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Antônio Campos entra em cena e mobiliza moradores do Poço da Panela contra Atacado dos Presentes

Maria Carolina Santos / 09/07/2020

Talvez você não se lembre, mas em 2019 houve uma certa polêmica com o anúncio de uma nova loja do Atacado dos Presentes na avenida Dezessete de Agosto, no Poço da Panela. Um grupo de moradores não gostou da novidade: a loja, com cinco pavimentos e mais de 21 mil metros quadrados, destoaria da proposta do bairro residencial, bucólico e com construções históricas. Havia mais: o terreno, na esquina com a pequena e sem calçamento Avenida Dr. Seixas, era alvo de um longo e ainda não julgado processo. Durante a quarentena, no final de maio, a concretização da loja avançou: a Prefeitura do Recife concedeu uma licença prévia para o empreendimento.

O grupo de moradores que havia se levantado contra a construção ficou ciente da concessão por meio de um personagem relativamente novo nessa disputa: Antônio Campos, presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e pré-candidato à prefeitura de Olinda pelo PRTB, partido alinhado ao presidente Bolsonaro. Enquanto o grupo de moradores se arrefecia, Tonca, como é chamado, agia. Mas vamos primeiro falar do licenciamento e do processo judicial.

No começo de março, o empresário Irajá Barbosa de Luna, um dos sócios da rede varejista, solicitou mais prazo para a realização dos estudos ambientais do terreno. É uma etapa obrigatória para empreendimentos de impacto e fica a cargo do empreendedor a contratação das consultorias que fazem os estudos.

Em um laudo sobre a flora do local, que está abandonado há mais de dez anos, foram identificadas 59 árvores, mudas e arbustos. São pinheiros, castanholas, abacateiros, pés de fruta-pão, coqueiros. O projeto prevê a retirada de apenas dez dessas árvores. Em uma das imagens do projeto, o prédio do Atacado, aparece camuflado com teto verde e espremido entre as árvores.

O laudo técnico sobre a vegetação ainda diz que encontrou muitas plantas com pragas, doenças e parasitas, como infestações de cupins. Há uma série de recomendações, como podas e eliminação de ninhos de marimbondo.

No estudo de impacto ambiental, as ações mitigadoras propostas pelo Atacado são, digamos, bem discretas. Para o problema da alteração na qualidade do ar, a proposta é colocar plantas filtradoras, como lírio da paz e espada de São Jorge. Para a alteração na percepção ambiental do empreendimento pela comunidade local, a medida mitigadora proposta é “paisagismo no muro”.

Antes da pandemia, havia um audiência marcada na Câmara dos Vereadores para discutir a obra. Atualmente porta-voz do grupo de moradores, o estudante de Direito Ricardo Bandeira de Melo diz que a prefeitura concedeu a licença prévia “na calada da noite”, ainda que o projeto tenha sido entregue há mais de um ano para análise.”Somos cidadãos de bem, tranquilos. Durante o pandemia estamos de mãos atadas, mas eles (os sócios do Atacado) podem bater na portinha do prefeito”, reclama.

Para ele, não é apenas o trânsito dos carros que vai piorar, uma vez que por ali já é normalmente engarrafado. “O barulho de uma loja desse porte e a movimentação não combina com o bairro. A loja vai ter dois andares subterrâneos. Qual o impacto dessa escavação no terreno, no lençol freático do rio Capibaribe? Há estudos que dizem que em dois ou três anos os poços artesianos da região vão secar”, diz.

Do lado do terreno do Atacado, há três residenciais gigantescos, com mais de 30 andares. Para Ricardo, eles não oferecem os mesmos riscos que a loja. “Um prédio é muito mais agradável. E não faz barulho, não tem caminhões, é muito diferente”.

Nas mãos de João Braga

Na prefeitura, o destino do Atacado está nas mãos de uma única secretaria. Em janeiro, a Secretária de Mobilidade e Controle Urbano, comandada por João Braga, ficou maior: passou a abrigar também o licenciamento ambiental, concentrando toda a aprovação de empreendimentos. No final daquele mesmo mês, o Atacado dos Presentes deu entrada na licença prévia. “Essa mudança no licenciamento não foi por conta desse projeto, nem por conta de nenhum outro. Era um desejo antigo da prefeitura que conseguimos concretizar, depois de muita luta por conta do corporativismo dos servidores”, diz Braga, acrescentando que a pasta “ganhou produtividade” com a mudança.

Para o secretário, o projeto do Atacado cumpre o caminho regular. O empreendimento ainda vai passar pelo Comissão de Controle Urbanístico (CCU) e, por último, pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU), presidido pelo próprio Braga. “Ainda tem as análises dos órgãos competentes, como a CTTU. O CDU é que vai aprovar ou não e ainda pode acrescentar algumas demandas”.

O secretário conta que o projeto do Atacado foi apresentado aos moradores no começo de dezembro, na igreja do bairro, em reunião com cerca de 200 pessoas. “Um pessoal mais pobre viu no empreendimento a questão do emprego, outra viu a questão urbanística”, lembra.

