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Pela primeira vez, agricultores e agricultoras tiveram contato direto com representantes do Governo
“Me dói o coração quando eu vejo uma empresa chegar numa comunidade e implantar um grande empreendimento sem respeitar aquela comunidade. Porque eu completei 75 anos, nasci e cresci na agricultura e eu queria morrer na agricultura, mas fui obrigado a me deslocar do sítio e tô na cidade pagando aluguel”, essas foram as palavras do agricultor Simão Salgado, de 76 anos, aos participantes da quarta reunião do Grupo de Trabalho (GT) criado pela governadora Raquel Lyra para discutir o licenciamento ambiental de empreendimentos de energia renovável, na manhã desta quarta-feira (10).
Ex-morador das proximidades do Sítio Sobradinho e de Pau Ferro, ele deixou suas terras após a instalação de um parque eólico para viver no centro de Caetés com a esposa que está com diversos problemas de saúde, inclusive depressão. E essa não é uma realidade isolada, como a MZ já mostrou em diversas reportagens.
Com faixas que diziam frases como “transição ou transação energética?”, “nada de nós sem nós”, “sem zuada do lado de casa” e “energia que tem causado adoecimento”, quase 40 camponeses e camponesas, que sofrem diariamente com os danos causados pelas eólicas, ocuparam a sala em que a reunião estava acontecendo na secretaria estadual de Desenvolvimento Econômico (SDEC), no Bairro do Recife.
Ao lado dele, estava Vanessa Araújo, agricultora do mesmo território que, entre os diversos danos, teve sua casa rachada pelos impactos dos aerogeradores e viu integrantes da sua família sendo pressionados a assinarem contratos com as empresas de energia. “Eu quero que busque solução, que busque nos respeitar enquanto agricultores e agricultoras. São famílias que têm que sair a pulso, sabe? Não oferecem condições nenhuma para a gente e ainda querem que a gente suporte o que trouxeram para nós”, indagou entre seus relatos.
Estiveram presentes moradores das comunidades de Sobradinho, Lagoa da Jurema, Pontais, Laguinha, Pau Ferro, Barroca e de outros sítios vizinhos, todas no município de Caetés, para apresentar coletivamemte uma série de reivindicações apresentadas em forma de carta, lida durante a reunião. Entre elas, “a suspensão imediata das licenças dos parques Santa Brígida e São Clemente que estão cometendo crime ambiental continuado”, “a participação e paridade de camponeses na construção da lei das eólicas” e “que o estado e as empresas assumam as despesas de tratamento de saúde de todas as pessoas adoecidas pelas eólicas”.
Pela primeira vez, os agricultores saíram de suas cidades para tentar – e conseguir – contato direto com o Governo do Estado para que suas demandas fossem oficialmente ouvidas. Os agricultores e agricultoras ficaram sabendo da existência do GT durante as aulas da formação Escola dos Ventos, oferecida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acontece a cada dois meses e é direcionada às famílias impactadas pelas eólicas.
“Durante esses encontros de formação a gente descobriu que estava acontecendo esse GT para discutir a situação das famílias, mas a das famílias futuras, as vizinhas dos próximos parques. E os que estão lá, como é que está? O pessoal se motivou a vir participar desse espaço e entrar mesmo, porque como é que estão discutindo a vida das famílias impactadas sem as famílias participarem?” indagou, Eurenice da Silva, representante da CPT em Garanhuns.
Pelo lado do Governo do Estado, estavam o secretário de Desenvolvimento Econômico, Guilherme Cavalcanti, o diretor presidente da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), José de Anchieta dos Santos e a secretária-executiva de Sustentabilidade da secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Karla Godoy. Também participaram representantes da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) e pesquisadores das universidades federais e da Universidade de Pernambuco (UPE).
Um outro momento importante do encontro foi a apresentação dos dados quanti-qualitativos da pesquisa em desenvolvimento “processos de vulnerabilização e os conflitos socioambientais decorrentes da implantação e operação de parques Eólicos em comunidades camponesas no Agreste Meridional de Pernambuco”, realizada pela doutora em Saúde Pública e professora do campus Garanhuns, da Universidade de Pernambuco (UPE), Wanessa Gomes. As informações apresentadas reiteram as demandas trazidas pelos camponeses que estiveram no local.
Após a reunião do GT, a secretária-executiva de Sustentabilidade e o presidente da CPRH) receberam os camponeses em um diálogo mais direto. Segundo Karla Godoy, “A CPRH vai analisar e estudar os casos e dar um retorno até o fim do mês de maio. Se for constatado que os problemas de saúde são decorrentes da implantação das eólicas, a questão será tratada com as empresas. As reuniões desse GT são para tratar da construção do instrumento normativo para licenciamento de novos empreendimentos solares e eólicos”.
Recife, 10 de abril de 2024
Somos camponesas e camponeses que vivem há muitas e muitas gerações nesse território, cuidando da terra e produzindo alimentos para que vocês da cidade não morram de fome. Porque vocês da cidade não plantam. Temos o nosso jeito de falar, de viver e de entender o mundo. Somos o que chamam comunidades tradicionais.
Há mais de oito anos nosso lugar foi invadido pelos parques eólicos. Chegaram as empresas e o governo com a boca cheia de mentiras. Roubaram nosso sossego e nossa felicidade. No lugar do canto dos passarinhos, a zuada sem fim. Nossos animais adoecidos. Nossas árvores mais antigas estão mortas, e nós estamos doentes. A culpa disso tudo é das eólicas. Na verdade, a culpa disso tudo é das empresas e do governo. Nós somos os verdadeiros defensores da natureza. Vocês, governo e empresas,
defendem o dinheiro. Mas o dinheiro apenas para vocês.
Viemos aqui para ajudar o governo a trabalhar. E para ensinar às empresas como se defende a natureza. Mas estamos preocupados. Se passarmos muito tempo aqui, quem vai produzir comida pra vocês? Quem vai produzir alimento para seus filhos e seus doentes? Vocês não sabem produzir vida. Vocês só entendem de morte. Outras comunidades se levantarão como hoje estamos nos levantando. E vocês não terão poder sobre nós.
Somos defensores de nossos territórios e exigimos:
a) A suspensão imediata das licenças dos parques Santa Brígida e São Clemente que estão cometendo crime ambiental continuado;
b) Que o estado e as empresas assumam as despesas de tratamento de saúde de todas as pessoas adoecidas pelas eólicas;
c) A reforma imediata de todas as casas e cisternas rachadas por causa das eólicas;
d) A participação e paridade de camponeses na construção da lei das eólicas;
e) Reunião com a governadora com a presença do CPRH, da SEMAS, da Secretaria de Saúde e de Assistência Social. E que o Ministério Público fiscalize essas reuniões.
Ventos para a vida. Ventos para a vida!
Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.