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8 de março no Recife. Crédito: Débora Britto/MZ Conteúdo
No Dia Internacional de Luta das Mulheres, cinco repórteres da Marco Zero Conteúdo acompanharam as manifestações do ato “Marielles: livres do machismo, do racismo e pela previdência pública”, que durante mais de seis horas mobilizou cerca de 20 mil mulheres, na caminhada que seguiu da Praça do Derby até a Praça da Independência, no Centro do Recife. Confira os relatos de Débora Britto, Helena Dias, Maria Carolina Santos, Mariama Correia e Raíssa Ebrahim sobre o #8M2019.
Com sacolas de compras em uma mão e a mão da filha em outra, a contadora Marise Trajano esperava a passeata passar pela Avenida Conde da Boa Vista debaixo da marquise de número 1463. Marise sabia que era o Dia Internacional da Mulher, mas se surpreendeu com o “tumulto”. “É um dia realmente significativo. Na nossa sociedade as mulheres não são respeitadas, seja no ambiente de trabalho ou dentro dos lares. A mulher precisa ser muito impositiva e ter muita integridade para se colocar”, respondeu, quando perguntei da importância do 8 de março.
Para a filha, Aline, Marise deseja um mundo melhor e mais justo para as mulheres. “Eu educo a minha filha para ela saber se posicionar diante da sociedade”, diz. Quando pergunto se ela se considera feminista, Marise cai no equívoco que tanto afasta as mulheres da militância – que luta por igualdade e não superioridade. “Não sou feminista. Me considero mulher e mãe”, diz. Para ela, a palavra “feminismo” separa. “A mulher tem que estar mais integrada, sozinha ela não consegue. Precisamos de todos”.
Se tivesse participado efetivamente do ato, Marise poderia ter visto que há vários feminismos. Poderia ter conhecido e reconhecido parte de suas lutas em mulheres como Eliane Nascimento, da Articulação das Mulheres da Zona da Mata. Eliane foi ao ato na companhia de outras 40 mulheres para pedir uma Delegacia da Mulher na região da Mata Sul. Não há nenhuma. Ou talvez tivesse tido a chance de conversar com a educadora Rejane Pereira, do Movimento de Mulheres Negras de Pernambuco, que defende uma agenda contra a violência que as mulheres sofrem diariamente.
No final da rápida conversa, Marise segue seu rumo, em sentido contrário ao da passeata. “Boa sorte com as suas causas”, me deseja. Nossas causas, Marise. (Maria Carolina Santos)
Sãzara Belle (esquerda) – descendente de Xucuru e estudante de agroecologia
“Porque somos contra o machismo, o racismo, toda a perseguição a mulheres pretas e indígenas e não vamos mais aceitar esse domínio que tem classe, nome e cor, que é branco e é homem. Para nós, povos indígenas, é bem simbólica a entrada desse governo, totalmente contra as nossas vidas. Sabemos que o que está acontecendo não é nada de novo. São cinco séculos de perseguição e, agora, esse governo quer voltar aos tempos da ditadura, do horror que praticaram contra os povos indígenas, tudo isso impune. Mas não vão conseguir”.
Gabriela Lobo – publicitária
“Porque somos todas lutadoras, batalhadoras, tivemos que brigar pelos nossos espaços e mantê-lo todos os dias. Porque vivemos sob ameaças, ameaças que colocaram fim à vida de Marielle, e ela se tornou um representação do que essa força maligna que é o patriarcado quer fazer com a gente, nos eliminar. E conseguimos transformar isso numa força que faz a gente florescer. Marielle virou semente, a gente se tornou Marielle e vamos seguir brotando porque mais Marielles virão.”
Severina Inácia da Silva – moradora do Engenho Goiabeira, do MST, em Jaboatão dos Guararapes
“Estamos aqui provando que somos Marielles porque ela defendia a nossa causa em tudo que ela queria e eu acho injusta a morte dela. Nós como mulheres deveríamos agradecer muito a Deus por ter uma mulher guerreira como ela, que morreu covardemente”.