Para Ricardo Bandeira de Melo, naquela reunião houve uma tentativa de angariar apoio da comunidade através da promessa de empregos futuros. “A parte mais simples do Poço acredita que vai gerar uma quantidade enorme de empregos”, diz o estudante, que rechaça a insinuação de que o movimento contra o Atacado seja elitista. “Somos a favor de desenvolvimento econômico. Mas esse não é o lugar. Aqui é tudo pequeno, tudo agradável, tudo menorzinho. E não tem nenhum aristocrata no grupo, pelo que eu saiba”, diz, acrescentando que os comércios de bairros vizinhos também serão impactados pela chegada da loja. “Em Casa Amarela temos o centrinho e todo mundo vai lá comprar as coisas. Os pequenos e médios comerciantes de lá vendem as mesmas bugigangas que o Atacado vende”, diz.

Morador da comunidade do Poço da Panela há mais de 35 anos, o eletricista predial André Luiz Feitosa, mais conhecido como Boy, tem uma visão mais pragmática da loja. “Não vejo nenhuma expectativa no pessoal da comunidade em geração de emprego. Se fosse para querer nosso apoio com emprego, eles estariam fazendo pesquisa, entregando formulário, nada disso aconteceu. Se fizessem isso, o povo ia chegar junto deles”, conta.

Boy acredita que as ruas centenárias do bairro não têm estrutura para o vai e vem de caminhões que uma loja do porte de um Atacado dos Presentes necessita. “Mesmo aquelas ruas onde não tem tombamento não aguentam caminhão, não foram feitas para isso. E vai ser bronca o barulho de carga e descarga o dia todo. Agora, a questão de compras vai ser bom, fica mais perto. Não vai mais precisar ir para Casa Amarela ou para Torre”, diz Boy, que ficou sabendo pelos jornais da construção do Atacado.

Na reunião com moradores, os sócios do Atacado não compareceram. Foi o arquiteto da obra quem representou o grupo Luna. Os empresários também não falaram com a imprensa.

Projeção de como seria a loja inaugurada, pelo projeto do Atacado dos Presentes

A multa de R$ 1 milhão

Até saber que o imenso terreno de esquina seria um Atacado, Boy achava que ali ainda pertencia à Casa de Saúde São José. Um belo casarão ocupava aquele terreno, que estava em fase final para se tornar um Imóvel Especial de Preservação (IEP). Em 2009, foi demolido na surdina. O mesmo CDU que vai decidir sobre a construção ou não da loja do Atacado, retirou o pedido de preservação do imóvel da pauta de uma reunião daquele ano. Outra reunião só aconteceria um mês depois. Nesse meio tempo, o casarão foi derrubado.

O que seria construído no lugar era uma loja da rede de supermercados Carrefour. Mas os moradores do Poço mostraram força. Conseguiram que a Ordem dos Advogados do Brasil – secção Pernambuco (OAB-PE) entrasse com uma ação civil-pública contra a Prefeitura do Recife e o Carrefour pela demolição do imóvel. Em 2015, ganharam a primeira sentença: R$ 1,578 milhão de multa para ser dividida entre os dois réus. O valor baixou para R$ 1 milhão na segunda instância e o processo está hoje no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O advogado Elvânio Jatobá, morador do bairro, foi o responsável em fazer a ponte para que a OAB entrasse com a ação cívil-pública. “A prefeitura não poderia ter concedido licença alguma para nenhum empreendimento no terreno. Na sentença o juiz de primeiro grau afirma que não poderá ser concedida nenhuma autorização enquanto não for feita o pagamento do dano, à União. A Prefeitura e o Carrefour entraram com recurso no STJ, que ainda não foi julgado”, explica.

Em parecer de abril, o Ministério Público Federal (MPF) tem o mesmo entendimento, se mostrando contra a concessão de licenças até que a multa seja paga. “Permitir uma construção sem o processo ser extinto seria uma premiação para a derrubada do casarão”, diz Jatobá. Para ele, a prefeitura não poderia nem mesmo ter concedido a licença prévia, que ainda não é uma permissão para construção. “Mas já autoriza a derrubada de árvores. A prefeitura não poderia conceder qualquer autorização”, reclama.

Com o processo, na época, o Carrefour desistiu de ter uma loja no terreno. O julgamento no STJ ainda não tem data para acontecer. “E no mês de julho os tribunais superiores estão de férias. Só voltam em agosto. Talvez por isso essa movimentação da prefeitura justamente agora”, acrescenta o advogado.

Tonca e a Fundaj entram em cena

Sem Antônio Campos, a polêmica do Atacado dos Presentes não teria agora voltado à tona. Por conta dele, vários sites republicaram o release em que Fundaj pede que a obra seja barrada e que diz que a loja vai prejudicar o processo tombamento do conjunto arquitetônico da Fundação. Ele também solicitou que a Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural do Poço da Panela se estenda até a Fundaj. Ao lado de Ricardo Bandeira de Melo, deu entrevista para a televisão.

