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A chegada da campanha eleitoral coloca no centro das atenções a performance do projeto político do PSB à frente da prefeitura da cidade do Recife. O prefeito Geraldo Júlio conseguiu se eleger graças ao apadrinhamento político do então governador Eduardo Campos e com fama de ser um ótimo gestor. Então é natural que a atenção recaia sobre esse aspecto. Como anda a saúde financeira da capital pernambucana? O questionamento ficou ainda mais necessário depois que o atual gestor afirmou, logo no início de sua campanha, ter tirado a cidade do buraco. Entretanto, a análise do balanço da prefeitura até o ano de 2015 indica mais endividamento e menos investimentos, além de um expressivo aumento nas despesas em geral – com um peso maior no pagamento de salários do funcionalismo temporário e de cargos comissionados.
Também chama a atenção o aumento das receitas – o quanto a prefeitura conseguiu arrecadar nesses anos. Apesar de ter mais dinheiro em caixa, houve a redução de investimentos e o aumento das dívidas da municipalidade. A análise dos dados disponíveis no Portal da Transparência remete às escolhas feitas pela gestão – e que levaram, por exemplo ao paradoxo de se destinar mais recursos para publicidade e propaganda do que para a pavimentação de novas vias.
O debate na atual campanha se enriqueceria se essas escolhas fossem analisadas com os números. Um bom quadro das qualidades e defeitos da administração municipal, aliás, é fornecido pelo Índice Firjan de Gestão Fiscal, produzido desde 2006 pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Estamos atualmente na 487a posição nacional. A avaliação leva em consideração a receita própria, gastos com pessoal, investimentos, liquidez e custo da dívida. O município de Ipojuca foi o orgulho estadual em 2015: 82a melhor gestão fiscal em 2015 e primeira do estado de pernambuco. Em 2014, Ipojuca repetiu a posição estadual. O segundo lugar no índice da Firjan foi do município de Salgueiro.
O aumento despesas de pessoal e encargos foi de 54,64% (atualização pelo IPCA) e de 57,76%, se atualizado pela inflação medida pelo IGPM – acima da inflação no período, que foi de 49,74% pelo IGP-M. Na atual campanha, o tema vem recebendo muito destaque o que já é previsível. Mas também porque o modelo de gestão preconizado pela herança eduardista advoga a redução de custos. De qualquer forma, o aumento das despesas nessa rubrica tem municiado os críticos da atual gestão municipal.
O maior peso desse aumento é relativo às despesas com contratos temporários, funções gratificadas e pensões: considerando sempre os dados disponíveis no Portal da Transparência e descontando a inflação medida pelo IPCA, as despesas com contratos temporários cresceram 267%. Já as despesas com gratificação de cargos comissionados e funções gratificadas aumentaram 52,4%. Percentualmente, o aumento das despesas com estes cargos é maior que o próprio aumento das despesas em geral, que cresceram “apenas” 24%.
Em 2008, na gestão anterior à de Geraldo Júlio, a municipalidade gastou R$ 43.969.836,57 com cargos comissionados. A projeção para o final do ano de 2016 (incluindo 13º Salário) indica uma despesa de R$ 130.351.124,93. Veja a evolução no quadro abaixo.
Um bom exemplo do privilégio dado ao modelo que privilegia contratações temporárias: o aumento do número de orientadores de trânsito. “É inevitável perceber que a gestão atual fez investimentos de fachadas. No que diz respeito à mobilidade, o maior investimento foi na contratação dos orientadores de trânsito, que não possuem poder de fiscalização. Enquanto isso, o número de guardas diminuiu”, afirma Guilherme Jordão, integrante da Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife (Ameciclo).
De fato, o montante de recursos com os orientadores só fez crescer desde 2013, como pode ser verificado nesse estudo da Associação. De acordo com o Pedido de Informação solicitado pela entidade de nº 201500017330020 e 201500018330023, a prefeitura contratou o serviço de orientadores de trânsito ao custo contratual anual de R$ 15,9 milhões, mesmo reconhecendo não possuir nenhum estudo ou “indicador específico quanto à melhoria da eficácia para o programa de orientadores de trânsito”, como consta na resposta da CTTU. O valor global pago até 2015 foi de R$ 25 milhões.
“O custo médio para se construir um quilômetro de corredor exclusivo de ônibus é de R$ 4 mil”, afirma Guilherme Jordão. “O legado educativo que o programa de orientadores do trânsito deixa para a cidade é pouco, é fugaz. O motorista recifense foi ensinado a sistematicamente não ter responsabilidade no trânsito e um dos elementos para isso é a sinalização, cujos investimentos não foram aplicados como planejado”. Em 2013, somente 13% da previsão dos gastos com sinalização foram aplicados; em 2014 apenas 18,58%; em 2015, somente 13% dos recursos reservados para sinalização vertical foram usados. As sinalizações horizontais (faixa de rolamento, passagem de pedestre, etc.) também tiveram baixo nível de uso dos recursos planejados e podem ser verificados no documento da Ameciclo.
