Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Durou 17 horas e quarenta minutos a tentativa do Governo do Estado de Pernambuco de tentar conter uma maré nacional: a ocupação de escolas, em todo o País, em protesto contra a PEC 55 (antiga 241) e às propostas de mudança no ensino médio.
A ação, que envolveu especialmente a Polícia Militar, tinha dois objetivos: não deixar que os jovens que tinham ocupado a Escola de Referência em Ensino Médio (EREM), Cândido Duarte, na noite de segunda-feira (7), saíssem dela. Quem saísse, não poderia mais entrar.
Cravada no elegante bairro de Apipucos, onde viveu o sociólogo Gilberto Freyre, a Cândido tem cerca de 400 alunos matriculados no ensino médio, que dificilmente passaram perto de casas grandes.
Quando amanheceu o dia, o objetivo do governo (e da PM) foi outro: não deixar que os jovens e instigados estudantes que estavam do lado de fora, cantando músicas de protesto contra o governo e prometendo resistir, entrassem na mesma escola, para engrossar as fileiras de quem estava dentro.
Foi uma ação complexa, que envolveu, inicialmente, a direção da escola, Gerência Regional de Educação (GRE) e Polícia Militar. Quando a notícia se espalhou pelas redes, envolveu advogados do grupo Juristas Pela Democracia, como Augusto Evangelista, que começou a disparar seu celular para todo mundo que pudesse fazer algo. O Sindicato dos Trabalhadores na Educação do Estado de Pernambuco (Sintepe), mandou sua representante, Vania Evangelista. Apenas um e discreto parlamentar, o deputado Edilson Silva, do PSOL, foi para a escola e participou de toda a negociação, até seu desfecho.
A negociação, que se arrastou por toda a manhã, envolveu todos esses atores e mais o secretário de Educação, Fred Amâncio, e o líder do Governo na Assembléia Legislativa, Waldemar Borges (PSB). Quanto mais demoravam as conversas ao vivo e pelo celular, pior as coisas ficavam para o governo, que parecia alimentar uma bola de neve no calor do Recife.
A cada meia hora, chegavam dezenas de Estudantes da Universidade Federal Rural de Pernambuco e de outras escolas do entorno, que sabiam da ação da PM. Vários professores da UFRPE, que já estão afinados com os estudantes desde o início do movimento, olhavam tudo e trocavam ideias.
Quando os PMs foram tardiamente dispensados, os estudantes entraram calmamente pela escola, cantando e comemorando. Mas dava para se notar uma organização caminhando nas entrelinhas de cada ato, cada gesto.
Aprendizado
Os jovens estavam todo o tempo ligados em tudo. Antes de realizar a assembléia da terça-feira (8), tinham visitado várias ocupações e aprendido como funciona esta novidade na política nacional. As diferentes comissões. Os horários. O que cada um tinha que fazer. O cuidado com o espaço público. A necessidade de criar grupos para discutir as políticas do governo, de chamar gente para dar elementos para repensar o país, em cada dia da ocupação. Em hipótese alguma, ficar o dia inteiro de bobeira. A ocupação é um ato político.
Vitor só me deu uma entrevista após falar com o grupo da Comunicação. Contou como foi a noite de segunda para terça, com a PM intimidando os cerca de trinta jovens que ficaram na primeira noite.
“Eles ficaram rondando do lado de fora, com armas, com fuzil. Usavam lanternas, ficavam iluminando a gente pelos combogós. Foi para intimidar mesmo. Hoje, a mesma PM não deixou a empresa terceirizada entrar com o lanche”.
Ele tem 17 anos, mas prefere ser chamado só de Victor mesmo, para não ter problemas. Disse que a ocupação iria começar antes mesmo do ENEM, mas que resolveram esperar, porque a pressão estava grande.
“Mas já temos tudo planejado. Vai ter limpeza da escola, mutirão para tirar lixo, para organizar as coisas. Nós vamos cuidar bem dela”, disse.
Outra estudante preferiu se identificar somente como “Flor”, para dizer que a ocupação está toda articulada e que eles estão ali por uma luta social, e que não vão desistir, até derrotar a PEC 55 e as propostas de mudança no ensino médio.
Enquanto a Cândido Duarte começava sua nova jornada como “escola ocupada”, a notícia chegou rapidinho – minutos depois a Erem Martins Júnior, na Torre, também havia se integrado ao movimento.
A maré, ao que parece, está se tornando um Tsunami de cidadania.
Samarone Lima, jornalista e escritor, publicou livros-reportagens e de poesia, entre eles "O aquário desenterrado" (2013), Prêmio Alphonsus de Guimarães da Fundação Biblioteca Nacional e da Bienal do Livro de Brasília, em 2014. Em 2023, seu primeiro livro, "Zé", foi adaptado para o cinema.