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Aumento da tarifa, sucateamento e falta de transparência: quem paga a conta do transporte coletivo?

Débora Britto / 29/01/2020

Crédito: Mariama Correia/MZ Conteúdo

Em março, a passagem do metrô vai aumentar para R$ 4,00. Desde abril de 2019, quando foi autorizado o reajuste das tarifas pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), o preço sobe progressivamente – antes da decisão, a tarifa custava R$ 1,60.

A conta que sempre sobra para o lado mais fraco, os trabalhadores, é resultado de um nó que envolve a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que faz a gerência do metrô no Recife, a União, e o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros no Estado de Pernambuco (Urbana-PE). O aumento gradual que chegará a subir em 150% o custo da tarifa foi autorizado em abril de 2019 pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). A conta correspondeu a um cálculo apresentado pela CBTU para suprir um déficit de gastos com a operação, mas nada garante que a vida e o bolso de quem depende do transporte público vai ficar mais confortável.

Na Região Metropolitana do Recife, cerca de 2.200.000 usuários utilizam ônibus por dia, segundo o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano. Já o Metrô transporta 200 mil passageiros por dia e atende a uma população de mais de 2 milhões de pessoas, em quatro municípios (Recife, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e Cabo de Santo Agostinho). Em 2018, segundo a CBTU, 102.088.526 realizam viagens no modal.

O peso do
transporte

De acordo com a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (2017-2018), pela primeira vez os gastos com transporte superaram os gastos com alimentação no orçamento de famílias residentes no meio urbano. Ainda segunda a pesquisa, juntos, os custos com alimentação, habitação e transporte corresponderam a 72,2% das despesas de consumo média mensal das famílias.

Com o aumento da tarifa, agora, em janeiro de 2020 (com tarifa de R$3,70) , uma pessoa que recebe salário mínimo (R$1.039) e utiliza o metrô duas vezes ao dia, durante 20 dias úteis por mês, gastará R$ 148 reais. No início de 2019, o custo ficaria em R$ 64.

Essa conta ajuda a entender o peso dos gastos para quem depende do transporte coletivo público. Para as famílias de trabalhadores a conta só piora.

De acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos realizada mensalmente pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), para uma família de quatro pessoas garantir seus custos básicos em dezembro de 2019, o salário mínimo precisaria ser de R$ 4.342,57. Ou seja, 4,35 vezes mais do que o salário mínimo daquele ano que era de R$ 998,00.

O estudo toma como base a cesta básica mais cara e estima qual seria o valor do salário mínimo necessário para, de acordo com a Constituição Federal, “suprir as despesas de um trabalhador e da família dele com alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência”, segundo o relatório.

Quem paga a
conta, afinal?

Apesar do anúncio do governador Paulo Câmara (PSB) de que as passagens de ônibus terão reajuste zero em 2020, o custo do transporte coletivo e público não caiu. A sinalização também não tranquilizou ativistas que defendem mais transparência sobre o que chamam de “caixa preta” das empresas de ônibus.

Tal “caixa preta” é uma das principais pautas da Frente em Defesa do Transporte Público de Pernambuco, no que se refere ao controle social. Pedro Josephi, advogado e coordenador da Frente, defende que em vez de reajuste zero, o que deveria estar em discussão – se a “caixa preta” fosse aberta – é a redução do valor das tarifas de ônibus.

“Atualmente a Urbana-PE tem o controle tanto dos créditos do VEM quanto das tarifas, da bilhetagem eletrônica. No entanto, não há nenhuma transparência, nenhum controle social sobre esses valores arrecadados. Nós e o Estado não sabemos o quanto as empresas de ônibus lucram com o sistema de transporte. Nós só temos acesso ao suposto déficit que elas apresentam nas planilhas, que também podem ser muito bem maquiadas, mas nós não temos acesso aos lucros que as empresas têm”, explica Josephi.

Leia mais

Para
Jessica
Lima, professora da área de Transportes da Universidade Federal de
Alagoas (UFAL), ações urgentes que poderiam ser tomadas hoje, com a
infraestrutura que já existe, ajudariam a melhorar a condição do
transporte coletivo. Mas falta interesse dos poderes públicos.

A implementação da integração temporal, permitindo que pessoas possam se deslocar dentro do Recife sem a necessidade de ir para um terminal integrado; e a construção dos corredores exclusivos para o Sistema Estrutural Integrado (SEI) seriam urgentes. “É preciso criar os corredores de transporte entre os terminais. Isso é para ontem, basta pintar as faixas nas vias. É só tomar a decisão de priorizar o transporte público. O SEI vai fazer 40 anos daqui a pouco e até hoje não foi implementado. Recife tem uma coisa única no Brasil devido à integração física e metropolitana. A ideia é muito boa, mas ela nunca foi de fato implantada. Fizeram as integrações físicas, os terminais, a integração metropolitana, porém a um custo temporal muito grande”, explica.

Além dos pontos levantados por Jessica, a Frente de Luta em Defesa do Transporte Público se posiciona em favor de uma mobilização permanente em defesa da tarifa única, com extinção do ANEL B (atualmente, no valor de R$4,70), a continuidade do sistema do BRT, e a extinção do prazo de validade para os créditos do VEM.

Associadas, as
tarifas de ônibus e do metrô se tornaram uma dor de cabeça para
quem depende do transporte público.

Ações contra o
sucateamento do metrô

Ao mesmo tempo que o preço da tarifa aumenta, não se vê melhoria no estado do metrô. Os metroviários também se opõem ao aumento e criticam o sucateamento da estrutura do sistema. Para Adalberto Ferreira, presidente do Sindicato dos Metroviários de Pernambuco (Sindmetro-PE), o aumento da passagem prejudica não apenas os usuários, que passam a pagar mais, mas também a luta da categoria, que perde adesão e apoio da sociedade. “Defendemos um metrô público, de qualidade, prestando um serviço com tarifa acessível, dentro da realidade do trabalhador brasileiro. Hoje, se for levar em consideração o salário mínimo, a tarifa consome cerca de 33% do ganho de um trabalhador. Isso é um absurdo, é inadmissível”, critica.

De acordo com Adalberto, a categoria enxerga no aumento da tarifa e na falta de investimento no metrô o objetivo de privatizar o sistema, o que, segundo ele, é insustentável. “Privatização não é solução e sabemos que o serviço prestado pelo metrô hoje no Recife não condiz com uma tarifa alta como essa em circunstância nenhuma. Países com economias crescentes investem cada vez mais no metrô para transporte dos trabalhadores. Todo esse sistema é público. Sem contar que é provado que nenhum metrô do mundo consegue sobreviver só com a bilheteria”, alerta.

A reação ao sucateamento precisa acontecer com apoio da sociedade, defende Adalberto. Para isso, o sindicato criou uma Comitê contra o sucateamento do metrô, composto atualmente por 39 organizações da sociedade civil.

Para Josephi, o aumento do metrô compromete ainda mais o orçamento de grande parte das famílias e reafirma a importância de se fazer um debate coletivo sobre o transporte público coletivo. “Em qualquer lugar do mundo o transporte coletivo de massa precisa ser subsidiado pelo Estado e o metrô, por ser uma empresa pública, depende do governo federal. Nós observamos com muita indignação porque acreditamos que o transporte coletivo de massa precisa ser subsidiado por parte do Estado e financiado por toda coletividade. Não apenas pelo usuário, não apenas pela tarifa. Não é o que determina o Plano Nacional de Mobilidade Urbana”, comenta Pedro Josephi.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.