É preciso ler o que esses números revelam em termos das escolhas feitas na gestão da coisa pública. Considerar que a maior obra viária com recursos da prefeitura ter sido a contratação dos orientadores de trânsito especifica uma dimensão política da gestão do prefeito Geraldo Júlio.
O aumento de despesas com pessoal não é, a priori, um problema; aliás, como não é um problema o aumento do endividamento (que também aconteceu). Sobretudo porque a melhora dos serviços públicos e o desenvolvimento urbano, industrial, obras estruturantes requerem, eventualmente, um e outro.
É uma escolha política não ter estabelecido um arco de seleções abertas e transparentes que valorizassem o estatuto do funcionalismo público e, via de regra, a prestação de serviços à população em geral. A não realização de concursos e a concomitante adoção dos cargos temporários com funções gratificadas é, por outro lado, uma conhecida fórmula de acomodação dos grupos e pessoas vinculadas à administração – uma face da governabilidade.
A questão é que esse formato de contratação abre espaço para o loteamento político da máquina pública e para o nepotismo, que por sua vez confirma aquilo que, na cultura política brasileira, tem dificuldades em separar o que é público do que privado.
Os casos de nepotismo na atual gestão nas 24 pastas municipais e na maioria dos 13 órgãos da administração indireta expressam essa tendência. Eles foram registrados na imprensa local: alguns chamam mais atenção, como o caso de Rodrigo Mota de Farias, sobrinho do secretário de Infraestrutura e Serviços Urbanos do Recife, Nilton Mota (PSB), nomeado chefe de gabinete do prefeito; dos quatro filhos de parlamentares empregados na Empresa de Urbanização do Recife (URB), cujo presidente é o socialista Antônio João Dourado.
Tem ainda o filho do secretário estadual das Cidades, Danilo Cabral, Marcelo Henrique Viannna Cabral, nomeado para o cargo em comissão de assessor técnico de acompanhamento processual da Secretaria de Assuntos Jurídicos; da irmã do conselheiro do TCE, Marco Loretto, Mônica Coelho Loreto Pereira, nomeada para a Secretaria de Desenvolvimento e Planejamento Urbano do Recife. Há ainda o caso de Maria Eduarda Campos, filha de Eduardo Campos, nomeada para o instituto Pelópidas da Silveira.
A instituição municipal cuida do ordenamento territorial da cidade. Maria Eduarda chegou à instituição em um contexto delicado: a instituição é a operadora do Plano de Ordenamento Territorial do Recife (POT-Recife), que consiste na revisão de parte da legislação urbanística municipal e na regulamentação de instrumentos urbanísticos – entre eles o Plano Diretor. Maria Eduarda integrará a equipe responsável por esse delicado e político trabalho.
O caso mais emblemático envolve, entretanto, a mãe do próprio prefeito, que tem um cargo comissionado na Secretaria de Educação da Cidade do Recife.
Ainda chama a atenção a evolução das despesas com locação de mão de obra, que em 2015 representou R$ 287,4 milhões. Tinha sido de R$ 95 milhões em 2008 – uma variação de 101,49% acima da inflação. São diversas as atividades relacionadas, entre elas limpeza e conservação, serviço de recepcionistas, apoio administrativo técnico e operacional e apoio administrativo técnico e operacional – dados disponíveis no Portal da Transparência. A evolução dos custos com o serviço de condutores de veículos: passaram de R$ 1,5 milhão (2008) para R$ 23,5 milhões (2015).
Um outro elemento que chama atenção nos dados do Portal da Transparência: o endividamento. Esse fator atinge a ponta de serviços à população, como em hospitais e escolas. O professor Igor Corrêa é taxativo: “muitas atividades das escolas são prejudicadas por causa do endividamento com fornecedores”, afirma.
O mestre ainda reclama do que ele considera “uma série de dificuldades no que diz respeito à falta de planejmento e de contingenciamento de recursos”, afirma.
A soma das operações de crédito de longa e curta duração (simplificando: empréstimos) na prefeitura em 2008 era de R$ 228,6 milhões – já descontada a inflação. A municipalidade fechou o ano de 2015 com dívida acumulada de R$ 883,8 milhões. É um crescimento de 287%. Também subiram muito os juros pagos para remunerar das dívidas. Ao final de 2015 o valor pago em juros pela prefeitura alcançou a marca de R$ 48,2 milhões – crescimento de 238% acima da inflação em relação ao ano de 2008.
Mais do que o registro dessa elevação, os números sugerem um questionamento de fundo: o legado da administração Geraldo Júlio inclui um nível de endividamento inédito.
Em geral o aumento das dívidas dos municípios se explica pela crise econômica, que afeta o poder de consumo das famílias, o que compromete por sua vez a arrecadação tributária de municípios e estados. De fato, a crise assombra as administrações municipais e já entrou no radar da Associação Brasileira de prefeituras. A Abrap considera que a capacidade arrecadadora dos Municípios é em média de apenas 17,36% frente ao total de recursos disponíveis.
