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Candomblé, jurema e umbanda unidos contra destruição de terreiro no Cabo de Santo Agostinho

Marco Zero Conteúdo / 17/04/2023
Ao ar livre e sob céu claro, com poucas nuvens, grupo de religiosos com trajes rituais das religiões de matriz africana, estão em semicírculo ao redor de uma oferenda que parece ser uma panela de barro com farinha amarela e uma vela acesa.

Crédito: Rafael Negrão/MZ Conteúdo

por Rafael Negrão

Representantes dos povos de Terreiros do Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana do Recife, se reuniram na tarde de sábado (15), na Praça Theo Silva, no centro da cidade com objetivo de protestar contra o vandalismo sofrido no dia 25 de março pelo terreiro Casa de Axé do Mestre Manuel Quebra Pedra, situado no Loteamento Cidade Garapu.

Segundo informações do juremeiro Manuel, proprietário da casa, o espaço foi invadido à noite e, apesar da depredação, não foi levado nenhum pertence. “Recebemos uma ligação por volta das 6h, dizendo que nosso terreiro tinha sido arrombado, e quando chegamos estava tudo destruído. Foi muito chocante ver tudo revirado, quebrado, pois a gente nunca acreditou que isso pudesse acontecer, porque estamos lá desde 2019 e nunca tivemos problemas nenhum com a comunidade”, desabafou o juremeiro Manuel.

Quem estava presente na manifestação, foi o babalorixá Adilson de Iemanjá Ogunté, do Ilê Axé Ota Ilê Asé Otalaya, que relembrou o fato de outros terreiros também terem sido vítimas de ataques pela internet. Ele ressaltou que o candomblé é uma das religiões mais antigas da humanidade e merece respeito como qualquer outra: “nós estamos aqui por conta da intolerância, dos preconceitos, do racismo e por tudo que o povo de terreiro tem vivenciado com essa violência. Até que se prove ao contrário, nós somos a religião mais antiga do mundo, como afirma os historiadores que constatam que somos politeístas, porque adoramos ao Deus vivo, mas também há outros deuses, e isso não nos faz diferente das outras religiões”, afirmou o pai de santo que também tem o seu terreiro na Cidade Garapu, cultuando há mais 39 anos o Candomblé e a Umbanda.

O juremeiro e presidente da Associação dos Povos de Terreiro do Cabo, Josemar de Oliveira que está à frente do Centro Espírita Caboclo Ubirajara, em Ponte dos Carvalhos, refletiu que a educação é uma arma potente contra a intolerância. “A falta de conhecimento faz com que a maioria da sociedade julgue a gente pelo que escuta da nossa religião. É necessário que secretários de educação, gestores e professores dialoguem sobre a nossa religião com os estudantes. Eu nunca soube que um professor de história levou uma turma para conhecer um terreiro ou foi dialogar com um zelador de santo em nossa cidade. Infelizmente, nossa cultura religiosa é esquecida dentro das escolas”, revelou o juremeiro que desenvolve um trabalho de caridade na comunidade que atua.

Crédito: Casa de Axé Manuel Quebra Pedra

A ialorixá Tarciana Airá do Terreiro Ilê Alá Axé Obá Airá Yá Elekô, no bairro de Pirapama, também foi ao centro do Cabo participar da cerimônia-protesto. “Quero ter o direito de fazer o meu culto na praça sem ninguém me olhar de cara feia e me criticar. Quero ter o direito de andar com o seu torço (espécie de turbante que protege os orixás), minhas contas e não me açoitarem nas ruas do Cabo, como aconteceu no terreiro de Manuel, onde quebraram, queimaram e apedrejaram a jurema sagrada nos tirando o nosso direito de fé”, denunciou a mãe de santo.

No ato, foi realizada uma cerimônia louvando aos orixás e a jurema sagrada. A manifestação teve falas políticas e de respeito à tolerância religiosa. Durante o ato foi lembrado que esta não foi a primeira vez que um terreiro foi vítima da intolerância no município. Em 2016, aconteceu episódio semelhante quando o terreiro de pai Douglas de Oyá Gueré, foi vítima do vandalismo no Alto dos Miranda. A casa foi invadida e vários objetos foram roubados, quebrados e queimados. A casa de santo não existe mais, ele vendeu o imóvel e mudou de cidade.Na época, pai Douglas disse acreditar que se tratava apenas de um furto sem motivação religiosa.

Vale ressaltar, que o local do ato foi emblemático, pois na Praça Theo Silva, no Centro da cidade, existia a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, onde o povo negro era enterrado, conforme explicou o babalorixá Talabii Dein, um dos organizadores da manifestação. “Essa praça teve corpos enterrados na igreja dos pretos, sendo um local sagrado para nós, por isso, louvamos aos orixás, aos nossos antepassados e as almas pedindo permissão para fazer essa cerimônia, dando ênfase para o mestre Manuel Quebra Pedra, que teve sua casa violada”, disse o pai de santo.

Segundo representantes dos Povos de Terreiro do Cabo, o município tem 77 terreiros cadastrados na prefeitura. A maioria pratica a Jurema Sagrada, tradição religiosa nordestina iniciada com os indígenas da região norte e nordeste do Brasil, tendo sofrido influências de variadas origens, da feitiçaria, pajelança entre outras manifestações culturais.

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