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Assassinatos de mulheres trans não param e entidades cobram ações do governo em Pernambuco

Giovanna Carneiro / 20/02/2022

Crédito: Arcugay/Wikimedia commons

A transfobia continua a fazer vítimas em Pernambuco. Os assassinatos de três mulheres trans em fevereiro – duas mortes aconteceram em São Bento do Una, no Agreste e outra em Palmares, na Mata Sul – somaram-se a outro caso registrado nos primeiros do ano no Cabo de Santo Agostinho, dando sinais de que o crescimento expressivo deste tipo de crime ao longo de 2021 poderá ter continuidade ao longo deste ano.

As vítimas foram mortas por disparos de arma de fogo, passaram a fazer parte de uma estatística que comprova a escalada de violência contra a população trans e de travestis do estado. De acordo com o dossiê anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), em 2021, Pernambuco ficou em quinto lugar no ranking do maior número de assassinatos de pessoas trans, com 11 casos, subindo duas posições em relação ao ano anterior, quando registrou 7 transfeminicídios. O documento indicou também que o Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo.

Com os assassinatos do último fim de semana, em apenas dois meses o estado já registrou 4 assassinatos de pessoas trans, ou seja, mais da metade do que foi registrado em todo ano de 2020. Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco afirmou que as investigações dos assassinatos já foram iniciadas e seguem até que os crimes sejam esclarecidos, mas não informaram se os suspeitos foram identificados ou detidos.

Na sexta-feira, 11 de fevereiro, no bairro Santa Rosa, em Palmares, um homem pilotando uma moto atirou numa mulher trans identificada como Júlia, de 23 anos, que morreu no local. No dia seguinte, na zona rural de São Bento do Una, duas mulheres trans, uma de 18 anos e outra de 31 anos, foram atacadas e mortas no distrito de Queimada Grande, em circunstâncias que a Polícia Civil não esclareceu. Antes, em janeiro, no bairro Bela Vista, no Cabo, a auxiliar de cozinha Blenda Schneider foi morta a tiros quando voltava da casa de uma amiga.

Para Caia Maria Coelho, integrante da Nova Associação de Travestis e Transexuais de Pernambuco (Natrape) e da Rede Autônoma da Travestis e transexuais de Pernambuco (Ratts-PE), o aumento do número de assassinatos é consequência da falta de políticas públicas. “É uma realidade muito triste e o poder público precisa ser responsabilizado por essas mortes. Diversas entidades da sociedade civil estão interessadas em estabelecer um diálogo direto com os governos estaduais e municipais, mas ainda não há um processo de ouvidoria regular instaurado graças a uma institucionalização burocrática que dificulta essa escuta”, afirmou a ativista.

Falta diálogo com governo

A Ratts-PE, da qual Caia Coelho faz parte, foi criada em novembro de 20121, a partir da união de diversas entidades, para atuar de forma mais incisiva na criação de políticas públicas para pessoas trans com o objetivo de garantir segurança e qualidade de vida para essa população.

Um dos principais mecanismos utilizados pela rede para tentar diálogo com gestores governamentais foi a elaboração de uma carta proposta de combate ao extermínio de pessoas trans e travestis em Pernambuco. A expectativa era de que a carta fosse entregue ao governador Paulo Câmara em uma reunião que estava marcada para acontecer em janeiro de 2022, mas, até hoje, o encontro não aconteceu.

“Isso é muito preocupante, porque com a implementação das propostas que os movimentos sociais estão demandando, momentos políticos como esse, de aumento do transfeminicídio no estado, não estariam acontecendo”, declarou Caia.

A Marco Zero procurou a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos para saber se havia uma nova data para o encontro entre a Ratts e o governador, ou algum outro representante do governo. A assessoria da secretaria respondeu por meio de nota, mas não sinalizou a possibilidade de nenhuma reunião e apenas indicou quais são as iniciativas que estão em vigência no estado para o combate da violência contra a população LGBTQIA +.

