter discurso pronto. Muita gente se mostrou à disposição [quando aconteceu a agressão], mas agora todo mundo está meio que invisibilizando”, diz, em tom de resiliência. “Mas vou continuar, não vou parar por aí não”, completou.
O sentimento de insegurança fez com que Dália deixasse o curso pré-vestibular que fazia na UFPE. Felizmente, ela conseguiu uma bolsa de estudos em outro curso preparatório, onde deverá seguir os estudos para o vestibular de Psicologia. No entanto, a bolsa cobre apenas as aulas, assim a falta de recursos para transporte tem preocupado a estudante, que não tem como arcar com outros custos. Antes, ela tinha apoio da coordenação do pré-vestibular solidário para o deslocamento até a UFPE. “No momento, a maior expectativa é procurar estratégias para minha vida. Começar a focar nos meus objetivos pessoais, nos estudos. Voltar à minha vida normal como antes. Pretendo permanecer buscando respostas e, cada vez mais, o combate a esse tipo de violências”, afirma.
No domingo (23), Dália organizou um ato político, chamado por ela de resistência trans, com debates e performances com objetivo de discutir questões da realidade de violências diárias que pessoas trans sofrem. “A ação foi de resistência das mulheres trans, das mulheres negras. Foi um meio de questionamento social e político com a justiça. Foi muito fortalecedor, se trata de ato político de cobrança”, explicou a estudante.
O processo que apura o caso de agressão sofrida por Dália está sendo conduzido sob sigilo pela Delegacia da Várzea, onde foi registrada a denúncia. De acordo com o delegado Evaristo Neto, que está a frente do caso, as investigações estão acontecendo no tempo normal. “A gente tem encontrado dificuldades para localizar pessoas que estiveram no evento e podem ter informações sobre suspeitos. Essas pessoas estão sendo convidadas para fornecer informações que possam, cada vez mais, nos dar uma linha concreta de investigação”, explicou.
A violência do ataque pode deixar sequelas permanentes na estudante, que teve o olho esquerdo machucado. Inicialmente, a linha de investigação é agressão física, mas após uma reavaliação médica outros agravantes poderão ser considerados. “Se o exame complementar demonstrar dano permanente, agrava o indiciamento. Vamos observar outras questões com relação à discriminação também. Se isso ficar realmente comprovado, é outro agravante que estamos investigando no inquérito”, explicou o delegado, que afirmou que o caso deverá ser concluído no mês de maio.
Segundo o advogado da estudante, Sérgio Pessoa, a dificuldade da Polícia em localizar as testemunhas é facilmente explicada: “São outras pessoas trans que estão com medo se serem agredidas, como se elas fossem as próximas vítimas das agressões. Elas realmente tem medo de represália.”, justifica.A defesa de Dália também solicitou acesso às filmagens das câmeras localizadas próximo ao local da agressão. O objetivo é tentar reconstituir e identificar os suspeitos. Além da agressão física, Dália também tem sofrido ataques virtuais com ameaças e incitações à violência. Ela formalizou denúncia e deverá identificar os perfis dos agressores na Delegacia de Crimes Virtuais. O caso também corre sob sigilo nessa esfera policial.
Após sofrer críticas do corpo de estudantes e de organizações da sociedade civil, a UFPE se comprometeu, por meio da Diretoria LGBT, a receber sugestões para melhoria da segurança no campus. Uma das ações que está sendo encaminhada é a exigência de formação em direitos humanos e questões relacionadas à comunidade LGBT para contratação de uma nova empresa de segurança patrimonial pela universidade. Isso vai acontecer por meio de um Termo de Referência que orienta a licitação e as condições para contratação desses serviços para os campi da UFPE. O documento ainda está em fase de construção, mas terá participação da Diretoria LGBT e de técnicos da Superintendência de Segurança Institucional da UFPE.
“Temos trabalhado de forma integrada com a Diretoria LGBT em busca de uma melhor concepção na área de segurança. O pessoal de segurança tem uma visão muito de defesa, um pouco truculenta. Com o novo termo de referência, a obrigatoriedade na participação de cursos promovidos pela diretoria será inserida”, explica Armando Nascimento, Superintendente de Segurança Institucional.
De acordo com os trâmites da universidade, haverá um estudo técnico preliminar para construção do termo. Mesmo assim a licitação para escolha de uma nova empresa de segurança acontecerá ainda em 2018, com a contratação acontecendo no ano seguinte. Segundo Nascimento, esta fase é importante para garantir que a mudança aconteça. “A UFPE vai ser modelo”, afirmou. Questionado sobre como a universidade fará o acompanhamento da atuação da empresa a ser contratada sob as novas condições, Nascimento afirmou que isso deverá ser previsto pelo Termo que regulamentará a relação contratual.
“O objetivo primeiro é ter a ação educativa. Caso isso não aconteça, a empresa contratada será punida, podendo haver até a quebra de contrato. Primeiro vamos incluir como exigência o treinamento. O ideal é humanizar trabalhador da segurança para ele poder entender melhor todas as realidades que acontecem ali naquela área. Queremos que ele possa, através da atividade dele, ser uma pessoa mais humana. Deixar esse lado mais militar, de tudo você encarar como se fosse seu inimigo. Nesse sentido é que nós queremos trabalhar percepção de segurança”, defendeu o gestor.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.