Maria Eduarda Vasconcelos – estudante
“Porque Marielle lutou a favor da gente, então devemos também representá-la na luta que ela sempre defendeu. Por isso há o nome dela na frente do 8M hoje”. Ela resolveu participar do seu primeiro 8M por um motivo pessoal que preferi não expor aqui, mas que fez Eduarda não conseguir mais conversar comigo, apenas chorar. Minha reação foi então emprestar o celular para que ela conseguisse se comunicar com uma amiga perdida e seguir na luta junto com ela.
Cris Nascimento – ativista e integrante da Rede de Mulheres Negras
“Somos Marielles porque ela lutou e plantou sementes que nascem a cada dia em nossos corações e nossas lutas. Porque Marielle me representava na cor, na luta LGBT, na periferia, na luta antirracista. Ela já me representava viva e está presente em nós. Esse 8 de Março é para mostrar que somos fortes e vamos continuar juntas, que precisamos umas das outras e precisamos nos aquilombar cada vez mais, nos fortalecendo nas nossas ancestralidades”.
Juliana Vitorino – pedagoga e coordenadora da comissão provisória de mulheres do Psol
“Somos Marielles porque nós mulheres, sobretudo as negras, sentimos o amargo bater na nossa boca naquele 14 de março de 2018. E para dizer para nós mesmas o quanto temos que ocupar certos espaços. Ela colocou para a gente que é possível, só que naquele momento a gente pensou que estava tudo acabado. Mas hoje não está. Muita gente fala, romantiza a questão da semente. Mas não queremos ser só semente, queremos ser fruto, folha, tronco, árvore, raiz. A gente quer ser floresta. Dentro de mim bate uma Marielle, dentro de você também. E essas Marielles precisam ocupar os espaços, sejam eles de síndica de prédio a presidente de República”. (Raíssa Ebrahim)
Há um campo energético de proteção e força que envolve o 8 de Março, não consigo encontrar descrição melhor para a manifestação que acompanho nos últimos três anos. Me sinto invencível quando percorro a Avenida Conde da Boa Vista ao lado de todas aquelas mulheres, falo enquanto jornalista, mulher e militante. É como se os motivos que nos levam às ruas, a gritar por igualdade, não pudessem nos tocar naquele momento, porque estamos juntas e somos literalmente grandes.
Ali, não sou uma “estranha” ou “revoltada”. O espaço é nosso e é seguro para nós, nele projetamos o Brasil e o mundo onde queremos viver. É como um ritual que anuncia, ao som das batucadas do Fórum de Mulheres de Pernambuco e da Marcha Mundial das Mulheres, que a luta e a resistência não podem parar e que não estamos sozinhas.
Ainda na concentração do ato, um cartaz me chamou atenção:
A frase fala da censura sob os nossos corpos, mas eu levo a interpretação para mais além. Acredito que, quando não estamos atentas e conscientes, o patriarcado nos faz acreditar que não temos forças para contê-lo e tenta calar ou esconder quem diz o contrário. Tentaram nos fazer acreditar que não podemos ser presidentas da República, quando o golpe de 2016 depôs Dilma Rousseff, uma chefe de estado democraticamente eleita. Tentaram nos fazer acreditar que uma mulher negra, favelada e lésbica não pode ocupar espaços de poder, quando assassinaram Marielle Franco.
É tudo mentira! E nós não só sabemos, mas também sentimos que podemos ocupar estes espaços e resistir contra a reforma da Previdência do governo Bolsonaro. O 8 de março vem para nos lembrar que a nossa unidade pode mover as antigas engrenagens do mundo e, sobre isso, Marielle já falava muito bem: “Eu sou porque nós somos”. (Helena Dias)
Entre tantas causas pelas quais as mulheres foram às ruas no Brasil, neste 8 de março, a defesa da Previdência pública foi uma bandeira que conseguiu unir vários movimentos feministas. Isso porque a reforma da Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro é uma ameaça real aos direitos conquistados pelas trabalhadoras brasileiras. O texto dificulta a aposentadoria das mulheres ao subir a idade mínima dos 55 para os 62 anos, com tempo de contribuição igualado ao dos homens em 20 anos.
