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Assassinato de educador acende alerta para subnotificação de crimes de ódio contra LGBTs

Raíssa Ebrahim / 04/07/2019

Crédito: Raíssa Ebrahim

Pernambuco conta, desde 2013, com um decreto (nº 39.542/2013) que obriga a Secretaria de Defesa Social (SDS) a elaborar e divulgar estatísticas sobre violência e crimes contra a população LGBT. Entre janeiro de 2014 e dezembro de 2017, o estado registrou 206 LGBTs vítimas de assassinatos, uma média de 51,4 homicídios por ano. Os movimentos sociais argumentam que existe subnotificação e, na prática, os números são maiores.

Alguns casos – geralmente quando envolvem ativistas ou pessoas conhecidas dos movimentos sociais – terminam vindo à tona graças a publicações na imprensa e a viralizações nas redes sociais. Um exemplo recente é o do educador Sandro Cipriano, de 35 anos, brutalmente assassinado em Pombos, Mata Norte do Estado, no último dia 28. Mas muitas histórias de vários(as) outros(as) “Sandros” ainda permanecem na invisibilidade, sobretudo no interior, onde as questões de orientação sexual e identidade de gênero são historicamente mais estigmatizadas.

Segundo relatos de amigos e integrantes de movimentos sociais, a forma como o corpo de Sandro foi encontrado, no dia 29, na zona rural de Pombos, aponta para a possibilidade de crime de ódio, com alguns aspectos que indicam tortura e LGBTfobia. O carro dele foi encontrado queimado no dia 30, também na zona rural. A Marco Zero Conteúdo teve acesso a imagens do corpo que comprovam as características relatadas. A declaração de óbito registra que a causa da morte foi uma lesão na cabeça provocada por um tiro de arma de fogo.

Apesar disso e das informações amplamente veiculadas na imprensa desde a semana passada, a Polícia Civil de Pernambuco informou à reportagem, em nota, que está investigando a morte, mas que o corpo da vítima “não apresentava sinais aparentes de violência no momento em que foi localizado, necessitando de exame tanatoscópico”. A investigação, que corre em sigilo, está a cargo da titular da Delegacia de Pombos, Carolina Martins, que irá se pronunciar apenas ao término das investigações.

Número de vítimas LGBTs assassinadas em Pernambuco:

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Sandro era professor do curso de Agroecologia na ONG Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), com uma atuação social em defesa da agricultura familiar e dos direitos LGBTI+. O ativista também fazia parte da diretoria da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais em Pernambuco (Abong-PE). Ele era também presidente da Rede LGBTI+ de Pombos e coordenador da Rede LGBTI+ do Interior de Pernambuco.

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Subnotificações

Entre os principais motivos das subnotificações de crimes contra a população LGBTI+ estão a falta de sensibilização dos profissionais que atendem e deveriam notificar esses casos de violência; a ausência de um protocolo para esse tipo de crime; e a falta de informação, de aceitação ou identificação das vítimas como LGBTI+ por parte das famílias. A invisibilidade e a ausência de dados oficiais dificultam o planejamento de políticas públicas eficazes, além de não sensibilizar a população.

Em maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a homofobia é crime no Brasil, equiparando as penas por ofensas a homossexuais e a transexuais às previstas na lei contra o racismo.

Entidades da sociedade civil organizada e militantes dos direitos LGBTI+ reuniram-se, na segunda-feira (1), com o secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, para cobrar do poder público celeridade nas investigações do assassinato de Sandro Cipriano. Ficou pactuada a criação de um Grupo de Trabalho para produção de uma minuta que subsidie a elaboração de um decreto para tipificar o crime de LGBTfobia em Pernambuco.

“Um caso foi registrado em Carpina (Zona da Mata) no dia em que nos reunimos com o secretário. Ficamos sabendo pelas redes sociais que um homem gay foi assassinado e seu corpo foi jogado atrás de um palhoção. Ainda não sabemos ao certo o que foi o crime, mas as características indicam LGBTfobia. No final de junho, uma menina trans em Palmares (Mata Sul) foi morta com vários tiros”, relata Jair Brandão, assessor e ativista da ONG Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero.

Jair alerta: “Não queremos somente receber um relatório. Queremos que esses dados sejam transparentes e estejam publicados no portal da SDS. Isso serve também para que a sociedade esteja ao nosso lado e enxergue que não é uma questão de achismo e de vitimização”.

“Apesar do empenho demonstrado pelo secretário no caso de Sandro, ainda são muitos os crimes invisibilizados, sobretudo no interior. E é preciso entender que a nossa pauta não é sexual, ela é muito maior que isso. Ela é transversal a todas as outras lutas, da saúde à educação”, reforça Rivânia Rodrigues, coordenadora do Fórum LGBT de Pernambuco e da Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas (Candaces).

