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Ação truculenta de PMs interrompe cortejo de troça em Olinda e acende alerta para “toque de recolher” nas prévias

Raíssa Ebrahim / 24/01/2023

Crédito: Hugo Muniz

Eram exatas 19h do domingo (22) de prévias nas ladeiras de Olinda. Após dois anos sem Carnaval, a tradicional e respeitada Troça Carnavalesca Mista (T.C.M) John Travolta desfilava comemorando 45 anos quando diretoria, músicos e foliões foram surpreendidos com um toque de recolher imposto com truculência pela Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) encerrando o cortejo. O famoso boneco azul e branco de franjinha não conseguiu terminar o trajeto. Sequer chegou ao bairro do Guadalupe, onde famílias inteiras aguardavam com as casas enfeitadas nas cores do “Jontra”.

As cenas foram de violência até contra os músicos da Orquestra do Maestro Oséas, que puxava a troça. Alguns deles foram agredidos e ameaçados de terem os instrumentos recolhidos e que poderiam ser presos caso continuassem tocando. “Me senti humilhado, isso nunca tinha acontecido. Foi uma falta de respeito conosco”, define o presidente do John Travolta, Eraldo José Gomes, em entrevista à Marco Zero.

“O Major Caldeira foi muito rígido comigo. Eu pedi que ele tivesse ao menos um pouco de tolerância para a gente recolher a troça no nosso bairro (Guadalupe), que estava a 200 metros (do Largo do Amparo, onde o desfile foi interrompido). Mas ele nos deu a ordem para que parasse. Muita gente tentou conversar, mas não teve acordo”, detalha Eraldo. “O povo espera o boneco chegar, as pessoas enfeitam a casa, a gente precisa dar satisfação ao povo”, complementa.

O presidente conta que, na semana anterior, em reunião com a Prefeitura de Olinda e a PMPE, ficou acordado que o John Travolta sairia do Clube Atlântico, no Carmo, às 17h30. Era lá que acontecia, à tarde, a festa do Jontra. “Coloquei que não tinha condições de recolher às 19h. É muita gente, não daria tempo, e nosso bloco depende da venda de bebidas e de ingressos”, destaca Eraldo. O cortejo atrasou 15 minutos, segundo ele. Saiu do clube em direção à Rua do Bonfim às 17h45.

Na reunião, afirma Eraldo, um representante da Polícia Militar assegurou que seguraria a passagem da troça até o encerramento no Guadalupe. Não foi o que aconteceu. A informação repassada à troça é que a PMPE tinha recebido ordem expressa da prefeitura para encerrar o cortejo às 19h.

No próximo domingo (29), às 16h30, o John Travolta vai desfilar novamente, para conseguir encerrar o cortejo interrompido. A saída será do Clube Vassourinhas, no Largo do Amparo. O boneco vai desfilar pelo Guadalupe e se recolher na casa de Eraldo, na Av. Joaquim Nabuco.

O John Travolta publicou uma nota de repúdio no perfil do Instagram na segunda (23). Confira na íntegra:

A diretoria da T.C.M JOHN TRAVOLTA, repudia veementemente o ato arbitrário ocorrido ontem (23), onde o cortejo do Boneco John Travolta foi impedido de continuar com seu desfile pelas ladeiras de Olinda, onde já realiza esse evento há 45 anos. Nossos músicos foram ameaçados de prisão caso continuassem tocando os instrumentos. A Polícia Militar informou que recebeu ordem expressa da Prefeitura de Olinda para encerrar o cortejo, às 19h. Em reunião com o prefeito @professorlupercio, o mesmo informou, desconhecer esta ordem. Nesses 45 anos, nunca ocorreu um ato de abuso de poder tão grande com o nosso John. Lamentamos a falta de respeito com uma troça tradicional e tão querida por todas. John Travolta é um boneco respeitado e amado por crianças, jovens, adultos, vovós e vovôs, por isso está a tanto tempo desfilando alegria por essa cidade que amamos. Vocês calaram os instrumentos, mas não conseguiram calar a voz do povo que espera o ano todo para ver o boneco mais charmoso de Olinda desfilar toda sua alegria e beleza. Foi emocionante ver o nosso John Travolta sendo conduzido ao som da voz e das palmas desse povo amado até o seu destino final. A todos os foliões, admiradores, familiares e amigos o nosso muito OBRIGADO por não se calar diante de um ato tão abusivo. Pedimos RESPEITO e não vamos nos calar!