A aprovação do texto seria andar para trás mesmo sabendo que, apesar dos avanços nas últimas décadas, ainda temos um longo caminho a percorrer rumo à igualdade de oportunidades no mundo do trabalho. Abismos imensos ainda nos separam dos nossos objetivos. Neste 8 de março, por exemplo, o IBGE divulgou uma pesquisa que mostra a diferença de rendimento entre homens e mulheres no mercado de trabalho brasileiro. Nós recebemos 79,5% do rendimento deles, de acordo com o levantamento realizado em 2018.
E, como se não bastassem os salários menores, ainda pesam barreiras para a evolução na carreira e a sobrecarga da dupla jornada, entre outras coisas. As mulheres gastam duas vezes mais horas que os homens em afazeres domésticos no Brasil, segundo o Ipea.
Os problemas que já eram grandes, se agigantaram depois da reforma trabalhista. Agora, o ataque vai ser nas aposentadorias. Por isso, a luta contra as mudanças previdenciárias encabeçou as manifestações feministas por todo país. As mulheres que participam de movimentos das trabalhadoras e de sindicatos, com as quais conversei, são unânimes em apontar que as mudanças apresentadas até agora representam o fim da Previdência pública para as trabalhadoras.
A situação é ainda pior para as professoras. No caso delas, o tempo de contribuição aumentaria dos 25 atuais para 30 anos, mesmo tempo dos homens. Já a idade mínima subiria de 50 para 60 anos. “Não estão levando em conta que professoras geralmente acumulam mais de um vínculo empregatício para ter um rendimento digno, isso sem contar as responsabilidades com os filhos e com a família”, lembrou Valéria Silva, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe).
“O peso das aposentadorias vai para as costas das trabalhadoras e nosso dinheiro para as mãos de banqueiros”, disse Cláudia Ribeiro da Central Sindical e Popular Conlutas. Ela se referia ao modelo que o governo pretende adotar, onde as contribuições de cada trabalhador seriam administradas em uma espécie de fundo de rendimentos, que pode ser gerenciado por instituições privadas.
Cláudia ressaltou que as manifestações desta sexta-feira (8) marcaram o começo das mobilizações das trabalhadoras e dos trabalhadores contra a reforma da Previdência. No próximo dia 23 devem acontecer manifestações e greves por todo o país. (Mariama Correia)
As palavras de ordem e músicas de guerra são conhecidas de outras marchas e outros atos. Mas nenhum 8 de Março é igual a outro. O primeiro após o assassinato brutal de Marielle Franco comprovou algo que há muito se anuncia: as mulheres negras movem as estruturas da sociedade.
Foram elas, todas vestidas de branco, pois sexta-feira é dia de santo, que convocaram as mulheres a aquilombar e combater o racismo. As mulheres negras da Rede de Mulheres Negras e outros movimentos gritavam por suas ancestrais, por Marielle e pela vida das juventudes negras em comunhão com outras mulheres que, assim como eu, se emocionavam com o afeto e a força presentes, ali, em plena marcha.
Receber o abraço e o desejo de axé de Vera Baroni é uma bênção para quem entendeu que as lutas que travamos para viver e ser livres não acabam ao fim de uma batalha.
Marchar pelas ruas do Recife no 8 de março, em 2019, ainda é lutar contra as estruturas dos engenhos, da política velha e podre, dos quartos de empregada nas casas da elite, de direita e de esquerda. As mulheres cansadas nas paradas de ônibus ainda são, em grande maioria, mulheres negras que não têm a oportunidade de marchar por seus direitos. Marchar em 2019 contra o racismo é lembrar que um jovem negro morre a cada 23 minutos, e não existe condição de plena segurança para qualquer pessoa que seja negra. Mas é, apesar de tudo, a chance de olhar para os lados e caminhar junto a outras e outros, aquilombar, e levar adiante o ensinamento de quem veio antes de nós: as pretas e os pretos são a chave para a revolução. (Débora Britto)
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