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Crédito: Acervo pessoal
Na segunda-feira, 3 de outubro, os resultados da eleição realizada na véspera deverá ser o único assunto entre os brasileiros. Para um morador do Recife, porém, a data recordará que, há 40 anos, três estilhaços de chumbo estão alojados em seu pulmão direito por causa de um atentato que quase o matou na campanha eleitoral de 1982, talvez a mais violenta da história política de Pernambuco.
Os quatro tiros que atingiram o peito de Clodoaldo Torres se tornaram símbolo da violência na disputa eleitoral que culminou na vitória de Roberto Magalhães, o candidato do PDS, partido de sustentação da ditadura militar, sobre o então senador Marcos Freire, do MDB. E mudaram a vida do sindicalista e funcionário da Chesf que decidira lançar seu nome para concorrer a uma vaga na Assembleia Legislativa.
Perto de completar 72 anos, Torres lembra com minúcias do ataque a tiros que o surpreendeu no alto de uma mesa de madeira na feira de Afogados. Como faziam todas as manhãs de domingo naquela campanha, ele e seus companheiros – incluindo o jovem estudante de Direito e futuro deputado federal Maurício Rands – percorriam as feiras livres da cidade, onde ele fazia comícios “relâmpagos” criticando a reforma previdenciária realizada pelo general-presidente João Figueiredo e a alta nos preços dos alimentos.
Um homem que estava bebendo entre as barracas não gostou de ouvir as críticas ao governo dos militares. Era o comissário de polícia da delegacia de Afogados, Eraldo de Araújo. Ele se aproximou do candidato durante o discurso, sacou um revólver e, sem dizer nada, atirou uma vez. O projétil atingiu perfurou a mão esquerda do político, atingiu o microfone que ele segurava e desviou. “Eu lembro de tudo, com detalhes. Lembro do movimento do dedo dele no gatilho, da roupa que ele usava. De tudo”, afirma Torres.
“Percebi que ele iria atirar novamente, então dei um pulo e corri, mas logo tropecei em alguma coisa, um saco de batatas ou uma caixa, e caí com o corpo meio de lado. O policial veio por cima de mim e disparou três vezes a queima-roupa. Provavelmente, por causa da posição em que eu estava, nenhum dos tiros pegou o coração, mas perfuraram um dos pulmões”, conta Clodoaldo Torres.
O atentado a um oposicionista colocou o governo sob pressão, principalmente porque aquele não foi o primeiro caso de violência política na campanha. O criminoso foi logo identificado com ajuda do testemunho de vários feirantes que o conheciam bem, pois todos os finais de semana o comissário passava nas barracas extorquindo dinheiro dos comerciantes em troca de “proteção”. Eraldo foi condenado e morreu assassinado na cadeia anos depois.
Aquele não havia sido o primeiro e não seria o último crime por motivações políticas durante a campanha. Dois meses antes, pistoleiros tentaram matar a tiros um dos líderes dos trabalhadores rurais no sertão do Pajeú Manoel Jerônimo, que também sobreviveu a três tiros e abandonou a militância sindical depois disso. Na zona norte do Recife, na comunidade de Saramandaia, o deputado Sérgio Longman e o então vereador Pedro Eurico, ambos oposicionistas, se preparavam para fazer um comício quando foram cercados e ameaçados por pistoleiros ligados a um político do PDS que considerava o bairro seu “curral eleitoral”.
Alguns dias após a tentativa de homicídio contra Clodoaldo Torres, o ônibus em que viajavam o candidatos a governador Marcos Freire e a senador, Cid Sampaio, na estrada quando seguia para a cidade de São Benedito do Sul, na Mata Sul. Um disparo atingiu o encosto da poltrona em que Freire estava. Antes disso, o candidato a prefeito pelo MDB em São Benedito já havia sido assassinado pelo seu adversário político do PDS.
Torres, por sua vez, passou por várias cirurgias e permaneceu várias semanas no hospital. Não pôde voltar às ruas para pedir votos, mas nem precisava. O atentado lhe deu notoriedade instantânea entre o eleitorado de oposição e ele acabou sendo o segundo mais votado de todo o pleito, com 50.555 votos. Quatro anos depois, foi reeleito, porém com uma votação bem menor, mas foi presidente da Assembleia Legislativa de 1989 a 1991. Em seguida, desistiu das disputas eleitorais. “Voltei à rotina na Chesf e percebi que seria mais útil ao campo progressista e de esquerda como gestor ou técnico, por isso abri mão de disputar cargos eletivos”, admite.
Clodoaldo Torres está pessimista para a campanha eleitoral que começa daqui a alguns dias. Ele acredita que os atos extremos não deverão vir das Forças Armadas. “O que houve comigo em 1982 foi resultado daquilo que o então vice-presidente Pedro Aleixo, um civil, disse para o general Arthur da Costa e Silva quando foi informado do AI-5: ‘Isso vai acabar com o resto de liberdade que existe no país’. O presidente lhe questionou: “O senhor não confia no seu presidente?’. A resposta de Pedro Aleixo descreve o que estamos passando hoje: ‘No presidente eu confio, não confio é no guarda da esquina’. Hoje a expectativa seria mais sombria porque nem no presidente se pode confiar. “Nós vivemos aqui um quadro complicadíssimo, principalmente porque temos um presidente truculento que incentiva a discórdia, a briga e a violência. E os filhos dele também”, prevê.
O ex-deputado também alerta para um problema ainda maior e que ele conheça muito bem: os mais de 673 mil CACs (Caçadores, Atiradores Esportivos e Colecionadores de armas) registrados no Brasil. “É muito preocupante, porque a população está armada. Quando eu tirei meu registro de CAC, há quase 30 anos, havia 13 mil CACs no Brasil, era um grupinho fechado”, afirma.
O mais grave, na sua opinião, não seria a quantidade: “CACs atiram muito bem, naturalmente eles atiram muito. Quantos mil tiros eu já dei na minha vida? Muitos. Quantos tiros já deu um soldado do Exército ou da Polícia Militar? Poucos. É um treinamento muito caro. Já fui presidente do Clube de Tiro do Recife, mas deixei de frequentar os clubes porque entre eles há uma influência brutal de Bolsonaro”.
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Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.