T.C.M JOHN TRAVOLTA

No último dia 10, a Prefeitura de Olinda publicou uma notícia informando que, em reunião, a gestão do prefeito Professor Lupércio (Solidariedade) havia articulado com o Governo do Estado uma série de medidas para reforçar a segurança durante as prévias de Carnaval, que historicamente costumam ser palco de violência, brigas entre galeras, roubos e furtos. A prefeitura informou que a Secretaria de Patrimônio, Cultura e Turismo de Olinda (Sepactur) “vem orientando os responsáveis pelas agremiações que possam encerrar os ensaios até às 19h”.

Além disso, a pasta está exigindo que os representantes dos blocos e das troças carnavalescas preencham o formulário no site da Secretaria de Defesa Social (SDS) informando dia, local e horário dos ensaios, além do número estimado de pessoas que vão participar das apresentações. Afora isso, a lei que proíbe o uso do som mecânico tem sido reforçada pela comissão que cuida do Carnaval na cidade.

Prefeitura diz que não direcionou recomendação

Questionada pela reportagem, a Prefeitura de Olinda disse, em nota, “que não direcionou qualquer tipo de recomendação para o encerramento do cortejo da agremiação supracitada (T.C.M John Travolta)”. Afirmou também que “a gestão do município reforça, ainda, que também não expediu ordem para o recolhimento dos instrumentos, lamentando o ocorrido”.

Confira a nota da Prefeitura de Olinda na íntegra:

A Prefeitura de Olinda esclarece que não direcionou qualquer tipo de recomendação para o encerramento do cortejo da agremiação supracitada. A gestão do município reforça, ainda, que também não expediu ordem para o recolhimento dos instrumentos, lamentando o ocorrido. Com o propósito de sanar dúvidas e fortalecer o diálogo, representantes da T.C.M. John Travolta, assim como de outras troças e orquestras, foram recebidos, no próprio domingo (22), pelo prefeito, Professor Lupércio, e demais secretários envolvidos na estrutura do ciclo festivo na cidade. Os gestores se solidarizaram com os carnavalescos e garantiram a saída da T.C.M John Travolta, no próximo domingo (29), completando o percurso que foi interrompido. Vale ressaltar, que a recomendação de horário de encerramento de prévias é fruto de acordo mediado pelo Ministério Público, devendo ser empregado com sensibilidade para garantir a segurança, mas sem limitar o cortejo completo das agremiações. O ajustamento deve respeitar, além dos laços culturais, as relações dos movimentos com a comunidade local. A Prefeitura de Olinda defende e apoia as agremiações e orquestras da nossa cidade, responsáveis pelo maior e melhor Carnaval do mundo.

A Marco Zero entrou em contato com a assessoria de imprensa da PMPE para obter um posicionamento oficial sobre o ocorrido e saber se está havendo alguma apuração dos fatos dentro da corporação. Até o fechamento desta matéria, porém, não obteve retorno.

Quem deu a ordem?

O vereador de Olinda Vini Castello (PT) entrou com um pedido de informação à Prefeitura de Olinda, Secretaria de Cultura de Pernambuco, Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e SDS para saber “de quem é a responsabilidade pelo abuso de autoridade e pela tentativa de acabar com a tradição das prévias do carnaval de Olinda”, segundo informou no Instagram em postagem em que lamenta a atuação da gestão municipal e da Polícia Militar. “Não se pode responsabilizar as agremiações carnavalescas pelo descaso na segurança durante as prévias de Olinda”, disse Vini.

“É importante que respeitemos os fazedores de cultura que se dedicam durante todo ano para fazer uma boa apresentação nas ruas da nossa cidade. O Estado e o município devem agir e se responsabilizar pela garantia da segurança e abusar do poder culpabilizando quem mantém a cultura viva não deveria ser sequer uma opção”, complementou.

“Se a ordem não foi do prefeito, é importante que o mesmo responda o pedido de informação que protocolei no dia de hoje (segunda, 23) para que saibamos de quem foi a determinação arbitrária que violou diversos direitos do povo olindense”, cobrou o vereador em outra postagem.

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com