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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
por Mariama Correia, da Agência Pública
Enquanto todas as atenções estão voltadas para o solo de Maceió, um pesquisador olha fixamente para o céu. Desde que foi dado o alerta de afundamento da mina 18 da Braskem, localizada no bairro do Mutange, Humberto Barbosa, professor e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite da Universidade Federal de Alagoas (LAPIS/UFAL) monitora com preocupação as imagens que ajudam a prever as mudanças meteorológicas. É que as chuvas intensas, comuns na região nesta época do ano, podem ampliar o risco de colapso do solo.
“A grande pergunta que estamos nos fazendo é: quanto de chuva Maceió suporta para que não aconteça um deslizamento do solo?”, diz. A resposta é complexa porque envolve muitas variáveis e dados. O cientista e a equipe do laboratório independente consideram alguns cenários.
A previsão de risco maior para deslizamentos de solo é caso chova 200 milímetros em 10 horas. “Isso é aproximadamente 12% do valor total de chuva anual na região, que chega em torno de 2 mil milímetros”, explica Barbosa. “Mas se chover três dias consecutivos intensamente, pode ser outro gatilho para abalos”, acrescenta.
Chuvas moderadas e fortes podem não fazer a mina colapsar, diz o pesquisador, mas ele teme que elas causem uma reação em cadeia. “Não sabemos ao certo quais podem ser as consequências das chuvas em um terreno já degradado como o da região afetada pela exploração da Braskem. Até porque o desastre que está acontecendo na cidade não tem precedentes, não há na literatura um registro semelhante. Maceió é hoje um laboratório – no pior sentido – de desastres. O que podemos afirmar é que, caso o solo fique encharcado, ele pode se tornar mais suscetível a afundamentos”, explica.
Em 2018, Barbosa lembra que o laboratório – que é uma das principais referências do país em pesquisas e análise de dados de satélite do país – foi procurado pela Defesa Civil de Maceió. “Uma pessoa ligou informando que havia ocorrido um abalo sísmico. A gente tinha registrado chuvas de intensidade média e alta dias antes. Ou seja, a chuva pode não fazer com que o desabamento aconteça, mas pode ser mais um gatilho”
O fim do ano é um período de maior incidência dos chamados Vórtices Ciclônicos, que causam fortes precipitações. Os Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCAN), explica o pesquisador, são sistemas formados por ventos, que provocam mudanças meteorológicas. Dezembro e janeiro são os meses em que essas estruturas se formam com maior intensidade na região Nordeste. Os vórtices têm um centro seco e bordas com convergência de umidade. Quando as bordas se aproximam de alguma região, elas causam pancadas de chuva intensas.
“Estamos monitorando um VCAN que causou chuvas fortes, de mais de 300 milímetros, no Rio Grande do Norte alguns dias atrás. Estamos agora caçando o centro dele, vendo o tempo todo como ele se posiciona. Agora está no Sudoeste da Bahia. Se ele for mais para Leste, o perigo de chuva intensa em Maceió aumenta. A gente não sabe o que pode acontecer, porque não é possível prever os movimentos”, diz.
O El Niño também pode intensificar ainda mais as precipitações este ano, adicionando calor à atmosfera. “Não queremos dar um alarme falso e assustar ainda mais uma população que já está vulnerável. Mas Maceió tem pouca estrutura de escoamento, uma drenagem irregular. Tantos anos de intervenção humana, não só pela exploração da Braskem, mas pela perfuração de poços, tubulações, várias estruturas associadas ao crescimento urbano, tornaram o terreno da cidade menos resistente. Por isso, a chuva arrasta o solo mais fácil”, explica. “Esses riscos deveriam já estar sendo divulgados para a população pelo poder público, mas não estão sendo”, diz o professor.
A reportagem procurou a Defesa Civil de Maceió e a Braskem para perguntar sobre medidas para proteger os bairros afetados pela mina de afundamentos, caso ocorram chuvas fortes, mas não obteve resposta até a publicação.
Na última terça-feira, a Defesa Civil reduziu o estado de alerta máximo para o colapso da mina 18 para apenas um nível de alerta. De acordo com o órgão, a velocidade de afundamento do solo caiu para 0,22 cm/hora. Desde o fim de novembro, o solo no bairro do Mutange já cedeu 1,89 metro. No último dia 29, famílias foram obrigadas a sair às pressas de suas residências depois que a Defesa Civil informou que a mina de extração de sal-gema estava afundando com maior velocidade e corria risco de desabamento.
O afundamento de bairros em Maceió, causado pela exploração de sal-gema da Braskem, é considerado o maior desastre ambiental urbano do país. Os primeiros tremores de terra foram registrados em março de 2018. Ruas cederam e imóveis racharam. Até agora, mais de 20% do território de Maceió foi afetado pelos tremores. Isso inclui os bairros de Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto, Farol e Mutange, onde muitos locais viraram áreas fantasmas.
A Braskem operava 35 poços de extração de sal-gema em Maceió, desde a década de 1970. Essas operações foram suspensas em 2019, por causa dos tremores. Mais de 14 mil imóveis foram afetados pelas operações da Braskem, de acordo com o Ministério Público Federal e mais de 60 mil pessoas foram retiradas de suas casas. A Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió apresentou queixa-crime contra a Braskem, mas o MPF rejeitou a queixa.
“A Braskem cavou 35 poços sem apresentar o Estudo de Impacto Ambiental. São vários crimes da Braskem, além do geológico, há um processo de apagamento das consequências, pensado e premeditado pela empresa, que criou uma série de acordos para dar uma falsa aparência de legalidade das operações ao longo dos anos. Houve também omissão do poder público no processo de fiscalização e acompanhamento da estabilidade das minas”, diz Alexandre Sampaio, presidente da Associação.
Na terça-feira (5), o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas multou a Braskem em mais de R$ 72 milhões por danos ambientais e pelo risco da mina 18. Em julho, a Braskem fez um acordo para pagamento de R$ 1,7 bilhão à prefeitura de Maceió, em contrapartida às indenizações e exclusão de cobranças de impostos sobre os imóveis afetados. Com esse acordo, a empresa passa a ser proprietária dos terrenos abandonados pelos moradores. A prefeitura avalia pedir nova indenização.
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