Entretanto, as receitas da prefeitura do Recife – o quanto a prefeitura arrecadou – fecharam o ano de 2015 em alta. Descontada a inflação medida pelo IGPM, as receitas correntes entre 2008 e 2015 aumentaram 28%. Além disso, a prefeitura cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal, e as contas do prefeito Geraldo Júlio apresentam tanto superávit primário quanto nominal.
De 2008 até 2015 todos os recursos provenientes de taxas, impostos e empréstimos tiveram um aumento de 23,5% – descontada a inflação. Em números absolutos, as Receitas Correntes da Prefeitura saltaram de R$ 2.135.047.405,96 para R$ 4.087.195.230,97.
O aumento na receita aconteceu justamente por uma maior capacidade de arrecadação de impostos sobre rendas (aumento de 50% desde 2008); impostos sobre produção e circulação (13,4% maior); também subiram as receitas que a administração municipal obtém de taxas de vigilância sanitária (66,44%) e as taxas para licenciamento de estabelecimentos comerciais e industriais (72,8%).
E aqui um detalhe: o crescimento acumulado de 2014 para 2015 foi praticamente igual – a receita corrente da Prefeitura em 2015 foi bastante semelhante à de 2014, indicando que a receita corrente estagnou de um ano para outro. Desta forma, descontando o efeito inflacionário, podemos afirmar que houve redução real de Receita da PCR na ordem de 10 por cento entre 2014 e 2015. É de se observar também que os repasses da União Federal para a gestão atual foram crescentes. Aliás, Pernambuco foi um dos Estados que mais se beneficiou com repasses federais. Em 2015 esses repasses tiveram crescimento real de 14,44%.
Então o que explicaria o aumento das dívidas – cujos números contrariam as afirmações do prefeito Geraldo Júlio?
Por outro lado, serviços como o de manutenção e conservação de avenidas, ruas, praças e vias foi reduzido em quase 50% – em 2008 o balanço da gestão de então cravou despesas de R$ 41,8 milhões. Em 2015 os recursos destinados a isso ficaram em R$ 23, 38 milhões. Já os serviços de recapeamento asfáltico vinham numa crescente constante até o ano de 2014, quando a prefeitura aplicou R$ 73,106 milhões. Em 2015 o valor destinado para essa tarefa caiu para a ordem de valor de 2012 e foi de R$ 27 milhões.
Também caíram os investimentos na cidade realizados pela prefeitura. No ano de 2015 a gestão municipal investiu R$ 288,589 milhões – R$ 100,977 milhões a menos que no ano anterior; R$ 191,893 milhões a menos que em 2013 e R$ 175,843 milhões a menos que em 2012 (último ano da gestão João da Costa).
Já as despesas com os serviços de publicidade e propaganda tiveram um lugar garantido na previsão orçamentária: R$ 27,35 milhões em 2012; R$ 19,27 milhões em 2013; R$ 43,709 milhões em 2014 e R$ 17,788 milhões em 2015. É assim que se chega essa insólita situação, na qual se gasta mais com publicidade e propaganda do que com pavimentação de novas vias. Veja:
Mas ainda aqui o questionamento das escolhas feitas é interessante: há uma clara disparidade de tratamento que a Prefeitura da cidade do Recife dedicou à mobilidade ativa (não motorizada, pedestres e bicicletas) e passiva (motorizada, carros motos e ônibus) no triênio 2013-2015.
Os recursos destinados ao transporte motorizado foram bem maiores. Além disso, houve baixo percentual de execução dos valores previstos para a estruturação e melhora do transporte cicloviário: enquanto o recapeamento e a pavimentação de novas vias tiveram invejáveis percentuais de 100% de execução do orçamento previsto, as infraestruturas cicloviárias não tem média de execução orçamentária que chegue sequer a ⅔ dos valores previstos – uma das conclusões do Relatório Analítico da Mobilidade por bicicletas do Recife, produzido pela Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife (Ameciclo).
Entramos em contato com o governo municipal por intermédio de sua Secretaria de Imprensa no dia 5 de setembro. O contato solicitava o envio de um e-mail com os questionamentos que apareceram ao longo do estudo do balanço e das entrevistas feitas ao longo do trabalho de apuração . O e-mail foi enviado às 17h42 do mesmo dia, mas até agora a prefeitura não retornou as perguntas enviadas.
Os dados podem ser conferidos no site do Portal da Transparência e nesse arquivo
Luiz Carlos Pinto é jornalista formado em 1999, é também doutor em Sociologia pela UFPE e professor da Universidade Católica de Pernambuco. Pesquisa formas abertas de aprendizado com tecnologias e se interessa por sociologia da técnica. Como tal, procura transpor para o jornalismo tais interesses, em especial para tratar de questões relacionadas a disputas urbanas, desigualdade e exclusão social.