O educador e ativista Sandro Cipriano é homenageado com plantio de mudas na sede da ONG Gestos (crédito: Raíssa Ebrahim)

O educador e ativista Sandro Cipriano é homenageado com plantio de mudas na sede da ONG Gestos (crédito: Raíssa Ebrahim)íssa

Sandro foi homenageado na manhã desta quinta-feira (4) na sede da Gestos, no bairro da Boa Vista, com cerimônia organizada por ativistas dos direitos LGBTI+ e organizações da sociedade civil. Uma carta-manifesto será elaborada e apresentada ao Governo do Estado. A previsão de publicação é na próxima semana. Até lá, a ideia é articular uma audiência pública com o governador Paulo Câmara (PSB). Os movimentos sociais também querem um posicionamento formal do governo a respeito das 10 audiências públicas sobre políticas sociais para a população LGBTI+ já realizadas pelo Ministério Público.

A Associação Brasileira de Agroecologia também segue em luto, reforçando que “se há LGBTfobia, não há agroecologia”. Confira a carta aberta publicada no site da instituição – “Uma carta para Sandro”.

A Marco Zero Conteúdo procurou a SDS para obter dados de 2018 sobre homicídios de LGBTs, saber por que esses números não estão acessíveis no portal da secretaria e ouvir o governo sobre a alegação de subnotificações, além dos planos para reverter o quadro. A pasta, no entanto, informou que somente teria todas as informações compiladas para repassar nesta sexta (5) pela manhã.

Em nota, na sexta à noite a SDS informou que se verificou diminuição de CVLIs (Crimes Violentos Letais Intencionais) com vítimas LGBTI+ de 2017 para 2018: de 57 para 33 ocorrências, ou seja,  uma queda de 42,1%. A pasta frisou que “é fundamental lembrar que essas não são mortes motivadas por homofobia, o que se define no curso ao fim da investigação policial”. Em 2018, houve um caso de homicídio por homofobia, contra 3 em 2017.

Na avaliação do estado, a subnotificação desses casos de violência existe, mas não “por falta de interesse das forças de segurança. Ao contrário, as polícias buscam, dia a dia, refinar melhor a análise e estatística criminal”. O poder público estadual coloca como uma das causas da subnotificação ” o fato de que orientação sexual pode ou não ser informada pela vítima ou familiares à polícia”.

Acrescenta ainda que “na grande maioria dos casos, a orientação não tem relação com o crime. É como ocorre nos casos de feminicídio x homicídio de mulheres. Somente quando a mulher é morta pela condição de gênero há a tipificação do feminicídio dentro do Código Penal”.

Confira a nota da SDS-PE na íntegra:

A SDS informa que se verificou diminuição de CVLIs com vítimas LGBTI+ de 2017 para 2018: de 57 para 33 ocorrências, ou seja, -42,1%. É fundamental lembrar que essas não são mortes motivadas por homofobia, o que se define no curso ao fim da investigação policial. Em 2018, houve um caso de homicídio por homofobia, contra 3 em 2017.

A subnotificação dos casos de violência contra a população LGBTI+ existe e não é por falta de interesse das forças de segurança. Ao contrário, as polícias buscam, dia a dia, refinar melhor a análise e estatística criminal. Com o mapeamento dos crimes, autores, locais, hora, dinâmica e motivação, a segurança pública pode adotar ações visando proteger a população, tanto na esfera macro, quanto estratégias específicas de cuidado a minorias e segmentos mais vulneráveis à violência.

Uma das causas da subnotificação se dá pelo fato de que orientação sexual pode ou não ser informada pela vítima ou familiares à Polícia. Não cabe à Polícia expor a sexualidade de um cidadão, muito menos se ela não tem conexão com o ato violento. Para isso, a investigação se baseia em depoimentos, diligências, quebra de sigilo, análise de possíveis conteúdos audiovisuais e outros elementos de prova.

Na grande maioria dos casos, a orientação não tem relação com o crime. É como ocorre nos casos de feminicídio x homicídio de mulheres. Somente quando a mulher é morta pela condição de gênero há a tipificação do feminicídio dentro do Código Penal.

As polícias são parceiras e trabalham para proteger a população LGBTI+ da violência, além de punir autores desse tipo de crime. Um dos casos citados na matéria possivelmente se referem é o de Lohane, cujo assassinato ocorreu em Palmares, em 17 de junho deste ano. O caso foi apurado com empenho pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa e, no dia 27 de junho, o acusado – Robson José da Silva – foi capturado. Em 2019, foi o único caso de homicídio, até o momento, comprovadamente motivado por homofobia.

O respeito à diversidade está não somente na formação dos policiais, mas também inserido institucionalmente nas estruturas da segurança. A Polícia Militar de Pernambuco, por exemplo, conta a Diretoria de Articulação Social e Direitos Humanos (DASDH), responsável pelo diálogo com a sociedade civil, articulação com entidades, promoção de campanhas voltadas para os Direitos Humanos e defesa da cidadania, combate à homofobia, preconceito religioso e racismo institucional, entre outros. Na SDS, a Gerência de Articulação e Integração Institucional e Comunitária (GGAIIC) promove o programa Comunidade Segura, por meio do qual policiais ministram palestras para alunos de escolas públicas do estado, fomentando o respeito à diversidade.

Por fim, a SDS orienta a população LGBTI+ vítima de preconceito a procurar uma delegacia mais próxima para prestar queixa por crimes sofridos.

Atualizado na terça (9)

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com