Confira a íntegra da nota:

De forma intersetorial e com diálogo com as gestões municipais, o Governo do Estado tem atuado para fortalecer o segmento LGBTQIA+ e prevenir casos de violência através da construção de ações afirmativas e de conscientização destinadas à população e da promoção de projetos de capacitação para as pessoas do segmento e para gestores e gestoras que atuam nessa política pública.

O Comitê de Prevenção e Enfrentamento da Violência LGBTfóbica foi instituído em 2021 e tem estruturado ações de enfrentamento a essas violações. Nele, estão reunidas as Secretarias Estaduais da Mulher; de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude; de Defesa Social; de Saúde; de Educação e Esportes; de Justiça e Direitos Humanos e de Políticas de Prevenção à Violência e às Drogas.

O comitê tem trabalhado de forma integrada para capacitar, assessorar e mobilizar, em articulação com os municípios, a prevenção, o acolhimento às vítimas e a punição aos agressores. As ações são desenvolvidas em equipamentos de cada secretaria. Um dos exemplos são as capacitações promovidas junto às equipes de assistência social nos municípios para encaminhamentos preventivos ou o acolhimento a eventuais vítimas.

Vale lembrar que equipamentos municipais e estaduais estão à disposição, como os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) – que dispõem de equipes capacitadas para atendimento a esse público –, além do Centro Estadual de Combate à Homofobia (CECH), disponível pelo telefone (81) 3182.7665.

Denúncias sobre violações aos direitos de pessoas LGBTQIA+, que são um passo importante para a prevenção de crimes mais graves, podem ser encaminhadas pelo Disque 100 ou pela Ouvidoria Social: 0800.081.4421, (81) 98494.1298 ou 98494.1291.

O abrigo que não saiu da promessa

Uma das reivindicações presente na carta elaborada pela Ratts-PE é a disponibilização de casas abrigo para o público LGBTQIA+ em diversas cidades e regiões do estado. Em julho de 2021, após ao assassinato brutal da travesti Roberta Nascimento, de 33 anos, que foi queimada viva no Cais Santa Rita, área central do Recife, o prefeito João Campos (PSB) anunciou em suas redes sociais a autorização de edital para a criação de um espaço de acolhimento a pessoas LGBTIA+. Porém, mais de seis meses depois, o abrigo continua sendo uma promessa.

No dia 28 de janeiro, a Ratts publicou uma nota cobrando o lançamento do edital para a criação do abrigo que, segundo Caia Maria Coelho, deveria ter sido publicado no final de janeiro. O documento foi apoiado pelas seguintes entidades não-governamentais: Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans), Monstruosas, Rede de Pessoas Trans Vivendo com Hiv Aids (Rntthp), Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+), Nova Associação de Travestis e Transexuais de Pernambuco (Natrape), Frente Trans PE e Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa).

“O projeto do abrigo é uma possibilidade de poder acolher mais gente, não só pessoas travestis e transexuais, mas todo o público LGBT. Assim a gente conseguiria oferecer mais cursos para qualificar essas pessoas para o mercado de trabalho, porque hoje em dia o nosso espaço é pequeno para atender tanta gente, mas a gente sempre dá um jeitinho”, afirmou Mirella Drielly, secretária da Amotrans.

Em nota enviada à reportagem, a Secretaria de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Juventude e Política sobre Drogas, afirmou que “A Prefeitura do Recife informa que está empenhada em viabilizar a casa de acolhimento para a população LGBTI+ uma vez que compreende as dimensões do preconceito e discriminação enfrentados por esse público. A Prefeitura esclarece ainda que o Termo de Referência para implantação de uma casa de acolhimento LGBTI+ para pessoas em situação de vulnerabilidade já foi iniciado e o texto do edital encontra-se em processo de avaliação pelos órgãos de controle do município. A previsão é que o Edital de Chamamento Público, que convocará Organizações Sociais, seja divulgado até o fim do mês de março”.

No dia 4 de fevereiro, em matéria publicada pelo Jornal do Commercio, a prefeitura havia informado que o edital de chamamento público seria divulgado até a segunda quinzena de fevereiro.

Esta reportagem foi produzida com apoio doReport for the World, uma iniciativa doThe GroundTruth Project.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.