Foi por conta do primeiro e único protesto dos moradores do Poço contrários ao Atacado dos Presentes que Antônio Campos ficou sabendo da construção, isso há um ano. De lá pra cá, talvez tenha sido o opositor mais ativo do projeto da loja.

Em agosto do ano passado, solicitou que a prefeitura compartilhasse com a Fundaj todos os estudos do empreendimento (são de livre acesso no site) e, em carta aberta, pediu que “seja debatido na sociedade os efeitos do funcionamento de uma loja de 12,1 mil m² num dos bairros mais tradicionais do Recife, e de relevância ambiental e cultural da nossa Cidade”. Também anunciou que estava “constituindo uma comissão de especialistas para acompanhar o tema”.

Enquanto o grupo de moradores falava sobre outros assuntos ou sobre o vai e vem do casal de gaviões que habita um pinheiro (e não foi incluído no estudo de impacto ambiental, que contabilizou outras dez espécies de aves no terreno), Antônio Campos solicitava ser incluído, como cidadão, no processo contra a Prefeitura e o Carrefour como amicus curiae, que é alguém ou uma instituição com profundo interesse naquela questão jurídica. Teve seu pedido negado pelo STJ em janeiro.

Nesses dias, passado mais de um mês da concessão da licença prévia pela prefeitura, fez chegar ao grupo o documento – disponível no site de licenciamento da Prefeitura do Recife. E uma comissão de especialistas montou um pedido formal para a prefeitura. Também enviou cartas para o secretário João Braga e para a Fundarpe.

Braga disse que encaminhou a carta que recebeu para a Procuradoria da prefeitura e que não vai analisar se há uma questão política envolvida – Tonca, como é chamado, é ferrenho opositor do PSB. “Ele pode se manifestar como diretor ou presidente, não sei como chama lá, da Fundaj. É um direito dele se pronunciar. Vou aguardar a orientação da procuradoria”, afirmou.

Reservadamente, o comentário é de que Antônio Campos almeja que o terreno seja transformado em um parque público ou um museu em memória de abolicionistas ligados a Joaquim Nabuco. E, quem sabe, passe a integrar o conjunto arquitetônico da Fundaj.

Na terça-feira, Campos publicou um texto no site da Fundaj em que reclama da prefeitura não ter consultado a instituição sobre a construção. E mostrou seu entendimento para o que significa “Atacado dos Presentes”, que descreveu como um paradoxo que parece uma ironia. “Quando uma loja se chama Atacado dos Presentes e se insere de modo a causar transtornos numa rua ou num bairro, dá um presente de grego. Quanto ao “Atacado” talvez possa se referir mais a ataque do que a simples alternativa ao varejo”.

Entrevista // Servidor da Fundaj, o Arquiteto Antônio Montenegro participou da elaboração dos estudos para o pedido de tombamento do conjunto arquitetônico da Fundaj em Casa Forte.

Por que a Fundaj quer barrar a construção do Atacado dos Presentes?
A Fundaj acredita que o edifício da loja irá interferir negativamente no entorno do conjunto arquitetônico composto pelos edifícios do seu Campus Gilberto Freyre/Casa Forte.

Como a construção do empreendimento afeta o tombamento do conjunto arquitetônico do Complexo Cultural Gilberto Freyre, no campus Casa Forte?
A delimitação do entorno, restringindo intervenções que possam interferir negativamente no bem tombado (conjunto arquitetônico, conjunto urbanístico, monumento etc) visa preservar não apenas o bem em si, mas a paisagem e o contexto em que esse bem foi criado. O Iphan considera importante a delimitação de poligonais de tombamento e entorno de sítios e conjuntos urbanos ou conjuntos arquitetônicos, pois aspectos como visualidades em nível urbano e proporcionalidade entre diferentes elementos podem ser perdidos de forma irrecuperável.

Em que se baseia o pedido de ampliação da atual Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural do Poço da Panela – (ZEPH nº5) para incluir o campus Casa Forte da Fundaj?
A inclusão do Campus Casa Forte na ZPEH-5 está baseada na convicção de que o conjunto arquitetônico do Campus Gilberto Freyre/Casa Forte é composto por importantes exemplares representativos de momentos marcantes da arquitetura brasileira/pernambucana: um notável edifício oitocentista em harmoniosa convivência com edifícios de diferentes fases do modernismo. Além disso, os aspectos históricos presentes nas edificações contribuem para dar consistência ao processo: o edifício sede do Museu do Homem do Nordeste, que antes serviu ao Museu do Açúcar, é um dos primeiros no Brasil a serem construídos com finalidade museal. Após servir como residência de um rico comerciante de açúcar, o edifício oitocentista tornou-se o Hospital Magitot, para, em seguida, ser a sede da Fundaj. Este edifício, inclusive, já é qualificado como IEP pela PCR.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com