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A relação entre desigualdade, periferia e esgoto na metrópole do Recife

Mais uma artigo em parceria com o Observatório das Metrópoles

Marco Zero Conteúdo / 16/04/2024
A foto mostra um beco estreito entre duas casas de tijolos aparentes. O chão está molhado com resíduos de esgoto e coberto de lixo, incluindo plásticos e outros detritos. O céu é visível acima, com nuvens esparsas em um céu azul claro. Além disso, há uma inscrição nas paredes dos edifícios, mas não é claramente legível. No canto superior direito da imagem, há um logotipo azul escuro com texto ao redor dele e a palavra “ELEIÇÕES” abaixo em letras brancas sobre fundo verde.

Crédito: Arnaldo Souza/OM

por Arnaldo Souza*

O Recife é marcado por uma diversidade cultural rica e por uma história dinâmica que o caracteriza como uma das principais metrópoles do país e uma referência no Nordeste brasileiro. No entanto, por trás das suas belezas e vitalidade, reside uma realidade de desigualdade social profunda que se manifesta de maneira alarmante nos territórios periféricos urbanos, onde a população convive há décadas com ausência ou precariedade de serviços essenciais como esgotamento sanitário.

Dados do Painel Saneamento Brasil, do Instituto Trata Brasil, destacam que a Região Metropolitana do Recife (RMR) apresentava, segundo estimativas para o ano de 2021, quase metade de sua população (45,2%) sem coleta de esgoto, o que supera a média nacional de 44,2%. O Recife, que abrange apenas cerca de 8% do território metropolitano, concentrava 34,7% dos residentes da RMR sem acesso aos serviços de coleta de esgoto. No âmbito do próprio município, esse percentual corresponde a mais da metade (55%) da população residente.

Confirmando essa perspectiva, dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir do Censo Demográfico de 2022, demonstram que aproximadamente um quarto das moradias no Recife não contam com descarte adequado do esgoto doméstico.

Associado a isso, com base no Índice de Gini, a RMR se destaca como a segunda mais desigual do país e também apresenta a menor renda média per capita entre os 40% mais pobres das metrópoles do Nordeste. Essa disparidade se reflete em diferentes problemas urbanos, incluindo o acesso a serviços essenciais, como o saneamento básico.

Dados esses aspectos, no contexto urbano do Recife, ressalta-se um histórico marcado pela carência significativa de infraestruturas de esgoto e um padrão de distribuição das infraestruturas existentes ligado a uma profunda desigualdade socioespacial. Ao longo de décadas de gestão predominantemente pública, localidades relativamente privilegiadas, frequentemente, concentraram maiores investimentos, enquanto áreas menos favorecidas foram sistematicamente negligenciadas.

O favorecimento dessas regiões privilegiadas, em detrimento das áreas mais carentes, ilustra vividamente uma lógica de manutenção da desigualdade perpetuada através das políticas urbanas. Mesmo a proximidade geográfica de áreas pobres a redutos de riqueza, casos comuns no Recife, não se traduz em benefícios iguais entre essas áreas. Ao contrário, a desigualdade é acentuada, fortalecendo a constatação de que a distribuição desigual de recursos e serviços urbanos está diretamente ligada à estrutura social.

Nas periferias do Recife, é comum encontrar ruas estreitas e sinuosas, onde o esgoto flui livremente a céu aberto, sem qualquer tipo de tratamento. Esse cenário insalubre é um lembrete diário da disparidade de condições de vida entre os bairros mais ricos e os mais pobres da cidade. Enquanto em algumas áreas o esgoto é devidamente coletado e tratado, nas comunidades periféricas, o acesso a esse serviço básico é um benefício inalcançável para muitos.

À medida que os bairros mais ricos recebem atenção prioritária das autoridades municipais e estaduais, as comunidades mais pobres são deixadas à margem, sendo levadas a buscar soluções particulares, frequentemente inadequadas, para o descarte do esgoto. Esta é uma manifestação flagrante da injustiça social que permeia nossa sociedade.

Para enfrentar esse problema complexo, é necessário um compromisso sério por parte das autoridades competentes, bem como da sociedade civil e do setor privado. É preciso investir em projetos de infraestrutura que levem o saneamento básico para todas as comunidades, independentemente de sua localização geográfica ou condição socioeconômica. Além disso, é fundamental implementar políticas públicas inclusivas que garantam o acesso universal aos serviços básicos como saneamento, que influencia tantas outras áreas como saúde, habitação, meio ambiente e qualidade de vida.

O ano das eleições municipais oferece uma oportunidade singular para abordar essa problemática e debater soluções. Como equilibrar a oferta de serviços essenciais de saneamento na metrópole do Recife? Como o Estado pode preencher as lacunas e preparar as bases necessárias para avançar significativamente na oferta dos serviços de esgoto? É dever da sociedade levantar essas questões e cobrar o comprometimento com ações concretas por parte dos seus representantes.

*Bacharel em Gestão de Políticas Públicas, doutor em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Pesquisador do Observatório das Metrópoles (Núcleo Recife).

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Marco Zero Conteúdo

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